Tenho uma relação carinhosa com meus colegas servidores públicos, em especial, com os dos bancos públicos federais. Nossa história política – ação coletiva para alcançar certos objetivos da cidadania, tanto em direitos, quanto em cumprimento de deveres – se iniciou no fim dos anos 90, ainda na primeira Era Neoliberal (1988-2002).
Em 28 de agosto de 1999, foi divulgado o Relatório de Alternativas para a Reorientação Estratégica do Conjunto das Instituições Financeiras Públicas Federais (IFPFs), elaborado pelo consórcio Booz Allen & Hamilton – FIPE/USP, sob encomenda do BNDES. Propunha a transformação das Instituições Financeiras Públicas Federais em agências de fomento (instituições não bancárias sem ação comercial) ou sua substituição por fundos de desenvolvimento e uma agência reguladora.
Acusava os bancos públicos, levianamente, causando dano às marcas dessas instituições financeiras: “a falta de transparência das IFPFs e as deficiências de controle dos programas e dos fundos colide frontalmente com sua responsabilidade de agente do Estado” (RBHA-FIPE, III-25).
Em um Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação em Economia, um colega bem-informado (futuramente se tornou reitor da UFMG e ministro da Ciência e Tecnologia) me deu a dica a respeito desse relatório. Ele estava preste a ser divulgado e eu fiquei monitorando na espera. Quando ficou acessível, em uma sexta-feira, logo na segunda-feira eu já tinha um artigo analítico a respeito dele publicado no principal jornal de notícias econômicas da época: Gazeta Mercantil, precursor do jornal Valor hoje.
Optei por uma crítica metodológica, mostrando a inconsistência de seus argumentos e o equívoco quantitativo de sua extrapolação para o cenário futuro dos bancos públicos. Dessa maneira, eu desmoralizaria o relatório sob critérios técnicos em vez de fazer um ataque ideológico ao neoliberalismo privatizante. Soube depois minha crítica imanente à qualidade técnica do Relatório ter repercutido bem junto a técnicos do Banco Central do Brasil.
Teve repercussão o artigo pioneiro na mídia brasileira. Colunistas da grande imprensa o citaram, repercutindo meus argumentos sobre tema pouco conhecido por eles. Bancos do Estado, desde minha dissertação de Mestrado em 1978 – Bancos em Minas Gerais: 1889-1964 – e minha tese de doutorado em 1989 – Banco do Estado: o Caso Banespa –, era meu tema preferido, embora tivesse publicado durante os anos 90 três livros sobre teoria monetária e sistema financeiro.
Com essa divulgação do meu nome fora do campus acadêmico, praticamente todas as federações e associações de funcionários dos bancos federais me convidaram para palestras e/ou consultorias. Fui à Brasília falar para os servidores do Banco do Brasil e para os economiários da Caixa. Debati, convidado pela FENAE, em seminário na Câmara dos Deputados e em reunião nacional em Belo Horizonte. Palestrei para a AFBNDES no Rio de Janeiro, fui à Fortaleza (BNB) e a Belém do Pará (BASA). Escrevi para a associação dos funcionários do Banco da Amazônia. Passei a escrever na revista da FENAE.
O maior número de palestras, em lugares como São Paulo, Santos e João Pessoa, em um ENAGECEF, foi realizado para a FENAG – Federação Nacional das Associações dos Gerentes da Caixa Econômica Federal. Escrevi um livreto de 68 páginas, “Decisão de Cisão da Caixa Econômica Federal: Uma Análise Técnica por Solicitação da FENAG”, divulgado em julho de 2001. Fiz uma análise de sua reestruturação patrimonial no primeiro semestre daquele ano.
Anos depois, em livro comemorativo dos 20 Anos da FENAG, tive o honroso reconhecimento de ter sido um “personagem importante” em sua história. Mas a maior retribuição ocorreu três dias depois da eleição do Lula para a presidência da República.
À noite, recebi um telefonema de minha mentora e amiga, a Professora Maria Conceição Tavares, solicitando-me a indicação de um nome confiável e conhecedor da Caixa para a Comissão de Transição entre os governos. Ela tinha assistido uma palestra minha sobre a Caixa e sabia da minha rede de relacionamentos com seus servidores.
Pedi para me dar um tempo para pensar a respeito. Quando estava ruminando, recebi outro telefonema. Era da presidenta da Associação dos Gerentes da Caixa do Estado de São Paulo. Disse-me: – “Estamos aqui em uma reunião de sindicalistas. Surgiu a dúvida sobre se você aceitaria ser vice-presidente da Caixa, porque todos acham seu nome ótimo, mas com muita dedicação ao ofício de ser professor. Você aceitaria nossa indicação? Nosso nome para presidente seria o presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo”.
Respondi de bate-pronto: – Quem ajoelha tem de rezar…
O presidente da Caixa acabou sendo meu colega do IE-UNICAMP, Jorge Mattoso, na época Secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy). Acompanhava o Lula em viagens internacionais. E o presidente Lula resolveu não abrir exceção à regra de exigência de curso superior para o cargo de presidente da Caixa.
Ele soube da história e, logo, quando recebeu o convite já me chamou para eu lhe dar informações sobre a Caixa a fim dele dar a primeira entrevista à imprensa. Eu era conhecido como o especialista em bancos na UNICAMP. Fui para Brasília na primeira quinzena de janeiro de 2003. Escrevi a minuta de seu discurso de posse.
Passei o primeiro dia (chuvoso) conversando com o VP da Controladoria, o mais experiente líder entre os membros da diretoria da Caixa, tudo a respeito da instituição. Quando lhe disse o presidente ter me dito para eu escolher meu cargo, ele me aconselhou a responder a Vice-Presidência de Finanças e Mercado de Capitais: – É o cargo para um homem de confiança do presidente: cuida da “chave do banco”, inclusive possui o maior regime de alçada junto ao Banco Central do Brasil.
Daí o meu colega Jorge me indicou também para representar a Caixa na Diretoria Executiva da FEBRABAN – Federação Brasileira dos Bancos. Provocou-me: – “Você gosta de banqueiros…” – “Sim, não os demonizo nem tenho medo deles”. E lá convivi mais de quatro anos com eles. Quando saí, fui sondado para ver meu interesse em trabalhar em um grande banco privado nacional. Não ajoelhei, não tive de rezar.
Optei por concluir meu livro sobre a inédita história bancária brasileira. O “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012) ganhou o Prêmio de Melhor Livro de Economia conferido pelo COFECON. Depois escrevi “Bancos Públicos no Brasil” (FENAE/FPA, 2016).
Desde 2010 virei blogueiro, além de palestrante e articulista do GGN, Carta Maior e Brasil Debate. Então, acumulei muitos artigos (e entrevistas) sobre os bancos públicos. Organizei este livro eletrônico com eles. Espero você o apreciar.
Download gratuito do livro: COSTA. Fernando Nogueira da. Bancos Estatais sob Estado Mínimo. Campinas Blog Cidadania e Cultura. 2020
Bancos Estatais sob Ideologia do Estado Mínimo: Baixe o Livro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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