terça-feira, 28 de abril de 2020

Mercado Secundário de Debêntures e Primário de Títulos Públicos

Ana Paula Ragazzi (Valor, 23/04/2020) informa: a entrada de novos negociadores na ponta compradora no mercado secundário de debêntures está promovendo uma redução dos spreads desses papéis e controlando a onda de resgates que afetou fortemente essa indústria em março. Essa percepção de muitos players desse mercado foi traduzida em números por estudo da gestora de recursos JGP.

O índice IDEX-CDI, criado pela JGP para acompanhar o comportamento do crédito privado, está positivo em 2,1% em abril, até o dia 17. Em março, esse indicador havia fechado com forte desvalorização, de 7,7%. Conforme a análise da gestora, a recuperação reflete a chegada de novos compradores para esses papéis e a expectativa de que o Banco Central seja liberado para atuar na compra de títulos de crédito privado no secundário.

Em janeiro e fevereiro, a média diária negociada no secundário de debêntures foi de R$ 500 milhões. Subiu para R$ 900 milhões em março. E, em abril, até 17, está em R$ 1,2 bilhão, aponta a JGP.

Esse mercado ficou disfuncional porque após uma forte onda de resgates, alimentada pelas incertezas da crise do novo coronavírus, gestores tiveram que vender debêntures a qualquer preço. Com isso, papéis de empresas “AAA” foram negociadas a CDI mais 4% ou 5%, níveis indicadores de risco muito maior para os emissores.

Ao mesmo tempo, para quem tinha liquidez para as compras, criou-se a oportunidade de adquirir títulos de empresas com os melhores riscos de crédito a taxas muito atrativas. Assim, fundos multimercado e bancos aproveitaram as ofertas. Os grandes bancos foram incentivados a operar no secundário por meio de uma linha de R$ 91 bilhões criada pelo BC – 10% desse total já foi acessado.

Nas últimas semanas, também os fundos de pensão entraram nesse mercado. Um executivo desse setor comprou papéis de bons emissores com taxas acima da meta atuarial de INPC mais 4,5% das fundações. Continua buscando oportunidades, “mas as taxas já fecharam um pouco”.

Conforme o acompanhamento da JGP, os spreads do IDEX-CDI abriram 370 pontos- base de dezembro de 2019 até o ponto máximo de 500 pontos-base de incremento, atingido em 8 de abril. Dessa data até 17 de abril, a gestora identifica que o spread fechou 100 pontos-base, saindo de 5% para 4%.

O patamar ainda está elevado pensando na precificação de toda a cadeia do crédito. Isso indica ainda existir um espaço razoável de reacomodação. Há boas oportunidades de compra no mercado – embora elas estejam cada vez mais difíceis de serem executadas, diz a gestora. Spreads menores podem indicar mais chances de emissões primárias a mercado. Agora elas estão concentradas em linhas emergenciais com bancos.

O estudo da JGP também verifica a marcação a mercado dos fundos em relação a esse retrato de recuperação do mercado de crédito privado estar atrasada. Isso porque a maioria dos gestores segue os dados da Anbima, Ela faz seus cálculos a partir do preço médio de preços indicativos colhidos com O Mercado. Já o IDEX da JGP é calculado a partir dos preços de negócios executados no mercado secundário. Traduzindo isso em números, enquanto o IDEX apresentou queda de 7,7% em março e sobe 2,1% em abril até 17; o IDA, medido pela Anbima, recuou menos, 4,9%, em março, e continua negativo, em 0,8% em abril até 17.

O atraso acontece, avalia a JGP, porque atualmente poucas corretoras têm concentrado as ordens de compra e venda de debêntures transmitidas à Anbima. Enquanto isso não se normalizar, o efeito desse atraso será, no caso de os ativos serem vendidos, um reconhecimento de ganho significativo de preço, com potencial impacto nas cotas dos fundos. Uma debênture da Dasa que foi negociada no mercado a 160% do CDI ainda está marcada na Anbima a 166, 25% do CDI, por exemplo.

Esse atraso nas taxas de marcação a mercado da Anbima vem sendo criticado por alguns gestores, uma vez que, no auge da crise de março, teria contribuído para que alguns cotistas antecipassem resgates, aproveitando-se dos descasamentos de preços. A amostra da JGP com gestoras de crédito independentes aponta R$ 17,5 bilhões em resgates de janeiro até agora – 70% deles em fundos com carência inferior a cinco dias.

Embora o momento de maior estresse nos mercados decorrente da crise do novo coronavírus esteja mais distante, a incerteza em relação ao futuro da economia e as preocupações do lado fiscal têm esfriado a demanda por títulos públicos. Aos poucos, o Tesouro testa os investidores e tenta fazer com que a oferta de papéis volte à normalidade. No entanto, a instituição pode começar a enfrentar dificuldades em rolar sua dívida diante da falta de interesse pelos papéis de mais longo prazo e com a proximidade de vencimentos expressivos nos próximos meses.

Em julho, o Tesouro enfrenta seu primeiro grande desafio com o vencimento de R$ 178,3 bilhões em títulos, especialmente prefixados de curto prazo (LTN). Os meses seguintes também exigem atenção: em agosto, vencem R$ 62,85 bilhões em papéis lastreados à inflação (NTN-B) e, em setembro, R$ 71,43 bilhões em indexados à Selic (LFT). Conforme o Plano Anual de Financiamento (PAF) de janeiro e o cronograma de vencimentos, o colchão do Tesouro para rolar a dívida gira em torno de R$ 550 bilhões.

Normalmente, o Tesouro começa a aumentar o colchão da dívida antecipando os vencimentos que estão por vir nos próximos meses. No entanto, desta vez, isso acontecerá em um momento no qual os mercados ainda estão bastante sensíveis e em meio a dúvidas sobre os rumos fiscais do país.

O Tesouro, inclusive, tem ofertado bem menos papéis prefixados do que antes da crise. Em janeiro, foram ofertadas, em média, 6,6 milhões de LTN e 880 mil NTN-F a cada semana. Já em abril, até agora, o Tesouro ofertou, em média, 3,9 milhões de LTN por semana e deixou de ofertar NTN-F desde março.

Em relação ao prêmio pago pelo Tesouro nos leilões em relação às taxas futuras de juros, o valor aumentou recentemente, mas a alta foi bastante tímida. Na semana retrasada, a venda de LFT foi minúscula e, no leilão de quinta-feira passada, o prêmio já aumentou um pouco. O investidor está pedindo por mais prêmio para ficar com o título na mão e vê um retorno bem mais atrativo no mercado secundário em alguns momentos. O Tesouro, contudo, não pode oferecer um prêmio muito maior ou a situação pode virar uma bola de neve.

O mercado está demandando mais prêmio acima da disposição do Tesouro a pagar e pode haver, de fato, dificuldade para rolar a dívida, embora esse não seja o cenário base. Nesse ambiente mais adverso, a curva de juros está mais inclinada diante dos riscos fiscais. Ela pode ter uma abertura ainda maior.

Se O Mercado entender “o Tesouro não conseguirá rolar a dívida em um, dois meses”, o colchão pode começar a minguar e o risco pode se tornar realidade.

O Mercado ainda está muito “machucado” (snif, snif) com o desenrolar dos fatos recentes e, assim, há menos gente com apetite para tomar risco com títulos de longo prazo. “A demanda não está mais como antes. Os investidores, em geral, não têm interesse em aplicar na ponta longa da curva porque podem sofrer ainda mais. Faz sentido os fundos preferirem ficar com dinheiro em caixa caso precisem honrar algum compromisso”.

Além disso, os papéis de mais longo prazo historicamente são procurados por investidores estrangeiros e por fundos de pensão. Diante da crise, os não residentes reduziram a posição em Brasil em março.

Ao examinar os mercados locais de títulos públicos na América Latina, há riscos mais altos nos países em que posições estrangeiras são mais elevadas, como é o caso das NTN-Fs, cuja participação estrangeira em janeiro estava em torno de 50%.

Mercado Secundário de Debêntures e Primário de Títulos Públicos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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