Na Introdução do livro, Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil (Cambridge University Press, 2018) de coautoria de David J. Samuels (University of Minnesota) e Cesar Zucco (Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro), eles anunciam dois quebra-cabeças serem os motivadores de sua pesquisa.
O primeiro é a ascensão do petismo. Eles começaram a explorar essa questão no início dos anos 2000, logo após o número dos petistas ter começado a ultrapassar o número de partidários simpáticos a qualquer outro partido. A ascensão do petismo é intrigante porque existem teorias prevendo fatores sociológicos e institucionais serem capazes de impedirem um desenvolvimento do partidarismo em massa popular no Brasil. Como o PT perturbou essa predição?
Um segundo desafio é o trabalho existente sobre partidarismo em massa popular explicar algo já existente. Nos EUA, por exemplo, uma literatura considerável procura explicar realinhamentos partidários, transformações no significado de partidarismo para eleitores e/ou nas bases demográficas dos partidos. Da mesma forma, na Europa e em outros lugares, os estudiosos têm focado em explicar o desarranjo ou o colapso partidário, uma dissipação gradual de apoio partidário. Em ambos os casos, o partidarismo já existe – está apenas mudando ou desaparecendo.
Por outro lado, a ascensão do petismo é um “alinhamento” eleitoral – o início do surgimento do ID de um partido onde não existia isso antes. Porque o partidarismo surgiu pela primeira vez antes do advento dos métodos modernos das Ciências Sociais, os estudiosos tendem a considerar sua existência entre os eleitores como garantida.
No entanto, talvez obviamente, para explicar o surgimento inicial do partidarismo, não podemos confiar na Teoria da Socialização Infantil. Ela pressupõe identidades partidárias já existirem como categorias socioculturais. Elas poderiam ser transferidas de pai para filho como fosse cada família um clã político ou uma dinastia política.
A chave do quebra-cabeça no Brasil está explicada pelo partidarismo na “geração zero”, isto é, no fim da ditadura militar, quando se impôs de cima para baixo o bi-partidarismo na hora de votar. Parte da sociedade civil organizada usou essa concepção tecnocrata-militar para derrotar o regime autoritário desde a eleição de 1974.
Na Europa Oriental, a geração zero surgiu quando os partidos representavam categorias sociais distintas, identificáveis e coerentes. Porém, era uma situação sem nenhuma aparência com a do Brasil dos anos 80. Como identidades partidárias coletivas podem emergir inicialmente em tal contexto?
Estudos capazes de ajudar a responder a essa pergunta se concentraram na Teoria das Elites com esforços “de cima para baixo” a fim de criar a identificação com o partido. Esta literatura sugere o partidarismo ser mais provável de ocorrer quando os partidos:
(1) tiverem bom desempenho no cargo;
2) desenvolverem uma marca coerente capaz de se sobrepor ou reforçar as formas preexistentes de identidade social como religião ou etnia;
(3) possuírem extensa rede nacional em organizações de nível local; ou
(4) serem ativos por conta de serem ideologicamente polarizados; ou
(5) serem criados em ambientes pós-conflito bélico – ou após uma ditadura como no Brasil.
Essas hipóteses falham em explicar o relativo sucesso dos partidos brasileiros no cultivo do partidarismo.
Primeiro, o PT e seu principal rival, o PSDB, ambos tiveram um bom desempenho nas eleições nacionais desde os anos 90. Porém, o PSDB nunca ganhou muitos militantes partidários, enquanto o PT ganhou ampliação gradualmente por coerência programática e ética.
Segundo, todos os principais partidos do Brasil diluíram a coerência de suas marcas. Enquanto isso, paradoxalmente, a base partidária do PT continuou a crescer à medida que seus militantes e sua liderança fizeram divulgação de suas bandeiras-de-luta focada em segmentos. Nenhum outro partido tentou criar uma marca partidária de modo a agradar a apenas a certas raças, etnias ou religiões – ou às minorias ativistas contra a misoginia, o racismo ou a homofobia.
Terceiro, embora vários partidos possuam organizações extensas, apenas o PT cultivou a característica de ser um partido de massa popular. Em resumo, a pesquisa existente não oferece explicação para a capacidade do PT de cultivar o partidarismo em massa até 2013 e a incapacidade de outros partidos se massificarem em termos de militância.
Isso leva os coautores ao segundo quebra-cabeça. Ele motiva a pesquisa sobre a existência de número relativamente grande de partidários negativos entre os brasileiros eleitores, a maioria dos quais antipetistas. Por que tantos brasileiros, apaixonadamente, não gostam do PT, mas se recusam a se identificar com outro partido político?
Alguns sugerem a resposta a essa pergunta estar por conta da raiva do envolvimento do PT com a corrupção investigada sob o governo Dilma ao ele mesmo instituir a “declaração premiada”. Passou a ser uma “delação encomendada” para a perseguição política contra os próprios líderes do PT. É verdade, até o final de 2015, os eleitores brasileiros, sob o bombardeio da mídia golpista, passarem a citar a corrupção como o problema mais importante do país (Folha de São Paulo 2015).
Por que alguns eleitores brasileiros concentram toda a culpa pela corrupção no PT e somente no PT? A corrupção para autofinanciamento eleitoral permeou a política brasileira por gerações. A corrupção sob Dilma por si só não pode explicar o antipetismo.
Por razões semelhantes, explorando por que tantos brasileiros foram às ruas para protestar contra Dilma, por volta de 2013, também fornece poucos indícios sobre o antipetismo. Ele antecede Dilma, há décadas, e o número de antipetistas no eleitorado tem sido grande e bastante constante desde os anos 90. Além disso, há muito mais antipetistas no eleitorado em relação aos manifestantes nas ruas. Esses fatos implicam o antipetismo também não ser explicado apenas com referência à má gestão de Dilma, em seu segundo mandato, na regulação da economia brasileira.
Mesmo quando a economia do Brasil estava crescendo durante o segundo mandato de Lula (2007-10), a participação de antipetistas no eleitorado foi apenas ligeiramente menor em relação ao constatado na eleição de 2014. Em suma, o antipetismo tem raízes mais profundas do que qualquer raiva dirigida à Dilma.
O fato de a maioria dos antipetistas ser partidária puramente negativa também é intrigante.
Muitos petistas são partidários “hard-core“. Eles gostam do PT e também afirmam: “jamais votariam no principal concorrente do PT, o PSDB”. Por outro lado, relativamente poucos antipetistas têm um apego partidário positivo.
Especificamente, apesar do que os observadores informados possam esperar, muito poucos antipetistas são tucanos, apelido para partidários do PSDB, baseados no mascote aviário do partido, o tucano. A maioria dos antipetistas tem um grupo político externo capaz de ser odiado por eles, mas eles não gostam de nenhum agrupamento político. Isto significa a resposta para a pergunta de onde vem o antipetismo não se basear em um pressuposto esforço “de cima para baixo” das elites partidárias para criar atitudes (anti) partidárias.
Valeria a pena os coautores investigar a misantropia entre esses brasileiros. Misantropia é a aversão e repulsa aos seres humanos ou à humanidade. O misantropo (indivíduo praticante da misantropia) é alguém com sentimento desconfortável com a vida em sociedade, além de desconfiar e antipatizar de todas as outras pessoas, exceto as de seu círculo afetivo, familiar ou clã.
O antipetismo existe quase tanto quanto o PT, mas aparentemente não porque outros líderes partidários tenham procurado deliberadamente capitalizar o sentimento anti-PT de modo generalizado. O antipetismo parece ter emergido como uma reação ao surgimento do PT e do petismo entre muitos eleitores brasileiros, não porque os rivais do PT o cultivassem deliberadamente.
Dois Quebra-Cabeças Político-Partidários no Brasil publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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