quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Juiz de Garantias para evitar Perseguição Política ou Lawfare

Lawfare originalmente se refere a uma forma de guerra na qual a lei é usada como arma. Basicamente, seria o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de Força Armada, visando alcançar determinados objetivos de política externa ou de segurança nacional.

O ministro do Supremo Luiz Fux suspendeu ontem a implantação do juiz de garantias, criado no pacote anticrime aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Bolsonaro. A decisão vale até que o tema seja analisado pelo plenário da corte, o que não tem prazo para acontecer. / o globo

A decisão revoga uma outra determinação, do presidente do Supremo, Dias Toffoli, que definia que a figura jurídica entraria em vigor em julho. Para Fux, o Judiciário ainda tem que analisar a constitucionalidade da nova lei, o que precisa ser feito em plenário. / estadão

O ministro da Justiça, Sergio Moro, elogiou a decisão. A criação da nova figura é vista principalmente como uma resposta à sua atuação como juiz na Lava Jato. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chamou a determinação de Fux “desrespeitosa com o Parlamento”. / folha

Filipe Magliarelli (Valor, 16/01/2020), sócio das áreas de Penal Empresarial e Compliance & Investigações do KLA Advogados, explica abaixo a importância de se ter um Juiz de Garantias. Juízes respeitados internacionalmente expressaram enorme espanto quanto ao processo movido pelo ministro da Justiça do adversário do candidato mais popular para aprisioná-lo e tirá-lo do páreo eleitoral. É um escândalo no mundo jurídico e está registrado na história como uma página vergonhosa do nosso país.

“Em 24 de dezembro, foi sancionada a Lei no 13.964/2019, que teve origem no conhecido “Pacote Anticrime”, de autoria do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro. Do texto de lei sancionado, são tímidas as previsões que fazem remissão direta à proposta inicial, depois de o projeto de lei ter sofrido diversas reformas na Câmara dos Deputados.

Das novidades introduzidas pela Lei no 13.964/2019, destaca-se a criação do “juiz de garantias”. A ideia de se instituir a figura de um juiz de garantias no Brasil não é recente. Propostas anteriores de reforma ao Código de Processo Penal já aventavam essa possibilidade e propunham texto de lei semelhante ao promulgado pelo presidente.

As medidas são imprescindíveis para garantir a imparcialidade do juiz, uma das bases da Justiça. A Lei no 13.964 estabelece que o juiz de garantias será o incumbido de fiscalizar as investigações, e decidir, quando provocado, sobre medidas necessárias e urgentes, como a decretação de prisão provisória, busca e apreensão ou bloqueio de bens.

Ao final da investigação, se o Ministério Público oferecer denúncia, após os acusados apresentarem suas defesas, o juiz de garantias analisará se a acusação atende aos requisitos legais e se há fundamento para se iniciar ação penal. Uma vez que a denúncia é recebida pelo juiz de garantias, o caso será distribuído a outro magistrado, quem, ao final, julgará o caso.

A ideia defendida na Lei no 13.964 é que o juiz que preside a ação penal seja uma folha em branco ao receber o caso, após o recebimento da denúncia. Sem ter tido envolvimento no caso nem ter tomado decisão anterior, esse juiz formará seu convencimento à medida que provas são produzidas pelas partes, mediante processo em contraditório. Sem sombra de dúvidas, tal sistemática garante maior equilíbrio entre o Ministério Público e o acusado no processo.

De fato, o envolvimento do juiz na fase de investigação pode levá-lo ao convencimento em favor da acusação, antes mesmo de o acusado ter a oportunidade de apresentar seus argumentos defensivos. Na construção racional de uma decisão, o juiz é influenciado por vários fatores, inclusive culturais, mas, principalmente, pelas provas que analisa e pelos argumentos que enfrenta. Nesse contexto, a íntima compreensão dos fatos que o juiz forma prematuramente na investigação norteará suas decisões até o final do processo.

No modelo então vigente, o juiz formava paulatinamente seu convencimento durante a investigação, quando era provocado a decidir questões importantes e urgentes. Esse mesmo juiz, que já havia declarado em decisão, por exemplo, que haveria indícios da prática do crime, na maioria das vezes, seria o mesmo a analisar depois os argumentos de defesa e sentenciar.

Em muitos casos, o engajamento na investigação inclinava a orientação do juiz em favor da acusação. Quando o acusado era formalmente chamado para se defender na ação penal, Inez era morta. Uma distorção do sistema que merecia ser corrigida.

As legislações de diversos outros países da Europa e América Latina, algumas delas, bem recentes, estabelecem funções semelhantes à do recém-instituído juiz de garantias. Não se trata, pois, de uma “excentricidade tupiniquim”, como parecem sugerir alguns críticos. Por certo, a Itália é o melhor exemplo. Desde 1989, portanto, há mais de 30 anos, está consagrada na Itália a figura do “Giudice per le Indagini Preliminari” (juiz das investigações preliminares), que tem a função de controle sobre a investigação, sobretudo sobre a atividade do Ministério Público, e de garantia da legalidade e dos direitos dos investigados.

Na Itália, os juízes das investigações preliminares foram muito atuantes, por exemplo, na famosa “Operação Mãos Limpas”, maior investigação de corrupção e crime organizado naquele país e fonte indisfarçável de inspiração para as grandes operações deflagradas no Brasil a partir de 2014. O exemplo italiano contradiz, portanto, o argumento ventilado de que a instituição dos juízes de garantias inviabilizaria a perpetuação das investigações de combate à corrupção no Brasil.

Se, inicialmente, o “Pacote Anticrime” tinha uma envergadura punitivista, as alterações sofridas na Câmara dos Deputados, fruto de amplos e técnicos debates, arejaram o projeto com disposições que protegem os direitos dos investigados e acusados. Assim, pode-se dizer que a versão final da Lei no 13.964 traz reformas que equilibram, de um lado, a busca por maiores instrumentos de persecução penal e, de outro lado, a implementação de mecanismos de proteção do indivíduo contra eventuais abusos. A Lei no 13.964/2019 não está livre de críticas, mas o saldo à sociedade é positivo.”

Juiz de Garantias para evitar Perseguição Política ou Lawfare publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário