Jean Tirole (1953- ), ganhador do Prêmio Nobel de Economia 2014, por análise do poder e regulação de mercado, em seu livro Economia do bem comum (1ª.ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2020), comenta: o cientista também pode ser tentado por uma experiência na mídia, por boas ou más razões.
Ver o nome e o rosto aparecer nos jornais ou na televisão lisonjeia o ego. No entanto, é importante em uma democracia o acesso à perícia não se limitar a uma pequena elite próxima aos círculos intelectuais. É preferível mais especialistas se manifestarem. Seja para satisfazer seu ego ou servir ao bem público (novamente, o resultado é mais importante em lugar da motivação), muitos cientistas estão regularmente na mídia.
No entanto, a mídia não constitui um habitat natural para um cientista. A característica do cientista, seu “DNA”, é a dúvida. Sua pesquisa se alimenta de suas incertezas.
A propensão a apresentar argumentos e contra-argumentos, atividade típica de um cientista fazer sistematicamente em um artigo especializado ou em uma sala de seminário ou curso, nem sempre é tolerada pelos tomadores de decisão. Estes, por sua vez, devem formar rapidamente uma opinião.
“Encontre-me um economista de um lado só!” exclamou o presidente Truman. Ele não aguentou mais os economistas discutindo ‘por um lado’ isso pode acontecer, mas “por outro lado” também pode acontecer…”
Acima de tudo, o raciocínio científico não é adequado ao formato mais usual de debates audiovisuais. Slogans, proclamações expressivas (trechos sonoros), clichês são mais fáceis de transmitir em lugar de raciocínios complexos e efeitos múltiplos. Argumentos fracos são difíceis de refutar sem se envolver em uma demonstração.
Para ser eficaz, muitas vezes é necessário fazer como na Política: chegar com uma mensagem simples e até simplista e cumpri-la. Não interpretem mal a Jean Tirole: um cientista não deve se esconder atrás de suas incertezas e dúvidas científicas. Deve, na medida do possível, fazer um julgamento.
Para esse fim, ele deve superar sua natureza primária e entender as coisas, convencer-se de certos mecanismos são mais prováveis em vez de outros nas circunstâncias previstas: “No estado de nosso conhecimento científico, meu melhor julgamento me leva a recomendar…” Ele deve agir como um médico, decidindo se um tratamento é preferível a outro, mesmo se ainda houver incerteza científica sobre o assunto.
Mas aqui vem outra pergunta: como o conhecimento científico evolui, é natural mudar de ideia. Os intelectuais participantes do debate de ideias públicas frequentemente acampam em suas posições passadas para não passar por “cata-ventos” ou “birutas-de-aeroporto”.
É certo esse bloqueio intelectual após um posicionamento público também existir no ambiente acadêmico, mas o questionamento permanente da pesquisa em seminários e conferências em todo o mundo e a necessidade de publicação em revistas especializadas com parecer anônimo facilita o questionamento.
Além disso, se as intervenções da mídia são amplamente divulgadas em comentários, blogs e outras mídias, elas dificilmente são comentadas pelos colegas – exceto em um estilo leve, em conversa em torno da máquina de café.
Como no caso de atividades remuneradas, infelizmente, os cientistas promovem argumentos na mídia sem questionamentos contraditórios. Eles nunca ousariam defender – ou que eles rapidamente corrigem – em uma sala de seminários ou em revistas especializadas.
Por fim, a participação da mídia expõe o cientista a solicitações referentes a assuntos dos quais ele não é especialista. Um cientista está longe de ser especialista em tudo, inclusive em seu próprio campo. A propensão a deixar seu campo às vezes é chamado de “Síndrome do Prêmio Nobel”!
Não é fácil dizer: “Eu me recuso a responder, não tenho nada a dizer sobre isso”. Portanto, devemos encontrar um equilíbrio complexo: devemos responder se não somos especialistas no assunto, mas ter elementos de resposta de conversas com outros cientistas ou de leituras de livros de referência? Ou se a resposta é apenas senso comum?
Tentação da Mídia para Economista publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário