sábado, 4 de abril de 2020

Grande Depressão de 2008: Muito Além do Subprime

Daniel Yergin, no livro “A busca: Energia, Segurança e a Reconstrução do Mundo Moderno” (Rio de Janeiro: Editora Intrínseca; original “The Quest: Energy, Security, and the Remaking of the Modern World” publicado em 2011), salienta: o que estava acontecendo na economia também reduziria a demanda por petróleo.

Hoje se acredita a Grande Recessão, pelo menos nos Estados Unidos, ter começado em dezembro de 2007, bem antes da maioria das pessoas a reconhecerem, em 15 de setembro de 2008, com a quebra do Banco Lehman Brothers.

Foi principalmente uma recessão do crédito, resultado do endividamento excessivo, do excesso de alavancagem financeira, de derivativos, da grande quantidade de dinheiro barato, do excesso de confiança — tudo isso gerou bolhas no mercado imobiliário e em outros ativos nos Estados Unidos e em outras partes do mundo.

Porém, o aumento do preço do petróleo foi um fator determinante para a recessão. Entre junho de 2007 e junho de 2008, os preços do petróleo dobraram — um aumento de US$ 66 — em termos absolutos, um crescimento bem maior do antes visto nos choques do petróleo anteriores, desde a década de 1970.

“O aumento do preço do petróleo foi um importante fator que contribuiu para a recessão econômica”, observou o professor James Hamilton, um dos principais estudiosos da relação entre energia e economia. O choque do preço do petróleo interagiu com a crise no mercado imobiliário para levar a economia à recessão.

O aumento repentino dos preços nos postos de combustíveis afetou o orçamento dos grupos de renda mais baixa, dificultando para muitos os pagamentos de hipotecas subprime e outras dívidas. O custo mais alto da gasolina da qual precisavam para ir trabalhar significava optar por não gastar mais em outros itens.

Os efeitos também apareceram em “uma deterioração no sentimento do consumidor e na redução total dos gastos dele”. À medida que os preços da gasolina subiam, as vendas de automóveis sofriam uma queda acelerada.

Os descontos e abatimentos oferecidos pelas concessionárias de automóveis não surtiram muito efeito. Junho de 2008 foi o pior mês para as vendas do setor automotivo em dezessete anos.

Os efeitos da recessão no setor automotivo propagaram-se pelas redes de abastecimento das empresas fornecedoras e pelas concessionárias dos Estados Unidos. Centenas de milhares de pessoas ficaram sem empregos em todos os setores da economia.

O impacto direto foi menos sentido em outros países desenvolvidos porque grande parte do preço do combustível na bomba, na verdade, reflete os impostos. Muitos governos europeus usam postos de gasolina como sucursais de seu Tesouro Nacional.

Assim, embora o imposto do governo sobre a gasolina seja em média de US$ 0,40 nos Estados Unidos, na Alemanha é de cerca de US$ 4,60 por galão. Assim, a duplicação do preço do petróleo bruto elevaria o preço do petróleo no varejo na Alemanha apenas uma fração do que faria nos Estados Unidos.

Muitos países em desenvolvimento subsidiam o preço do combustível no varejo. Os países exportadores de petróleo fazem isso com grande generosidade.

Permitir os preços da gasolina ou diesel subirem significa tumulto social e, talvez, greves e distúrbios. Portanto, esses governos tiveram de absorver a diferença crescente entre o preço mundial do petróleo e os pagamentos de seus cidadãos pelo combustível. Os subsídios custaram ao governo da Índia cerca de US$ 21 bilhões em 2009.

Somando-se todos os fatores, esses preços altos transferiram grande parte da renda dos países consumidores para os países produtores. A receita total do petróleo dos países da OPEP subiu de US$ 243 bilhões em 2004 para US$ 693 bilhões em 2007. Até a metade de 2008, parecia ir chegar a US$ 1,3 trilhão.

O que eles iam fazer com todo esse dinheiro? Parte da resposta estava incorporada nas iniciais SWF, sigla em inglês para Sovereign Wealth Funds, “Fundos de Riqueza Soberana”.

Tratava-se basicamente de contas bancárias e contas de investimento do governo criadas para receber a receita do petróleo e do gás. Elas ficariam separadas do orçamento nacional.

Em alguns países, elas foram denominadas “fundos de estabilização”, cujo objetivo era servir de reserva para “tempos difíceis”. Alguns fundos foram explicitamente criados para evitar a inflação e a doença holandesa. Estas podem resultar de um boom de recursos.

Esses fundos transformaram os ganhos do petróleo e do gás em diversificados portfólios de ações, títulos, imóveis e investimentos diretos.

Mas, com os preços do petróleo subindo tanto, tornaram-se, na verdade, gigantescos pools de capital, inchados com dezenas de bilhões de dólares de fluxos imprevistos. Passaram a ter uma capacidade financeira tal capaz de dar um impacto de longo alcance na economia global.

Eles enfrentaram incertezas próprias — como investir toda essa receita adicional de uma maneira oportuna e prudente. Mas, ao se expandir, o outro lado apontava para uma enorme redução no poder de compra dos países importadores de petróleo, o que contribuiu para a Grande Depressão, após a explosão da bolha de ativos em 2008.

Em 11 de julho de 2008, o petróleo atingiu seu pico histórico de US$ 147,27 — muitas vezes mais alto do que a faixa de US$ 22 a US$ 28 que se presumia ser o “preço natural” para o petróleo apenas quatro anos antes. As manchetes diziam que havia outros problemas econômicos por vir.

Foi então que algo aconteceu. Em 16 de julho de 2008, os investidores espantaram-se quando os preços do petróleo, antes comercializado a altos preços recordes, despencaram de uma hora para a outra.

Então, o pânico se instalou. A demanda de petróleo diminuía em resposta aos preços altos. E, agora, caía também por outro motivo. O ritmo da economia mundial estava nitidamente começando a desacelerar. Os Estados Unidos já vinham enfrentando uma recessão. Na China, a nova oficina do mundo, os pedidos diminuíam, e os operários estavam sendo demitidos.

A mensagem tinha implicações globais, pois significava o comércio mundial sofrer uma contração. E o sistema financeiro mundial começava a estremecer e se agitar, os espasmos da aproximação de um cataclismo. Os investidores financeiros passaram a rejeitar ativos “de risco”, como ações, petróleo e outras commodities.

Em setembro de 2008, ocorreu o evento decisivo. O venerável Lehman Brothers, então o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, com 158 anos de existência, faliu. Ninguém saiu correndo em seu socorro. A gigante dos seguros, a AIG, cairia por terra no dia seguinte, mas o Federal Reserve interferiu para salvá-la na última hora.

Depois do colapso do Lehman, o sistema financeiro mundial congelou. O dinheiro parou de fluir, fosse para financiar as operações diárias das principais empresas ou para fornecer lubrificante ao comércio.

Antes do final do ano, à medida que os tanques de Cushing, Oklahoma, ficavam sem espaço para armazenamento e o petróleo se acumulava no sistema, o preço do WTI caiu bastante, chegando a US$ 32 o barril.

O aumento nos preços do petróleo não havia começado como uma bolha. Pois o preço foi definido pelos princípios fundamentais da oferta e da demanda, pelo choque de demanda resultante do crescimento global inesperado e de mudanças importantes na economia mundial lideradas pela China e a Índia. E, também, pela geopolítica e pela ruptura agregada. Porém, acabou virando uma bolha.

 

Grande Depressão de 2008: Muito Além do Subprime publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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