sábado, 8 de junho de 2019

Imposto Autoavaliado Sobre A Propriedade Comum (COST) e Votação Quadrática (VQ)

A epígrafe do capítulo conclusivo do livro de Eric A. Posner & Glen Weyl, “Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa” (São Paulo: Editora Portfolio/Penguin; 2019), é muito expressivo quanto à razão da autodenominação de “liberais” por parte da esquerda norte-americana.

O laissez-faire (em seu pleno e real significado) abre caminho para a concretização dos nobres sonhos do socialismo” (Henry George, Progresso e Pobreza, 1879).

As propostas apresentadas nos capítulos anteriores se sustentam sozinhas, e assim devem ser avaliadas. Mas, se forem pensadas como um conjunto, é perceptível refletirem uma visão comum esclarecedora do paradoxo expresso na epígrafe de Henry George.

O laissez-faire muitas vezes é entendido como concorrência de mercado isenta de qualquer restrição. Pelo menos na época de George, o socialismo visava ao “nobre sonho” de substituir o predomínio da propriedade privada e dos bens privados por um grau significativo de posse comum e bens públicos, ao mesmo tempo reduzindo drasticamente a desigualdade. A análise de Eric A. Posner & Glen Weyl mostra essas ideias não se oporem, como o debate popular imagina, mas, pelo contrário, reforçarem-se mutuamente.

Nesta conclusão, expõem essa visão comum, organizando a integração de suas ideias em torno de quatro tópicos:

  1. economia,
  2. política,
  3. relações internacionais e
  4. sociedade

Também expõem, em um espírito altamente especulativo e idealista, como a adoção do conjunto completo de propostas permitiria cada uma delas se ampliar para novos domínios. Não porque pensam essas ampliações se justificarem no momento atual, mas porque ajudam a demonstrar a lógica e os limites da abordagem apresentada, assim como esperam incentivar debates mais amplos.

As preocupações sobre os problemas econômicos presentes nos países ricos se dividem em duas categorias, normalmente tratadas como se fossem opostas.

De um lado, os “tecno-otimistas” defendem o progresso tecnológico baseado na inteligência artificial e na biotecnologia se acelerar e substituir trabalhadores a um ritmo sempre crescente, criando um deslocamento social em grande escala. Robôs substituirão garçons, drones substituirão entregadores e robôs servirão, talvez, até como amantes, como no filme Ela, de Spike Jonze, de 2013. Mas isso significa os trabalhadores serem deslocados. Assim, os tecno-otimistas são otimistas em relação ao aumento da produtividade, mas pessimistas em relação ao emprego. Eles preveem sua diminuição, tornando-se uma fonte central de tensões sociais.

De outro lado, os “tecnopessimistas” adotam a perspectiva contrária.

  1. Preveem a produtividade e o crescimento econômico continuarem a diminuir e logo o padrão de vida se estagnará.
  2. Têm dúvidas sobre o valor dos recentes avanços tecnológicos para além da esfera do entretenimento e das comunicações.
  3. Não creem a inteligência artificial (IA) substituir os trabalhadores humanos em ampla escala.
  4. Estabelecem um contraste entre:
    1. as profundas mudanças sociais geradas pela eletrificação e o entretenimento incremental fornecido pelos smartphones;
    2. os enormes avanços na longevidade humana gerados pelo saneamento e pelos antibióticos e a promessa ainda em aberto das pesquisas de células-tronco;
    3. a mudança fundamental na tecnologia de produção criada com a linha de montagem e o impacto até agora restrito da impressão em 3D.

Assim, são pessimistas sobre o crescimento, mas bem menos preocupados em relação aos tecno-otimistas sobre o deslocamento de empregos e as mudanças no mercado de trabalho.

Grande parte desse debate se refere à viabilidade técnica e às inovações criativas de cientistas e engenheiros, sobre as quais os coautores têm pouco a dizer. De todo modo, a perspectiva apresentada neste livro se contrapõe a esses dois polos.

Recusam a ideia implícita de ter de escolher entre produtividade e emprego, pressuposta no debate. O poder de mercado é fundamental para sua concepção da economia, e ele ao mesmo tempo retarda a produtividade e reduz o emprego.

  • Reter a propriedade e mantê-la afastada de seus usos mais produtivos cria desemprego, mas também reduz o crescimento econômico.
  • O poder monopsônico, seja criado por investidores institucionais, seja criado pelo monopsônio natural nas economias de dados, induz um desemprego artificial para achatar os salários e desvalorizar o trabalho.
  • A exclusão dos trabalhadores de países pobres das oportunidades em países ricos diminui a produtividade global e pode reduzir as oportunidades de trabalho como um todo ao promover a automação.
  • Um nível anêmico de emprego e um baixo crescimento da produtividade resultam mais de falhas institucionais em lugar de mudanças na tecnologia.

Assim, Eric A. Posner & Glen Weyl consideram as instituições econômicas, políticas e sociais centrais para o curso a ser tomado pela economia.

  • As reformas liberais acabaram com a servidão e a escravidão tiveram a mesma importância da máquina a vapor para desencadear a Revolução Industrial.
  • A reforma antitruste, o movimento trabalhista e o Estado de bem-estar social alicerçaram o período de alto nível de emprego e produtividade nos países ricos após a Segunda Guerra Mundial.
  • A reforma neoliberal e a globalização, e não somente os avanços em tecnologia da computação, foram essenciais para levar esse crescimento aos países pobres nestas três últimas décadas.

Com as devidas mudanças institucionais, talvez possamos evitar os perigos do crescimento lento e do desemprego em larga escala. Sem elas, esses dois problemas tendem a piorar.

Conforme Eric A. Posner & Glen Weyl explicam no capítulo 1, o COST melhorará a eficiência da economia ao reduzir o poder de monopólio.

Como donos diferentes muitas vezes têm também disposições e capacidades variadas de investir para a melhoria da terra (como o senhor feudal e o pequeno agricultor), permitir a terra passar para a pessoa mais capaz de usá-la também pode encorajar o investimento.

Devido a essa estrutura quadrática, o mais próximo do ideal é ter pelo menos um imposto bem pequeno. Por exemplo, um imposto de 1% dificilmente causará qualquer distorção para o investimento, mas ainda assim poderá melhorar significativamente os incentivos para alocação adequada. O proprietário fará uma autoavaliação com razoável precisão para minimizar o imposto a pagar, mas não será impedido de fazer investimentos valiosos na propriedade. O ideal é estabelecer uma alíquota tributária moderada, abaixo do índice de giro, capaz de equilibrar essas duas forças.

Os coautores se referem a esse imposto como “imposto autoavaliado sobre a propriedade comum” [Common Ownership Self-Assessed Tax], ou COST sobre a riqueza. O COST é também o custo de (ter) riqueza. A “propriedade comum” se refere à maneira como esse imposto modifica a propriedade privada tradicional. As duas “varas” mais importantes no feixe de direitos componentes da propriedade privada são:

  1. o “direito de usar” e
  2. o “direito de excluir”.

Com um COST, os dois direitos são parcialmente transferidos do detentor para o povo.

Primeiro, consideremos o direito de uso. Na imagem comum da propriedade privada, todos os benefícios decorrentes do uso cabem ao proprietário. Com um COST, por outro lado, uma parcela desse valor é revelada e transferida para o povo por meio do imposto; quanto maior o imposto, maior a parcela de valor de uso transferida.

Segundo, e muito mais importante, consideremos o direito de excluir. No sistema da propriedade privada, o proprietário mantém sua propriedade — o que significa manter os outros fora de sua propriedade — até cedê-la ou vendê-la por vontade própria. Com um COST, o “proprietário” não goza desse direito de exclusão diante de quem se disponha a comprar o bem pelo preço autoavaliado.

Na verdade, qualquer membro do povo pode excluir o dono atual por esse preço. Portanto, quanto menor o preço, maior o grau do direito de exclusão do povo comprador e não ao “proprietário”. O preço cai com o aumento do imposto, e assim o aumento do COST também transfere gradualmente o direito de exclusão para o público. Este pode pagar um preço para reivindicar a propriedade.

Podemos conceituar um COST como uma propriedade compartilhada entre a sociedade e o detentor. Os detentores se tornam locatários da sociedade. O aluguel termina quando aparece um usuário disposto a pagar um valor maior, e com isso o aluguel é automaticamente transferido para ele. Mas isso não é um planejamento central. O governo não estabelece preços, não aloca recursos nem distribui empregos.

  • Como os bens se moverão mais rapidamente para seu uso mais valioso, o crescimento econômico aumentará.
  • Considerando os preços dos ativos diminuirem, atingindo marginalmente os ricos e ajudando os mais pobres, a desigualdade será reduzida.
  • Esse método mais eficiente de elevar a receita irá baratear o financiamento de bens públicos que beneficiem pessoas e oferecerá um dividendo social a quem os talentos não são valorizados pelo mercado.
  • As restrições ao investimento institucional também reduzirão o papel do poder de mercado na economia.

A VQ ampliará esses efeitos positivos. Uma das maiores fontes de ineficiência na economia é a forma primitiva de seleção dos bens públicos. No sistema vigente, as receitas arrecadadas da população muitas vezes são canalizadas para interesses específicos ou recicladas na forma de direitos ineficientemente concebidos para a maioria. Ao “mercantilizar” o sistema político, a VQ ajudará a garantir os bens públicos refletirem as preferências da população, e não apenas de certos segmentos.

Vamos supor uma Nação realizar plebiscitos periódicos sobre questões importantes, como o controle de armas ou a reforma da imigração. Todo cidadão recebe a cada ano uma provisão de “créditos de opinião”. Ele pode gastar nos plebiscitos daquele ano ou economizar para o futuro.

Para converter os créditos em votos, o votante pode devassar seu estoque e gastar o quanto quiser para comprar votos [direitos] — mas o custo do número de votos é o quadrado do número de créditos de opinião. Assim, Eric A. Posner & Glen Weyl chamam esse sistema de “votação quadrática” (VQ).

Um voto custa um crédito de opinião, designado como 1. Com 4, você compra dois votos (raiz quadrada de quatro), com 9 você compra três votos, e assim sucessivamente. A raiz quadrada também é conhecida como “radical” (outro termo para raiz), daí a “democracia radical”. Ela é uma espécie de mercado radical, só para bens públicos, em vez de privados. Vence-se o plebiscito se os votos a favor superarem os votos contra.

Esse sistema permite as pessoas votarem de uma maneira capaz de reflitir a intensidade de sua preferência. Elimina-se o principal defeito do sistema atual. Este consiste em cada um só ter três opções a seu dispor: sim, não e indiferente. Isso possibilita duas coisas importantes.

  1. Primeiro, uma minoria fervorosa pode vencer uma maioria indiferente, resolvendo o problema da tirania da maioria.
  2. Segundo, o resultado da votação maximizará o bem-estar do grupo inteiro, e não apenas o bem-estar de um subconjunto em detrimento de outro.

Para que isso se verificar, pela regra de Samuelson, todo cidadão deve votar proporcionalmente à importância pessoal conferida à questão.

Imposto Autoavaliado Sobre A Propriedade Comum (COST) e Votação Quadrática (VQ) publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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