Daniel Yergin, no livro “A busca: Energia, Segurança e a Reconstrução do Mundo Moderno” (Rio de Janeiro: Editora Intrínseca; original “The Quest: Energy, Security, and the Remaking of the Modern World” publicado em 2011), recorda: negociantes identificaram o ritmo acelerado do mercado, o que significava preços em elevação, e, quanto mais aplicavam o dinheiro e os preços subiam, mais aumentava esse ritmo, proporcionando ainda mais motivos para outros investimentos, e assim por diante. E, desse modo, os preços continuaram subindo. Isso é chamado de “profecia autorrealizável”, provocado pelo “comportamento de manada”.
Havia método em todo esse ritmo, um sistema de crenças bem articulado. Ele explicava o aumento de preços. Ou os racionalizava.
Nesses estudos de comportamento de investidores, inflando bolhas em mercados de ativos, Shiller se refere à característica comum do chamado de “pensamento da nova era” — a convicção da chegada de algo novo e diferente. Isto justificava uma rápida elevação nos preços dos ativos em um determinado mercado.
O pensamento da nova era é uma característica consistente nas bolhas — nos mercados acionário, imobiliário e em muitos outros — das tulipas na Holanda no início de 1600 à bolha especulativa fomentada pela South Sea Company de 1720. “Gera-se uma série de opiniões e histórias como justificativas da continuidade da bolha”, afirma Shiller. Mas não se detecta se tratar de uma bolha sendo inflada – e a ser explodida e não desinflada suavemente.
No caso do mercado do petróleo, um modelo explanatório, um conjunto de novas crenças dominou a comunidade financeira, com um efeito quase hipnotizante. As crenças assumiram a forma de catequese:
- haveria escassez permanente no abastecimento de petróleo (exatamente o contrário do que ocorrera uma década antes).
- o petróleo do mundo estava acabando.
- a China ia consumir todos os barris de petróleo — e muito mais.
- a Arábia Saudita estava enganando o mundo com informações falsas sobre suas reservas de petróleo e elas não tardariam a declinar.
- o mundo tinha alcançado, ou logo alcançaria, o “pico do petróleo” — a produção máxima — e
- o inevitável declínio na produção começaria exatamente quando o mundo desejasse mais e mais petróleo.
Este último, o “pico do petróleo”, foi o grande tema unificador de todas essas crenças. À medida que os preços subiam, essa visão se tornou cada vez mais difundida, especialmente nos mercados financeiros. Ela reforçou o sentimento do investidor de tendência de alta, ajudando a empurrar os preços ainda mais para cima.
Por todos os motivos já citados, fazia sentido, todo sentido, os preços continuarem subindo. Afinal, era exatamente isso que as previsões advertiam ir acontecer. Os dados sem se encaixarem no modelo — por exemplo, uma análise de 1.100 campos petrolíferos que não conseguiram atingir o “pico” globalmente — eram negligenciados e dispensados como é todo “estraga-prazer”.
No primeiro dia de negociações de 2007, o WTI fechou em US$ 61,05. Um ano depois, no primeiro dia de negociações de 2008, um 2 de janeiro, o petróleo atingiu US$ 100 por um breve período e depois caiu. Um mês depois, ultrapassou a fronteira dos US$ 100. E continuou subindo. A febre do petróleo que atingira Cushing, Oklahoma, depois de 1912 voltava em 2008 sob a forma de uma epidemia global que varria o planeta.
Foi no final de 2007 e no início de 2008 quando as forças capazes de elevarem os preços do petróleo transformaram decisivamente os princípios fundamentais em outra coisa: a “hipervalorização dos preços dos ativos”. Ou o que se conhece coloquialmente como bolha.
Em maio de 2008, a gasolina rompeu a barreira dos US$ 4 o galão, depois de ser menos de US$ 3 no início do ano. O público estava agitado e enraivecido. Os preços da gasolina dominavam os noticiários. Pareciam uma questão central na campanha presidencial. Já tinham se tornado o assunto de grande número de audiências no Congresso dos Estados Unidos.
Quase à mesma época, um dos mais proeminentes analistas de petróleo de Wall Street intensificou a febre com um relatório declarando que uma “reprecificação estrutural” do petróleo — refletindo as expectativas de escassez de petróleo no longo prazo e “a continuação da demanda robusta por parte dos BRIC” — significava um “mercado estrutural em alta” no topo do “superciclo”.
Este elevaria os preços “a níveis ainda mais altos”. A onda de aumento prosseguia. No final de maio, os preços do petróleo atingiram US$ 130. As vendas de automóveis novos nos Estados Unidos caíam vertiginosamente. A aviação já estava abalada pelos efeitos do aumento do combustível para aviões.
Estava-se vendo os ingredientes clássicos de uma bolha de ativos. Os investidores financeiros tendem a avaliar os desempenhos passados. Mas, quando atingem o pico, descolado dos fundamentos, os preços tendem a despencar. É sempre assim quando os momentos decisivos cíclicos ocorrem. Mas a análise técnica não tem como ir mais adiante. Acertar esse timing de saída é a parte difícil.
Mesmo com essa advertência, o preço continuou em sua curva ascendente. Ainda mais dinheiro fluiu para o mercado, com base na premissa de os preços iriam subir ainda mais.
Em 15 de junho de 2008, os preços do petróleo chegaram a US$ 139,89. O setor aéreo viu-se encurralado. Antes, os preços dos combustíveis representavam cerca de 20% dos custos operacionais. Passaram a ser por volta de 45%, superiores aos custos com mão de obra. As falências pareciam inevitáveis — e a única saída.
O mercado físico tinha virado. Embora ainda mal reconhecido, o choque de demanda terminou. A demanda mundial de petróleo estava diminuindo, e a oferta, aumentando. A capacidade ociosa — a diferença entre a capacidade mundial e a demanda mundial — começava a aumentar. Contudo, nada disso parecia importar. Os preços continuavam subindo. No começo de julho, os preços ultrapassaram os US$ 140.
Na verdade, as engrenagens já começavam a atuar na outra direção. O ponto de ruptura estava próximo. Afinal, os preços importavam. Importavam para a economia — e, à medida que a ira e o medo do público aumentavam, importavam também para a política.
O indício mais imediato do ponto de ruptura estava nas decisões dos usuários de energia, Grandes indústrias encontraram novas maneiras de reduzir o uso de energia. Companhias aéreas diminuíram o número de aviões no ar. Consumidores podiam mudar seu comportamento, usando menos o carro.
Em junho de 2008, os motoristas da Califórnia gastaram 7,5% menos gasolina se comparado ao mesmo mês do ano anterior. Não havia mais idas às concessionárias de automóveis e, quando havia, os consumidores evitavam os utilitários (SUVs). Se quisessem mesmo um carro novo, preferiam veículos que consumissem menos combustível.
Isso fez com que Detroit, que se concentrava nos populares SUVs, tentasse produzir os automóveis desejado pelos consumidores, atendendo as novas metas de eficiência no consumo de combustível. Essa implementação custaria bilhões de dólares e levaria vários anos. Em anos normais, apenas cerca de 8% da frota de veículos é renovada anualmente.
Enquanto isso, as companhias de petróleo aumentavam drasticamente seus gastos para desenvolver nova oferta, embora tivessem de lutar contra os enormes aumentos nos custos. O mercado não estava mais restrito.
A oferta mundial de petróleo no primeiro trimestre de 2008 foi de um milhão de barris a mais em relação ao primeiro trimestre de 2007. Em junho de 2008, a demanda de petróleo dos Estados Unidos foi de um milhão de barris a menos do que em junho de 2007. Esses preços ofereciam estímulo tanto político quanto comercial para o desenvolvimento de energias renováveis e alternativas no longo prazo.
A agitação no mercado teve grande impacto sobre as políticas públicas e na política energética. Em nenhuma outra parte, seu impacto se fez sentir tanto quanto em relação ao automóvel americano.
Os Estados Unidos têm a maior frota de automóveis do mundo — cerca de 250 milhões de um total global de um bilhão. Apesar do crescimento nos mercados emergentes, um em cada nove barris de petróleo usados no mundo todos os dias é queimado como combustível para motor nas estradas americanas.
Os padrões de eficiência do consumo de combustível não eram mais um problema de esquerda ou direita. Eram agora um tema de segurança nacional e um amplo problema econômico.
Inflando Bolha até a Explosão publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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