Jean Tirole (1953- ), ganhador do Prêmio Nobel de Economia 2014, por análise do poder e regulação de mercado, em seu livro Economia do bem comum (1ª.ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2020), comenta: o contrato implícito entre o cidadão-contribuinte e o pesquisador, trabalhador em laboratórios e/ou universidades, no último meio século, é cada vez mais questionado.
Podemos prever os pesquisadores, tendo no passado adotado uma atitude desapegada e até irreverente, precisarão cada vez mais justificar coletivamente seu trabalho com aqueles contribuintes financiadores do sistema.
De fato, estamos vivendo um período de desconfiança do público em geral em relação à experiência científica quando ela toca em campos concretos – Economia, Medicina, Teoria da Evolução, Ciência de Clima ou Biologia. E, para esclarecer suas dúvidas, o público em geral utiliza os desvios reais da comunidade científica, por exemplo, a colocação e manutenção no mercado do mediador ou a fraude científica, vinculada a dados inexistentes ou manipulados, o que afeta muitos campos desde a Ciência Política à Biologia.
Os economistas são criticados pela crise financeira de 2008. Jean Tirole voltará, no capítulo 12, a falar sobre essa crise e sobre a responsabilidade dos economistas no processo.
Diante dessas críticas, uma possível reação é recair no negócio principal do pesquisador-professor. No entanto, essa abordagem da “torre de marfim” não pode ser defendida no nível da comunidade científica como um todo.
O país precisa de especialistas independentes para participar da vida pública e alimentar debates nos órgãos de tomada de decisão e na mídia. Coletivamente, é claro, porque alguns pesquisadores não têm apetite por isso.
Outros ainda retêm aspectos metodológicos, especializados em pesquisa básica. Isto apesar de a fronteira entre pesquisa básica e pesquisa aplicada ser muitas vezes bastante porosa. Um elo essencial no processo de pesquisa, eles geralmente se sentem menos à vontade para falar sobre aplicativos em lugar de seus colegas capazes de usarem seu conhecimento para a divulgação pública.
A ligação entre universidades e indústria (material ou financeira) é um assunto recorrente de controvérsia. Para seus detratores, as interações com a indústria são (para os mais moderados) uma atividade arriscada ou (para os mais extremos) uma forma de corrupção do pensamento, até conivência com o diabo.
Seus defensores argumentam essas interações enriquecerem novos temas de pesquisa e permitirem reduzir parcialmente a diferença de remuneração dos pesquisadores em comparação com outros países e, de maneira mais geral, melhorar a competitividade do ambiente universitário. As outras formas de interação não universitária estão suscitando o mesmo debate.
O confronto com a realidade é provavelmente um dos meios mais relevantes para entender os problemas enfrentados na relação entre a Economia e a Sociedade. Contribui para desenvolver e financiar objetos de pesquisa originais, ignorados por aqueles sempre optantes por permanecerem em sua Torre de Marfim.
O dever do cientista é promover o conhecimento. Em muitos casos (Matemática, Física De Partículas, Origens do Universo etc.), a melhor maneira de fazer isso pode ser não se preocupar com as aplicações, mas apenas buscar a verdade. Os aplicativos virão mais tarde, geralmente inesperadamente.
Mesmo em disciplinas naturalmente mais próximas das aplicações, é essencial a pesquisa direcionada pela sede de conhecimento, qualquer que seja seu nível de abstração.
Mas os cientistas também devem coletivamente tornar o mundo um lugar melhor. Como resultado disso, eles não devem desinteressar-se em assuntos públicos em princípio.
Os economistas, por exemplo, devem contribuir para melhorar as regulamentações setoriais, financeiras, bancárias e ambientais, o direito da concorrência. Eles devem melhorar nossas políticas monetárias e fiscais. Devem pensar na construção da Europa, entender como superar a pobreza nos países subdesenvolvidos, tornar as políticas de educação e saúde mais efetivas e justas, antecipar o desenvolvimento de desigualdades etc. Eles devem participar de audiências parlamentares, interagir com o Poder Executivo, participar de comitês técnicos.
Os pesquisadores têm o dever de cumprir seu papel social, posicionando-se sobre as questões nas quais adquiriram competência profissional. Como em todas as outras disciplinas, este é um exercício perigoso para pesquisadores em Economia.
Algumas áreas são bem exploradas, outras muito menos. O conhecimento está evoluindo e o que achamos certo hoje pode ser reavaliado amanhã. Finalmente, mesmo se houver consenso, esse consenso nunca é total.
Por fim, o pesquisador em Economia pode afirmar, no máximo, no estado atual de seu conhecimento, uma opção tem precedência sobre outra. Escusado será dizer esse princípio se aplicar a todas as proposições feitas neste livro.
Essa atitude não é prerrogativa do economista: um climatologista indicará as áreas de incerteza na medição e as causas do aquecimento global, mas com muita utilidade também apresentará os cenários mais prováveis no estado atual de seu conhecimento. Um professor de medicina decidirá o que ele acha que é a melhor maneira de tratar um tipo de câncer ou doença degenerativa.
Assim, o cientista deve alcançar um equilíbrio perigoso entre humildade e determinação necessárias, convencendo seu interlocutor tanto da utilidade do conhecimento adquirido quanto de seus limites. Isto nem sempre é fácil, porque as certezas são mais facilmente comunicadas e geralmente parecem mais credíveis.
Os cientistas envolvidos na Comunidade maior são movidos pelas motivações intrínsecas, ligadas ao coração de sua profissão:
- a melhoria do conhecimento e
- a comunicação do conhecimento científico.
Mas eles também respondem, deve-se lembrar, a motivações extrínsecas: remuneração ou reconhecimento entre um público mais amplo, indo além de seu círculo científico. Essas motivações extrínsecas não são um problema, desde que não mudem o comportamento científico, mas também podem apresentar certos perigos.
Seria irresponsável ignorar os dois perigos dessas atividades externas.
Primeiro, essas atividades externas podem reduzir o tempo gasto nas missões primárias: pesquisa e ensino. Esse possível desvio não parece ser um problema sério, desde que aceitemos o uso de avaliações independentes. Esta é uma prática nem sempre com apoio na comunidade científica francesa, mas é bem aceita em todo o mundo.
Um pesquisador capaz de negligenciar sua pesquisa em favor de atividades externas e não publicar há muito tempo nas principais revistas internacionais não deve se beneficiar dos mesmos termos (salário, carga de ensino e condições gerais de trabalho) de seu colega permanentemente fiel à sua missão.
Da mesma forma, a avaliação dos professores pelos alunos sempre pareceu a Jean Tirole ser crucial, mesmo quando conheçamos bem as deficiências: boas notas às vezes recompensam uma atitude um tanto demagógica e más notas são atribuídas a bons professores com opiniões impopulares, ou são estritamente classificatórias. Infelizmente, aqueles opositores às atividades externas também rejeitam o princípio da avaliação independente.
Mais importante para Jean Tirole é o risco de “corrupção” da atividade científica ou de “captura” do pesquisador pela participação assim gerada. Em particular, o cientista pode ter de curvar seu discurso e ser complacente com a empresa ou a administração responsável por seu pagamento ou financiadora do seu orçamento de pesquisa.
Cientista e Sociedade publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário