Eric A. Posner & Glen Weyl, coautores do livro “Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa” (São Paulo: Editora Portfolio/Penguin; 2019), argumentam: os heróis dessa nossa história, os Radicais Filosóficos, se destacaram diante de uma gama de desgraças muito similares às que vemos hoje.
Para eles, o problema era os privilégios da aristocracia restringirem os mercados. Suas metas eram:
- libertar os mercados do controle de monopolistas feudalistas porque, ao apossar-se das terras, tolhiam a produtividade e concentravam a riqueza;
- criar sistemas políticos sensíveis ao sentimento popular e capazes de resolver conflitos internos;
- instaurar um sistema de cooperação internacional que beneficiasse a população geral dos países e enfraquecesse as elites tradicionais.
É exatamente o tipo de movimento requerido por nossa crise atual.
O espírito do modelo de auto-organização em mercado encontra sua formulação mais famosa nos textos de Adam Smith, no final do século XVIII. Para ele, os mercados eram cenários em que “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, e sim da atenção que dão a seus próprios interesses”.
Mesmo que agora seja um clichê, a ideia de o comportamento guiado pelo interesse próprio levava ao bem público foi um escândalo na época, pois contrastava demais com a experiência cotidiana.
No passado, os indivíduos costumavam viver em comunidades pequenas e estreitamente unidas, nas quais os impulsos morais, a vergonha social, os comentários e a solidariedade forneciam os incentivos básicos para os indivíduos se adaptarem ao bem comum. Os economistas e sociólogos às vezes chamam essas comunidades de “economias morais”.
O comportamento guiado pelo interesse próprio era comum e inevitável, claro, mas visto como uma consequência infeliz da decadente natureza humana, e não tanto como fonte de prosperidade. A religião servia para reprimir qualquer desvio nesse sentido.
Os virtuosos eram agricultores, artífices, soldados e bravos guerreiros aristocráticos, que viviam para si mesmos ou para agradar a Deus, bem ao hábito dos antigos. Mercadores, financistas e outros capazes de se enriquecerem com o “comércio” eram vistos com desconfiança, o que perdurou até parte do século XIX.
Mesmo hoje, as economias morais florescem de maneira similar fora das áreas urbanas e regem nossas relações com a família e os amigos próximos. Temos no filme A felicidade não se compra, o clássico de Frank Capra de 1946, um retrato idealizado de tal sociedade. George Bailey (interpretado por James Stewart) é um banqueiro motivado não tanto pelo lucro quanto pelas necessidades de sua pequena comunidade, à qual pode servir graças ao íntimo conhecimento de seus concidadãos.
Devido aos problemas que surgem com o início da Grande Depressão, a comunidade retribui seu altruísmo, salvando-o e o banco da ruína. O capitalismo smithiano — encarnado em um concorrente ganancioso e amoral, quem financia cortiços e explora os clientes — é visto como uma ameaça à comunidade. O senso de apoio mútuo entre o banco comunitário e a cidade demonstra a eficiência econômica e o valor intrínseco da economia moral.
Os críticos de Smith destacam as autênticas vantagens das economias morais em comparação aos mercados. Os preços dos mercados não detectam, não explicam, não premiam nem punem os diversos tipos de consequências das ações individuais sobre os outros.
Em uma economia de mercado, se a proprietária de uma casa embeleza seu imóvel, ela aumenta o valor do imóvel do vizinho, mas o mercado a recompensa apenas pelo aumento do valor de sua própria casa, não pelos benefícios ao vizinho.
Em uma economia moral, a mesma proprietária seria recompensada com uma reputação melhor na cidade e com o reconhecimento dos vizinhos, que retribuiriam de alguma maneira.
Em uma economia de mercado, um estabelecimento comercial que vende produtos com defeito pode sofrer algum desgaste em sua reputação, mas em geral lucrará por muitos anos.
Em uma economia moral, o comerciante seria expulso da cidade. Os governos tentam levar em conta os falatórios das cidades pequenas, mas as normas e decisões que seus burocratas e juízes emitem nunca são tão sensíveis às condições locais quanto os integrantes da comunidade.
Apesar dessas vantagens, as economias morais sucumbem quando a escala e a abrangência do comércio se expandem. A produção em massa e as redes de abastecimento global são benéficas para nós porque os custos fixos de produção se distribuem entre milhões de pessoas e podemos dispor de várias capacitações e insumos oriundos de todo o mundo, resultando em bons produtos a preços muito baixos.
Mas, se milhões de pessoas em todo o mundo consomem um determinado produto, será inviável coordenarem um boicote — salvo em alguns casos raros — se o produto for perigoso ou de baixa qualidade. Além disso, a produção em massa exige que os negociantes comercializem em zonas distantes, com estrangeiros, o que significa que a reputação pessoal não é capaz de garantir o cumprimento do contrato.
Uma economia de mercado moderna — que conta com o apoio do governo ao comércio (legislação sobre contratos e propriedades) e a proteção governamental contra abusos (leis e regulações lesivas) — gera valores muito acima das capacidades de uma economia moral.
Devido a essas limitações, as economias morais podem se sentir restritivas e antiquadas perante sociedades de mercado em grande escala. Incapazes de atender às necessidades de quem está longe, podem se tornar hostis aos de fora e intolerantes para com a diversidade interna, receando esta levar à erosão dos valores coletivos.
O ideal das economias morais está vivo para a extrema direta, ou mesmo para certa esquerda saudosista. Porém, desde o início da era de produção em massa, no século XIX, apenas algumas comunidades idiossincráticas e de base religiosa, como os amish, nos Estados Unidos, têm conseguido manter economias morais. Elas operam basicamente fora do mercado.
A grande alternativa, e esta é a força por trás das políticas da extrema esquerda, é o planejamento central. Os marxistas acreditavam as únicas vias para sair da “escravidão assalariada” eram a propriedade do capital e o controle da indústria nas mãos do Estado, mas a planificação centralizada se provou um fracasso.
A União Soviética conseguiu, de fato, produzir armamentos e construir fábricas, mas criou apartamentos insípidos e carros sem graça e gerou a escassez até mesmo de produtos de primeira necessidade. Os encarregados da planificação não conseguiram atender à diversidade e aos gostos dos consumidores individuais. Em suma, na abordagem para a organização de economias em grande escala, o mercado não tem nenhum concorrente sério.
Radicais Filosóficos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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