Autocracia vem do grego, e significa governo por si próprio. É um regime político onde as leis e decisões são baseadas nas convicções do governante. Na autocracia, o poder do líder é absoluto e ilimitado, e o governo acaba por ter suas políticas confundidas com as ações pessoais do autocrata, como uma personalizaçao do poder.
As monarquias absolutistas eram regimes autocráticos, como por exemplo o periodo czarista na Rússia, ou o regime absolutista na França, tendo seu mais famoso autocrata na pessoa de Luís XIV. Mas nem toda a Monarquia é uma autocracia, pois os reis e imperadores poderiam ser aconselhados e influenciados por uma equipe administrativa. O que não ocorre pelo princípio da autocracia, onde a tomada de decisões é exclusiva do governante.
Autocracia também pode ser entendida como monocracia, ou seja, o governo de um só.
Um exemplo moderno do regime autocrático é o governo ditatorial alemão de Adolf Hitler. Durante o período em que Hitler governou, as decisões políticas eram exclusivamente de caráter pessoal do ditador, baseadas em suas crenças sobre uma Alemanha superior.
Gideon Rachman (Financial Times 22/04/2020) afirma: “a política internacional vinha sofrendo de uma doença pré-existente quando foi atingida pela covid-19. Antes do coronavírus, o mundo da política já havia sucumbido ao vírus da autocracia.
Em 2018, a China aboliu os limites ao mandato presidencial, o que permite ao presidente ao Xi Jinping governar por toda a vida. Neste ano, a Rússia anunciou que também planeja mudar a Constituição para permitir que Vladimir Putin permaneça no poder até 2036 – o que lhe daria um reinado mais longo que o de Stálin. Mesmo democracias consolidadas estão exibindo sintomas da síndrome do autocrata. Donald Trump assumiu o poder nos EUA, em 2016, criticando o “massacre” dos EUA e proclamando: “só eu posso corrigir isso”. Ele anunciou recentemente que seu “poder é total” no trato com a pandemia. Jair Bolsonaro assumiu o governo do Brasil, em 2019, manifestando admiração pelo regime militar que governou o país quando ele era jovem. Nas Filipinas, na Índia e na Arábia Saudita, está em voga um estilo personalista, arrogante, de liderança.
O corpo político global, já enfraquecido pelo vírus da autocracia, pode ficar muito mais doente sob o impacto de uma emergência de saúde real. Para conter a pandemia, pessoas assustadas do mundo inteiro aceitaram violações extraordinárias das liberdades individuais, que determinam se elas podem ou não sair de casa ou trabalhar para ganhar o sustento. Há precedentes históricos alarmantes nos quais governos usaram uma situação de emergência para obter poderes ditatoriais, que em seguida não foram revogados. Um caso clássico foi o uso, por Hitler, do incêndio do Reichstag (o Parlamento alemão), em 1933, para obter o poder de governar por decreto.
Um exemplo claro do uso do coronavírus por um governante autocrata para fortalecer sua hegemonia no poder já surgiu na Hungria. Viktor Orban, que passou os últimos anos minando a independência da mídia, do Judiciário e das universidades, não tardou em explorar a pandemia. O premiê húngaro convenceu o Parlamento, dominado pelo seu partido, a lhe dar os poderes de governar por decreto por período indeterminado.
Ocupada com a covid-19, a reação da União Europeia, da qual a Hungria faz parte, foi irrisória.
No fim de semana, ativistas pró-democracia foram presos em Hong Kong, num aparente esforço de Xi de extirpar o movimento, acobertado pela pandemia. Um acontecimento que teria provocado protestos locais e indignação mundial alguns meses atrás atraiu relativamente pouca atenção.
Mas, em outras partes do mundo, líderes autocratas assumiram uma abordagem diferente, defendendo a normalidade, em vez da suspensão das liberdades civis. Seu comportamento pareceu mais temerário do que macabro. O presidente Alexander Lukashenko fez com que Belarus fosse o único país da Europa em que o campeonato de futebol segue sendo disputado.
No Brasil, Bolsonaro defende a reabertura do comércio e demitiu seu ministro da Saúde por defender demais o distanciamento social. Trump inicialmente afirmava que o vírus desapareceria como num “passe de mágica” e conclamou os eleitores a comprarem ações. Putin alardeou o envio de suprimentos médicos à Itália e a Nova York, antes de finalmente reconhecer que a Rússia, também, enfrentava uma crise grave.
Parte do problema pode ser que esses líderes interpretam “força” como sendo a recusa a se deixar intimidar por uma simples doença. Bolsonaro exigiu os brasileiros encararem o vírus “como homens, não como crianças” e previu ele passar ao largo do vírus com facilidade devido ao seu histórico de atleta. No Reino Unido, Boris Johnson deu um show cumprimentando pessoas num hospital com pacientes da covid-19, antes de sucumbir, ele mesmo, ao vírus.
Muitos líderes autocratas nas democracias são também populistas que optam por hostilizar “elites”, que incluem epidemiologistas e funcionários públicos. O movimento antivacina, que disseminam teorias da conspiração sobre as vacinas, cresce às margens dos movimentos populistas em todo o Ocidente.
Se líderes populistas continuarem a abordar desastrosamente a pandemia, o coronavírus poderá reverter a tendência política em favor deles – ao desmoralizar líderes que se saíram mal com a situação e impulsionar a demanda por conhecimento, em vez da postura do machão. No Reino Unido, os apoiadores de Johnson deixaram de resmungar sobre o “Estado profundo” britânico e se abrigaram à sombra de personalidades externamente tranquilizadoras, como a do principal assessor médico do governo. Apesar de sua evidente irritação com Anthony Fauci, Trump ainda não se sentiu forte o suficiente para demitir o seu mais destacado assessor médico.
Mas, com o desenrolar dos acontecimentos, os autocratas poderão considerar que o novo ambiente ficou ainda mais favorável a seu estilo de fazer política. O desespero e a desesperança econômica são muitas vezes inimigos da discussão serena e amigos das teorias da conspiração que ajudam o populismo a prosperar. A expansão da vigilância do Estado, depois de implementada, pode ser difícil de ser revertida e é ferramenta poderosa aos aspirantes a ditador.
A troca de acusações e o jogo de empurra que está ocorrendo entre os países – seja entre os EUA e a China ou a Holanda e a Itália na UE (por causa da ajuda financeira) – também estimula o nacionalismo, que anda de mãos dadas com a política do autocrata. Tanto o governo de Xi Jinping quanto o de Trump rebatem críticas internas apontando para inimigos externos. Trump atacou o “vírus da China”. Por seu lado, a mídia oficial chinesa sugeriu que estrangeiros estão usando a China injustamente como bode expiatório – o que gerou uma enxurrada de comentários nacionalistas na internet.
Os governantes autocráticos do mundo no geral não se saíram muito bem nos estágios iniciais da crise do coronavírus. Mas temo eles transformarem isso em uma vantagem no longo prazo.”
Vírus da Autocracia publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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