Gabriel Vasconcelos (Valor, 11/11/2019) informa: com o avanço da automação nas próximas duas décadas, o Brasil tende a perder número consideravelmente de empregos com carteira assinada criados em anos anteriores. Cerca de 9,2 milhões dos 16 milhões postos de trabalho que foram criados entre 2003 e 2016 têm 70% de chance ou mais de sucumbirem à chegada de máquinas controladas por computadores. O índice é considerado alto para os padrões internacionais. As estimativas estão em levantamento do Laboratório do Futuro, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).
A maior parte dos empregos gerados no período (6 milhões) tem mais de 90% de chance de serem eliminados nos próximos dez anos. O fenômeno, explica, está ligado à natureza dos postos gerados no período anterior, caracterizados por baixa qualificação e pouca especialização, portanto mais propensos a serem substituídos por máquinas.
Os pesquisadores da Coppe adaptaram os resultados de pesquisas internacionais sobre automação para a realidade brasileira e os cruzaram com informações da Relação Anual de Informações Sociais do governo federal (Rais). O objetivo de médio prazo é determinar o impacto da automação na matriz de empregos de cada um dos 5.570 municípios do país, indicando alternativas personalizadas para cada cidade enfrentar o cenário que se aproxima. No Rio de Janeiro, município-piloto da plataforma, os pesquisadores puderam precisar, por exemplo, que, no setor de varejo, 148 mil pessoas podem perder seus empregos em razão da automação.
Na avaliação por atividade, os mais afetados entre os trabalhadores formalizados serão vendedores do varejo, assistentes administrativos e outros empregados do setor de serviços, como é o caso dos auxiliares do setor de alimentação. Outras categorias prováveis de desaparecer em uma década são estoquistas e operadores de caixa.
Entre as dez profissões com o maior número de empregados no Brasil até o início de 2017 — reuniam 26% da população de carteira assinada –, só os professores não estão ameaçados de substituição por máquinas nos próximos dez anos. Isso dá a dimensão do “exército de substituídos” a se somar ao contingente de desempregados, hoje na casa dos 12 milhões de pessoas. Para oferecer dimensão mais exata do problema, a Coppe atualiza os dados para dezembro de 2018. Entretanto, anão houve criação significativa de postos resilientes à automação a ponto de modificar a estrutura da matriz de empregos analisada no estudo.
Além de recomendar políticas de elevação da taxa de escolaridade, requalificação da mão de obra e geração de empregos ligados à revolução digital, o relatório fala expressamente em soluções como “renda básica universal” e “ativos básicos universais” capazes de oferecer uma rede de proteção social que permita aos beneficiários transitar para novos empregos.
Em países como Suíça e Reino Unido, onde a consultoria Deloitte realizou levantamentos análogos ao da Coppe, a matriz de emprego é mais resiliente, porque houve ondas de automação com impactos já absorvidos e, simultaneamente, a geração de funções com maior especialização técnica. Ainda assim, 48% dos empregos podem sumir na Suíça com a proliferação das máquinas. No Reino Unido, o índice cai a 35%.
Para chegar aos números do Brasil, os pesquisadores usaram um estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido, oficialmente publicado em 2017, que determina a probabilidade de automação de cada uma das profissões existentes nos Estados Unidos a fim de quantificar o impacto da automação naquele país. Desde então, governos e consultorias privadas têm feito esforços para adaptar os parâmetros à realidade de seus países. No início de outubro, o Valor publicou levantamento da consultoria IDados nessa linha, mostrando: 58,1% dos empregados formais ou informais do país serão substituídos por máquinas em até 20 anos, afetando cerca de 52,1 milhões de pessoas.
A Coppe avançará na avaliação por municípios. Os resultados indicam: mais de 60% das populações ocupadas em todas as cinco regiões do Brasil serão afetadas. Essa substituição por máquinas será mais forte no Centro-Oeste, onde 70,8% dos empregados de carteira assinada devem ser afetados, visto que a região têm grandes centros administrativos, como o Distrito Federal, e municípios com altas taxas de urbanização em contraste com áreas rurais de baixa densidade demográfica – que já passaram pela onda de automação do agronegócio. Em seguida, virão Sul e Sudeste, onde 69,2% dos trabalhadores devem ser impactados, com forte incidência sobre o setor de serviços ali concentrado. Na outra ponta estão Norte (64,3%) e Nordeste (61,3%). Sentirão menos os efeitos da chegada das máquinas por terem economias marcadas por atividades primárias como extração mineral, vegetal e animal, pouco expostas à automação.
O rápido avanço da inteligência artificial (IA) costuma provocar calafrios, com muita gente pensando na possibilidade de as máquinas escravizarem ou destruírem a humanidade no futuro, mas para Kai-Fu Lee essas preocupações estão inspiradas na ficção científica e não representam risco até onde a tecnologia atual permite antever. As ameaças reais, diz o investidor e escritor chinês, são de outra natureza: desemprego em massa e aumento expressivo da desigualdade social. Só.
“Mesmo sem a IA, a desigualdade já uma questão importante porque traz instabilidade e rupturas sociais”, diz Kai-Fu, presidente executivo da empresa de investimento Sinovation Ventures e ex-executivo da área de inovação de gigantes como Google, Microsoft e Apple. A inteligência artificial exacerbará o abismo entre ricos e pobres, ao proporcionar mais riqueza às companhias e pessoas hábeis em extrair valor das novas tendências.
Kai-Fu veio ao Brasil para lançar o livro “Inteligência Artificial” (Globo Livros), cujo subtítulo dá uma dimensão da abrangência das implicações: “Como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamentos, trabalhamos e vivemos”.
Dois conjuntos de medidas serão necessárias para evitar ou retardar o aumento da desigualdade.
O primeiro é estabelecer modelos como o de renda mínima universal ou outras métricas capazes de ajudar quem se encontra em desvantagem econômica.
O segundo é dar treinamento profissional. A IA vai destruir muitos empregos e criar outros, mas as novas vagas exigirão mais capacidade técnica.
O autor nasceu em Taiwan, cresceu nos Estados Unidos e hoje mora em Pequim. Ele é considerado uma das vozes mais originais do cenário global de tecnologia. Com o domínio das empresas americanas de internet como Google, Facebook e Amazon, o entendimento que se tem dos fenômenos relacionados à internet costuma ser ditado pela perspectiva do Vale do Silício, onde se concentra a inovação nos EUA. Kai-Fu oferece outra visão – a da China.
Empreendedores, investidores e acadêmicos têm tentado replicar as condições do Vale do Silício em várias partes do mundo, mas isso é impossível. O Vale do Silício é o modelo ideal para inovações porque causam ruptura e reúnem pessoas brilhantes a fazerem coisas inimagináveis, como o iPhone, a montadora de carros elétricos Tesla e a empresa de transporte espacial SpaceX. Mas não dá para copia-lo.
O modelo chinês, “bem pé no chão”, é diferente. É sobre executar a inovação tentando descobrir o que as pessoas querem. E usar dados para chegar a isso. Com a conexão crescente das pessoas, intensos fluxos de informação agora alimentam modelos de inteligência artificial, que se guiam pelo comportamento dos usuários. Não é mais necessário lançar um produto perfeito. Você pode lançar um bom produto, baseado na interação com os dados. O produto ficará melhor à medida que mais informações forem obtidas sobre o gosto do consumidor.
Na era da internet, mesmo monopólios podem não ser uma coisa ruim. Isso se o monopólio oferecer um superaplicativo incrivelmente conveniente para as pessoas. Como exemplo, há o WeChat. A competição em torno dos superaplicativos — capazes de reunirem inúmeras funções em um único software fácil de usar — mostra as características do modelo chinês, orientado a resultados, capaz de aprender à medida que evolui, é rápido e interativo. É um modelo comprovadamente possível de ser copiado.
EUA e China estão mais bem-posicionados para liderar o mundo da inteligência artificial, mas há muitas chances para países como o Brasil. O país tem população homogênea e grande o bastante para desenvolver seu próprio ecossistema de empreendedorismo e conceber aplicações próprias de IA. Em outros mercados, isso não é possível porque a população é pequena ou o país está concentrado demais em atender ao mercado externo.
Além disso, o Brasil é suficientemente diferente. Uma dessas particularidades é a língua. O idioma torna mais difícil a companhias americanas ou chinesas abordar o público local. Não é impossível, mas é mais difícil, o que abre chances para mais aplicações de inteligência artificial serem criadas localmente. A maior parte dos elementos indica uma direção positiva. Não é possível superar os EUA ou a China, mas o Brasil com certeza pode figurar entre os dez maiores no movimento de entender, aplicar e obter lucro com a inteligência artificial.
A falta de engenheiros é uma questão problemática. O número de engenheiros brasileiros voltados às ciências da computação representa um décimo do contingente existente na China e nos EUA. Então, se há 50 engenheiros por mil pessoas nesses dois países, no Brasil não chega a 5. É preciso dar mais ênfase à engenharia.
Miséria Nacional e Desesperança pelo Desgoverno publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário