quinta-feira, 2 de abril de 2020

Contágio de Modelos Econômicos

Em 2011, Jean-Baptiste Michel e uma equipe de co-autores publicaram um artigo na Science fornecendo evidências de pessoas famosas como autores livros tenderem a seguir um padrão em forma de corcunda ao longo do tempo, aumentando, depois caindo, ao longo de décadas, em vez de meses ou anos. Eles amplificaram suas conclusões em um livro, Uncharted: Big Data como uma lente da cultura humana, de Erez Aiden e Jean-Baptiste Michel (2013).

Os mesmos padrões parecem se aplicar às teorias econômicas. No capítulo 5 do livro de Robert J. Shiller, “Narrative Economics: How Stories Go Viral & Drive Major Economic Events” (Princeton University Press; 2019), ele considera o contágio de uma dessas narrativas, em especial, a curva de Laffer, um modelo simples da relação entre alíquotas e o valor da receita arrecadada.

Mas primeiro ele nota, brevemente, esses padrões se aplicarem mesmo a teorias econômicas “de elite”. Elas circulam principalmente entre economistas profissionais.

Shiller analisa os resultados do Google Ngrams para quatro teorias econômicas:

  1. o modelo IS-LM (publicado por Sir John Hicks em 1937),
  2. o modelo multiplicador-acelerador (Paul A. Samuelson, 1939),
  3. o modelo de gerações sobrepostas (Samuelson, 1958) e
  4. o modelo de ciclo de negócios real (Finn E. Kydland e Edward C. Prescott, 1982).

Todos mostram padrões em forma de corcunda semelhantes aos das epidemias de doenças. Para seus propósitos, neste livro resumido aqui, não importa o que há nessas teorias. Nenhum deles foi completamente certo ou errado. Todos eles são potencialmente interessantes. Cada um deles é uma história cuja popularidade seguiu o caminho esperado de uma epidemia.

Para três dos modelos, a epidemia tornou-se visível mais de uma década após a introdução do modelo, um fenômeno também visto na estrutura médico-epidêmica, onde as epidemias podem passar despercebidas por um tempo, após um início muito pequeno.

O número de casos pode estar crescendo gradualmente em termos percentuais, mas a doença não é amplamente percebida até quando o número de casos atingir um determinado limite. Na prática, o longo atraso entre a publicação de uma teoria econômica e seu eventual forte status epidêmico representa um intervalo de tempo durante o qual o modelo evolui de algo considerado peculiar e provocador de pensamento para algo claramente correto e reconhecidamente ótimo.

Durante esse intervalo gestacional, outros estudiosos da disciplina apreciam cada vez mais o modelo. Logo, a epidemia se espalha através de rituais acadêmicos, como apresentações em artigos em seminários e grandes conferências. Eventualmente, os modelos chegam aos livros didáticos.

Mais tarde, o modelo é discutido o suficiente para a mídia começar a achar importante ela ser mencionada. É quando as pessoas fora da profissão econômica, orgulhosas de seu conhecimento geral, começam a sentir deverem saber algo sobre isso.

Mas neste estágio final da epidemia, o modelo pode começar a perder parte de seu contágio. Algumas pessoas começam a considerá-lo obsoleto e sem originalidade, mesmo se tiver mérito, enquanto outras acabam esquecendo completamente.

[Esnobes desdenham “produtos exclusivos” quando eles são massificados.]

O contágio dessas teorias geralmente não assumia a forma de alguém sentado com um lápis e papel e dizendo: “Deixe-me explicar o modelo IS-LM para você”. Na maioria dos casos, a comunicação era provavelmente muito mais elementar e humana. O historiador econômico Warren Young suspeita o contágio do diagrama IS-LM ter algo a ver com sua semelhança com a interseção de oferta e demanda. Esta talvez seja a imagem mais famosa em toda a economia.

Além disso, o modelo IS-LM foi uma formalização da teoria de John Maynard Keynes. Keynes era um escritor brilhante, mas, como vimos, muitas narrativas estão associadas a celebridades.

O próprio Keynes era uma figura colorida e uma celebridade por si só: ele conviveu com o grupo de artistas e intelectuais de Bloomsbury, entre outras celebridades, incluindo a escritora Virginia Woolf, embarcando em sua própria epidemia de fama. Porém, ela não atingiu o auge, pelo menos até o final do século XX, muito depois de sua morte em 1941.

Keynes tinha a fama de ser gay ou bissexual, e seus relacionamentos masculinos eram bem conhecidos entre o grupo tolerante de Bloomsbury, fornecendo uma fofoca picante que, naquela época, só podia viajar de boca em boca. A homossexualidade geralmente não era uma coisa boa para a carreira de alguém nos dias de Keynes, mas poderia ter sido no contexto de uma certa narrativa.

Keynes mais tarde se casou com uma linda bailarina, Lydia Lopokova. Ela experimentou sua própria epidemia de popularidade depois de se retirar da dança, provavelmente por causa de sua associação com Keynes.

Keynes era famoso por seu best-seller de 1919, Consequências Econômicas da Paz, onde ele previa a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, John Hicks, que publicou o modelo IS-LM pela primeira vez, não era uma figura tão colorida. Assim, as histórias sobre Keynes foram possivelmente transportadas através “mulas” atravessadoras de fronteiras, ajudando a levar o modelo IS-LM ao contágio.

A Figura acima (elaborada no Google Books Ngram Viewer) mostra a história de vida de quatro modelos econômicos. Essas histórias se assemelham não apenas ao curso normal de uma epidemia de doença, mas também à história de vida de outros tipos de narrativas.

Elementos das ideias essenciais nas narrativas econômicas podem sobreviver à medida que são adaptados e incorporados nas narrativas posteriores. Elas envolvem outras ideias contagiosas, mas tendem a perder seu impacto e identidade no processo. Sua capacidade de direcionar pensamento e ação diminui muito.

Uma proposição chave deste livro de Robert Shiller, “Narrativas Econômicas”, é as flutuações econômicas serem substancialmente impulsionadas pelo contágio de variantes de narrativas econômicas simplificadas e facilmente transmitidas. Essas ideias colorem o pensamento e as ações frouxas das pessoas.

Como nas epidemias de doenças, nem todos são infectados. No caso de epidemias narrativas, as pessoas não capturadas pela epidemia podem dizer não haver uma narrativa popular tão importante. Mas em uma epidemia histórica, para a maioria das pessoas, a narrativa será fundamental para suas razões para fazer ou não fazer coisas de modo a afetar a economia.

Assim como as teorias econômicas da Figura acima, as teorias populares entre o público em geral crescem em um caminho epidêmico ascendente, mas apenas por um tempo. Elas então recuam, a menos se forem renovadas.

Contágio de Modelos Econômicos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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