domingo, 5 de janeiro de 2020

Partidarismo e Antipartidarismo

Segundo o livro, Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil (Cambridge University Press, 2018), coautoria de David J. Samuels (University of Minnesota) e Cesar Zucco (Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro), o conceito de força partidária possui três elementos, cada qual fala sobre diferentes aspectos da natureza e do processo de representação no governo e no legislativo:

(1) partidos no governo,

(2) partidos como organizações, e

(3) partidos para o eleitorado.

Debate sobre a força relativa dos partidos no Brasil se concentrou no primeiro elemento. Existem pesquisas importantes sobre a organização organizacional das forças partidárias, mas a maior parte deste trabalho se concentra apenas no PT.

Quanto ao terceiro elemento, a força dos partidos nas mentes dos eleitores brasileiros, existe relativamente pouca pesquisa em comparação com o foco nos legislativos brasileiros. Isto acontece talvez porque os observadores tendem a aceitar a sabedoria convencional de, além da capacidade dos presidentes em exercício de gerenciar economia, “fama e fortuna” (ou, simplesmente, pragmatismo para “levar comida para casa”) são os fatores mais importantes capazes de moldarem a escolha do voto.

O foco nos partidos legislativos criou um desequilíbrio em termos de o que os observadores consideram importante na política brasileira. Isto é particularmente lamentável, uma vez que, embora o nível agregado de identificação partidária no Brasil não seja particularmente alto, em perspectiva comparada, também não é particularmente baixo. Isso sugere o partidarismo ser bastante importante. De fato, como os coautores mostram, tanto o partidarismo positivo quanto o negativo têm poderosamente moldado as atitudes políticas e o comportamento de uma ampla faixa do eleitorado.

A identificação do partido é uma das variáveis ​​mais importantes da Ciência Política, simplesmente porque nenhuma outra variável é tão consistente ou inconsistente como indicador do comportamento político. O partidarismo positivo é tipicamente considerado uma forma de identidade social – uma condição psicológica de apego a um agrupamento social maior. Faz parte do senso de um indivíduo de si mesmo e, como tal, molda opiniões sobre política, motiva políticas públicas e afeta a escolha do voto.

Níveis de partidarismo para diferentes partidos sinalizam as principais linhas de concorrência em uma comunidade. As pessoas ao se identificarem com um partido geralmente votam em (candidatos) desse partido, enquanto eleitores sem apego partidário tendem a não votar em (candidatos de) apenas um partido.

De todos os muitos partidos do Brasil, apenas o PT conseguiu cultivar um forte vínculo psicológico entre uma proporção substancial de eleitores do Brasil. O partido começou a atrair uma ampla base de apoio partidário nos anos 80. Nas três décadas seguintes, o petismo se espalhou entre os eleitores, refletindo a crescente importância do Partido dos Trabalhadores na política brasileira. Em meados dos anos 2000, cerca de 30% dos brasileiros alegavam ser petistas, um número relativamente grande em proporção da simpatia a qualquer outro partido em qualquer país.

Além disso, desde os anos 90, o PT também obteve votos uma parcela desproporcionalmente grande de todos os eleitores partidários. Por exemplo, na década de 2000, mais da metade de todos os brasileiros se identificaram com algum partido aliado ao PT.

Outro motivo para destacar o impacto do PT nas atitudes políticas de massa popular e do comportamento político no Brasil é a disseminação do petismo ter provocado uma reação na direção oposta: o surgimento de um forte senso de antipatia pelo PT conhecido como antipetismo.

Relativamente a isso pouco se sabe – no Brasil ou em outros lugares – sobre partidarismo negativo, isto é, rejeição dos eleitores de um determinado partido. Embora os primeiros estudiosos tenham sugerido o partidarismo poder implicar atitudes positivas e negativas, a maioria das pesquisas explorou apenas o lado positivo do partidarismo.

O foco acadêmico no partidarismo positivo pode derivar do pressuposto de atitudes partidárias negativas e positivas são lados opostos da mesma moeda. No entanto, essas atitudes nem sempre espelham exatamente um ao outro. Este último pode de fato emergir, autonomamente, e pode ter efeitos distintos. A tabela 1.1 identifica o leque de possibilidades.

Primeiro, os partidários do “núcleo duro” têm atitudes positivas e negativas. Esses partidários não apenas se identificam com um partido, mas também rejeitam fortemente outro.

Um segundo grupo de eleitores, aqueles no canto inferior esquerdo, pode ter sentimentos positivos por um partido em particular, mas carecem de fortes sentimentos partidários negativos. Esses dois primeiros grupos de indivíduos seriam funcionalmente equivalentes em termos de comportamento de votação, se examinarmos apenas os aspectos positivos focalizados nas pesquisas. Elas, normalmente, fazem perguntas sobre questões partidárias em termos de opções positivas.

Os membros de um terceiro grupo, no canto inferior direito, são apartidários – eles não expressam atitudes positivas nem negativas em relação a qualquer partido político. Muitos brasileiros caem nessa caixa – e, para eles, pragmatismo quanto ao valor do “voto toma-lá-dá-cá” pode importar acima de tudo.

No entanto, é crucial distinguir os não-partidários dos membros do quarto grupo, partidários negativos. Esses eleitores, a quem os coautores chamam também de “antipartidários puros”, têm atitudes fortes contra um determinado partido, mas nenhum apego partidário positivo. Adotam apenas o discurso de ódio.

Apesar da relativa falta de pesquisa, exemplos de partidários negativos de todo o mundo não são difíceis de encontrar. Por exemplo, na Argentina, muitos eleitores são anti-peronistas, mas não se identificam com nenhum partido, enquanto nos EUA alguns eleitores não gostam dos republicanos, mas não se identificam como democratas (ou vice-versa).

Como detalharam os coautores, atitudes partidárias positivas e negativas não são imagens psicológicas espelhadas: muitos brasileiros se identificam com um partido sem sentir-se negativamente em relação a algum outro, enquanto outros sentem forte antipatia por um certo partido sem desenvolver um vínculo partidário positivo. Isso significa podermos ganhar muito em termos de compreensão da política brasileira ao distinguir partidários negativos de não-partidários.

Eleitores incapazes de gostarem de algum partido em particular podem não saber qual candidato ou partido gostam. Por isso, afirmam “nunca votariam em” ou “não gostariam de votar em um determinado partido”. Assim, eles reduzem significativamente suas escolhas. Ignorar atitudes partidárias negativas significa perder muita informação sobre o comportamento provável dos eleitores e deixa de fora um componente importante dos estudiosos da história política: a procura de contar detalhamente sobre os principais contornos da política em diferentes países.

Os contornos do partidarismo positivo e negativo no Brasil são moldados, principalmente, pela forma como as pessoas se sentem em relação ao PT. Às vezes, quase metade de todos os eleitores eram petistas ou antipetistas. Além disso, em sua maioria, os partidários positivos no Brasil são petistas, a maioria dos partidários negativos são antipetistas.

Esses fatos apontam para uma advertência fundamental da alegação dos coautores de as atitudes partidárias fornecerem mais estrutura ao sistema partidário no eleitorado brasileiro. Eles se aperceberam: o partidarismo importa, mas o comportamento do eleitor no Brasil está amplamente estruturado em torno de sentimentos a favor ou contra o PT, não sobre outros partidos.

Partidarismo e Antipartidarismo publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário