quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Bolha de Ações com Maus Fundamentos Econômicos

 Fusões e Aquisições:


Os números e os gráficos falam por si. Mas acrescento algumas informações abaixo para análise do quadro paradoxal de um país em derrocada social, econômica e política, embora com uma bolha de ações para iludir incautos com a “sorte de iniciante”. Os novos especuladores ganham na entrada com base em análise grafista, seguindo tendência de alta, e perderão na súbita fuga de capitais com base em análise fundamentalista.

Enquanto os fundamentos da economia brasileira continuam muito maus, a bolsa brasileira vem batendo sucessivos recordes. No ano, segundo cálculos do Valor Data, a alta acumulada, em dólares, atingiu 27,27%. O Ibovespa bateu recordes por causa basicamente da entrada do investidor local em fuga da renda fixa para a renda variável.

O grande incentivo dessa valorização foi a queda da taxa básica de juros (Selic) ao menor nível da história, de 4,5% ao ano. Juros menores, aprovação da reforma da Previdência e ilusória retomada da economia, ainda de forma muito lenta, explicam o ganho no ano.

Nos Estados Unidos, as duas principais bolsas subiram ainda mais que a B3 neste ano (ver gráfico). Um grande impulso veio com o anúncio do acordo comercial entre China e EUA. O Nasdaq teve alta pela 11a sessão consecutiva, superando os 9 mil pontos pela primeira vez na história, e o S&P 500 agora está a menos de 10 pontos de registrar o melhor desempenho desde 1997.

O clima mais favorável a ativos de risco se refletiu também na queda do dólar. Depois de cair a R$ 4,0463, menor cotação intradiária desde 7 de novembro, a moeda americana fechou o fim da última semana do ano valendo R$ 4,0615, recuo de 0,45%.

Weruska Goeking (Valor, 14/11/2019) conta parte da história do indicador da bolsa de valores brasileira: uma das maiores referências para os investidores de renda variável, o Ibovespa nasceu em janeiro de 1968 e, ao longo das últimas décadas, já passou por muitas fases. As transformações foram graduais, mas hoje o índice é um pouco menos concentrado e suscetível às influências de estatais.

Nas primeiras carteiras teóricas, o Ibovespa era repleto de empresas de commodities e de indústrias de base, como siderúrgicas e metalúrgicas. Em 1968, as cinco maiores participações do índice concentravam 37,2% do total. Na década de 1970, o índice era claramente dominado por estatais. Na década de 1980, as estatais ainda tinham protagonismo, mas começavam a dar espaço para privadas, como a Paranapanema.

Em 1985, a grande campeã de participação no índice era justamente a Paranapanema, produtora de cobre, com 23% das ações da carteira teórica.

Em uma fase mais “ousada”, nos anos 1990, as empresas de telecomunicações dominavam, e a Telebras chegou a representar metade do índice, que foi criado pelo economista Mário Henrique Simonsen. Anos depois, no entanto, em vez de diluir os pesos das empresas no índice, a concentração aumentou. Na carteira de 1995, a Telebras ainda abocanhava 33,9% do Ibovespa e as cinco maiores participações detinham 65,7% do total.

O Ibovespa era ponderado pela liquidez. Quanto mais negociada a ação, maior peso ela adquiria. Essa distorção permaneceu até o fim de 2013.

Atualmente, as cinco principais ações do Ibovespa representam 36,5% do índice, patamar semelhante à carteira válida de setembro a dezembro de 1968, porém diferente e mais diversificado em sua composição total. O setor de serviços era basicamente banco e financeiras 15 anos atrás. Hoje temos educação, saúde e shoppings. Só Vale e Ambev (ações da Antarctica, então) resistem até hoje desde a primeira formação do índice.

Entre os dez maiores pesos no Ibovespa, a concentração passou de 66% em 1968 para 55,3% neste ano. A redução da concentração do índice foi muito importante, porque saímos do domínio total de Petrobras, Eletrobras e Telebras. A expansão de empresas novas e setores novos foi o grande ganho dos últimos 15 a 20 anos. E muito se deve às emissões do Novo Mercado.

Não só as empresas eram diferentes nos primórdios do Ibovespa, mas a metodologia que calculava quem entrava ou saía do índice também passou por mudanças. Desde 2014, a forma de “filtrar” as empresas mudou com o intuito de corrigir distorções, como a que permitiu que OGX tivesse parcela de 5% no Ibovespa no primeiro quadrimestre de 2013.

Para fazer parte do índice hoje, as ações e units precisam estar presentes em 85% dos pregões e ter volume financeiro acima de 0,01% no último ano. O índice é reavaliado a cada quatro meses e as ações e units que fazem parte dele precisam corresponder a cerca de 80% dos negócios e do volume financeiro de toda a bolsa brasileira.

O índice é quadrimestral porque nos primórdios tudo era calculado à mão. Os feriados entre dois de três quadrimestres no ano (1o de maio e 1o de janeiro) facilitavam o trabalho ao dar um dia a mais para a equipe da bolsa fazer os cálculos necessários. Só ficava apertado mesmo no terceiro trimestre, terminado em 30 de setembro.

Hoje, os computadores tornaram o trabalho bem mais rápido e preciso, mas a tradição falou mais alto e as carteiras seguem sendo quadrimestrais. O que mudou é que nenhuma empresa pode representar mais de 20% do índice, o que ajuda a evitar a concentração de ativos, nem valer menos de R$ 1 por mais de 30 pregões seguidos.

Esse limite de concentração foi criado para evitar casos como o da Telebras nos anos 1990, mas o Ibovespa só vai diversificar mesmo quando tiver mais empresas grandes e com liquidez na bolsa. Precisa-se de mais empresas e de maior porte virem ao mercado para dar um mínimo de credibilidade.

Na carteira em vigor atualmente, o setor de serviços financeiros, que engloba a própria B3, bancos e seguradoras, ganhou espaço e representa 36,3% do total, superando as commodities, que ocupam 28,5% da carteira. O peso das estatais segue elevado, com 11,8% do índice concentrado em Petrobras.

Embora muitos eventos políticos e econômicos tenham impacto nos preços das ações e, por consequência, no Ibovespa, o principal índice acionário do país não pode ser usado como um termômetro da economia real, ou seja, não representa de verdade o que acontece no mercado corporativo e na vida das pessoas.

O problema é o universo de empresas de capital aberto ser ridiculamente baixo e nem todos setores da economia estão ali ou estão sub-representados, com poucas companhias. Por exemplo, há o caso da indústria de alimentos. Com 35,7 mil empresas no país, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), apenas quatro estão no Ibovespa: Ambev, BRF, Marfrig e JBS. Outros nomes de peso da alimentação estão fora da carteira do Ibovespa, como Minerva, Camil, Burger King, IMC e M. Dias Branco.

Como base de comparação, o S&P 500, índice acionário americano, tem as 500 principais empresas (por liquidez e tamanho de mercado), enquanto o Ibovespa tem apenas 68 companhias atualmente.

O Ibovespa já teve mais ações, mas com concentração maior em empresas. Melhorou porque ficou com menos estatais. Isso é relevante, porque qualquer mudança de rumo no governo afetava muito o índice. O ideal é que o número de empresas listadas na bolsa, hoje em 328, aumentasse, para que o leque de opções elegíveis ao Ibovespa também fosse maior. Precisaria ter umas 450 empresas, porque essas novas empresas vão diversificando o índice aos poucos, sem artificialismo.

Abrir capital no Brasil não é um processo barato. Pesquisa da PwC aponta que os custos para um IPO na bolsa local variam de 2,5% a 5,6% dos recursos captados. Além disso, muitos empresários ainda resistem em dividir o controle e prestar satisfações a minoritários e analistas. É uma questão cultural do empresário brasileiro ter esse receio, mas é função do analista fazer perguntas e muitas vezes contestar a administração. E os empresários também têm de saber usar o mercado para financiar a expansão da empresa através de ações.

Bolha de Ações com Maus Fundamentos Econômicos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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