quinta-feira, 23 de abril de 2020

Chamado da Política para Economista

Jean Tirole (1953- ), ganhador do Prêmio Nobel de Economia 2014, por análise do poder e regulação de mercado, em seu livro Economia do bem comum (1ª.ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2020), cita Platão: o filósofo, pouco preocupado com a organização dos assuntos públicos (e considerado inútil pelas pessoas comuns) é livre. É ao contrário de o político constantemente absorvido pela vida pública.

Uma longa tradição francesa, pelo contrário, exalta o “intelectual comprometido”. Jean Tirole não joga pedra nos cientistas, e de maneira mais geral nos intelectuais dispostos a assumirem posições políticas. Muitos fazem isso por convicção. E muitos fazem isso bem.

Além disso, o pesquisador pode encontrar em seu compromisso uma motivação para emprestar linhas de pesquisa negligenciadas. Mas, na sua opinião – esta é apenas uma posição pessoal – a noção de “intelectual comprometido” pode ser questionada por três razões.

A primeira é o cientista, ao carregar uma mensagem política, é rapidamente catalogado: “esquerda”, “direita”, “keynesiana”, “neoclássica”, “liberal”, “anti-liberal”, etc. Apesar de toda leviandade do rótulo, servirá dar credibilidade ou desacreditar ao seu discurso.

É como se o papel de um pesquisador, qualquer que fosse sua disciplina, não fosse criar conhecimento, ignorando qualquer ideia preconcebida. Com frequência, o público esquece a substância do argumento para julgar a conclusão com base em suas convicções políticas, de maneira favorável ou desfavorável, dependendo de perceber o cientista como um deles ou parte do campo oposto.

Nessas circunstâncias, a participação do cientista no debate público perde grande parte de sua utilidade social. Já é difícil não se deixar levar para o campo político, apesar de si mesmo.

Por exemplo, quando uma pergunta diz respeito a um assunto técnico capaz de dar origem a posições conflitantes na maioria e na oposição, qualquer resposta é rapidamente interpretada como uma posição política do cientista. Incentivar a rotulagem através de posições políticas pode involuntariamente tornar sua mensagem inaudível e, portanto, não contribuir para um debate informado.

A segunda armadilha é, ao cometer um ato político em favor de determinada causa, o intelectual corre o risco de perder sua liberdade de pensamento. Um exemplo extremo, mas particularmente impressionante, foi a cegueira e depois a negação de evidências por parte de muitos intelectuais e artistas franceses diante do totalitarismo, em particular, o das experiências soviéticas, maoístas e cubanas.

Esses intelectuais não aderiam à privação de liberdades, genocídio, má gestão econômica e ambiental, à repressão da inovação cultural. Pelo contrário, os produtos do totalitarismo representavam tudo o que odiavam, mas seu engajamento os privara de um espírito crítico, de liberdade.

Certamente, também podemos citar muitos intelectuais capazes de não sucumbirem às sirenes de “progresso” como Albert Camus ou Raymond Aron – e a maioria dos economistas conhecidos em outros lugares. Entretanto, a implicação moral da intelligentsia francesa em esse trágico episódio da história ainda é impressionante.

Hoje, é certo: poucos intelectuais adotariam posições tão extremas, mas a lição permanece. O engajamento militante cria um risco de acampar em suas posições para não decepcionar seus companheiros de viagem ou seu público da mídia.

Finalmente, como na mídia, a relação entre cientista e político não é fácil, mesmo quando muitos políticos expressem certa curiosidade intelectual. O tempo do pesquisador não é o tempo do político, não podem ir mais além de suas respectivas restrições.

O papel do pesquisador é analisar as existentes e propor novas ideias, livremente e sem restrições de resultado imediato. Os políticos vivem por necessidade no futuro imediato, sob a pressão de uma sanção eleitoral.

Essas relações divergentes, ligadas a diferentes incentivos, não podem justificar desconfiança visceral da classe política. Mas se o cientista precisa ajudar o político na decisão, fornecendo-lhe ferramentas de reflexão, ele não precisa substituí-lo.

Jean Tirole volta à rotulagem de pesquisadores. O economista, como qualquer pesquisador, deve ir aonde as teorias e os fatos o levarem, sem obstrução intelectual.

Em particular, é claro, ele é um cidadão como todo mundo, forja sua própria opinião e se envolve. Mas, logo quando se tornam públicas, várias categorizações (como apego a uma causa política ou a uma “escola” de pensamento econômico) podem sugerir o pesquisador em questão sacrificar sua integridade científica a uma agenda pessoal: mídia, política, ideológico, financeiro, interno ao laboratório etc.

Mais insidiosamente, esses rótulos correm o risco de a Economia ser percebida como uma ciência sem consenso, como de suas lições se pudesse, sem consequência, se livrar. Esquece-se os principais economistas, sejam quais forem diversas suas opiniões pessoais, concordarem em muitos assuntos. Concordam, pelo menos, naquilo não recomendável ser feito, sempre falhando em concordar com o que fazer.

Isso é uma sorte, porque se não houvesse opinião da maioria, seria difícil justificar o financiamento de pesquisas em Economia, apesar dos desafios colossais das políticas econômicas para a nossa sociedade.

Por outro lado, a pesquisa e os debates públicos, ambos enfocam – essa é a natureza da pesquisa – em assuntos onde os economistas entendem menos bem. São, portanto, favoráveis ​​a um consenso limitado. Escusado será dizer: o consenso pode e deve evoluir à medida que a disciplina avançar.

Chamado da Política para Economista publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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