domingo, 5 de janeiro de 2020

Zeragem da Petrobras: “Petróleo não é mais nosso!”

André Ramalho e Rodrigo Polito (Valor, 02/01/2020) informam: com a posse de um governo privatizante e consequente abandono de um nacionalismo estratégico, trocado pela ideologia neoliberal, os anos 2020 prometem ser de profundas transformações para a Petrobras. A atual estratégia de desmanche não foi anunciada para os eleitores votantes no capitão em 2018: é um estelionato eleitoral por muitos creditarem ao militar eleito a tradição nacionalista do Exército brasileiro.

Diferente do momento auspicioso do início dos anos 2010, quando a petroleira vivia as benesses da alta do petróleo no mercado internacional e se consolidava como uma empresa integrada de energia, a estatal caminha agora para se tornar, nos próximos anos, uma empresa menor, concentrada apenas nos projetos de maior retorno, com foco em exploração e produção de óleo e gás.

O reposicionamento estratégico promete boas perspectivas de rentabilidade apenas para seus acionistas, incluindo a União, e prejuízo para os consumidores brasileiros. Por outro lado, aumenta a exposição da companhia aos riscos das flutuações de uma indústria acostumada a picos e vales.

O atual plano de negócios da Petrobras prevê a saída da estatal de campos maduros em terra e águas rasas, da petroquímica Braskem, dos setores de transporte e distribuição de gás natural e da produção de biocombustíveis e fertilizantes. Além disso, a petroleira vai reduzir sua fatia no refino.

Geograficamente, a Petrobras se concentrará cada vez mais no Sudeste. A empresa venderá todas suas refinarias fora do eixo Rio-São Paulo e pretende sair de campos terrestres e em águas rasas – concentrados, sobretudo, no Nordeste. A petroleira espera também se desfazer dos ativos remanescentes na América do Sul, heranças de um plano de internacionalização que ganhou corpo nos anos 2000, mas que já está praticamente desfeito. O reposicionamento representa, assim, a desconstrução da visão de uma Petrobras propulsora do desenvolvimento econômico em âmbito nacional e como uma empresa integrada, com presença relevante em todos os elos da cadeia.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, espera esse movimento de transformação se acentuar nos próximos dois anos antes da mudança de governo em 2022. A companhia assinou dois temos de compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para vender metade de sua capacidade de refino e todos os seus ativos em distribuição e transporte de gás até o fim de 2021.

“Até 2022, esperamos que a Petrobras seja bem diferente de como é agora”, afirmou o executivo, em dezembro, durante apresentação do novo plano de negócios 2020- 2024 a investidores em Londres, na Inglaterra. “Estamos fortalecendo nossa competitividade nesse negócio [refino] e saindo totalmente da exploração e produção em águas rasas e em terra”, completou o executivo.

A expectativa é a Petrobras se consolidar como uma grande exportadora de petróleo cru. A empresa exporta, atualmente, cerca de 600 mil barris diários e vê espaço para aumentar sua participação no mercado global, frente ao crescimento da demanda internacional por produto com baixo teor de enxofre, caso do óleo do pré- sal. A previsão é a produção da companhia subir dos 2,7 milhões de barris diários de óleo equivalente (BOE/dia) em 2019 para 3,5 milhões de BOE/dia em 2024.

A companhia está saindo de ativos não prioritários para se concentrar no pré-sal, onde a estatal possui vantagens competitivas e custos de extração baixos. O movimento da Petrobras de se concentrar em exploração e produção é irreversível. O comportamento dela de vender os negócios acessórios é um sinal bem claro disso. Ela se concentrará naquilo com mais retorno em curto prazo ao ficar uma empresa mais leve.

A expectativa da estatal é levantar, nos próximos anos, entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões em desinvestimentos. Com isso, a previsão da Petrobras é reduzir sua dívida bruta dos atuais US$ 88 bilhões para abaixo de US$ 60 bilhões em 2021 e, assim, aumentar a distribuição de dividendos. A lógica é em favor da visão curto-prazista de acionistas.

Rodrigo Leão, coordenador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), vinculado à Federação Única dos Petroleiros (FUP), contesta o enfoque quase exclusivo da companhia na atividade de exploração e produção – que absorverá 85% dos investimentos para 2020-2024, de US$ 75,7 bilhões.

Segundo Leão, a saída da Braskem e da produção de biocombustíveis, além da redução de sua presença no refino, colocam a petroleira numa situação de dependência das variáveis do mercado externo (como preços e demanda), num movimento “atípico” em relação aos seus pares globais.

As grandes estatais de países em desenvolvimento, sobretudo da China, Índia e Arábia Saudita, têm investido na expansão do parque de refino para reduzir a dependência dos derivados do exterior. Já as grandes petroleiras europeias, em contrapartida, têm investido de forma agressiva no segmento de renováveis, de olho na transição energética para uma economia de baixo carbono.

“As petroleiras desses países têm estratégias diferentes, mas convergem na preocupação de não se concentrarem apenas em exploração e produção. A Petrobras está fazendo o caminho que as outras estão evitando, de depender de exportações de óleo cru. Ela está olhando muito para o curto prazo”, defende Leão, ao lembrar que o plano de negócios anterior previa parcerias com a francesa Total para eólicas offshore (marítimas), mas que o projeto foi abandonado. “A curva de aprendizado de uma petroleira no desenvolvimento de energias renováveis não é trivial. Deixar para apostar nisso apenas no futuro é um risco de que se perca a transição”, afirma.

O pesquisador do Ineep também questiona a venda da Braskem. A Agência Internacional de Energia (AIE) projeta que, diante do impacto da eletrificação dos carros sobre o consumo de combustíveis, um terço do crescimento da demanda de petróleo virá da petroquímica em 2030. “Os derivados têm um ciclo de preços menos instável, seguram mais a volatilidade do mercado do que os preços do óleo cru. Ajudam a atenuar a volatilidade”, explica.

Os neoliberais não concordam com a avaliação de a saída da Petrobras da Braskem e renováveis prejudicará sua inserção na transição energética. Segundo eles, a expectativa é, ao fim do ciclo de desinvestimentos dos próximos anos, a estatal reduzir significativamente a sua dívida, o que colocará a empresa em uma situação confortável para a retomada de investimentos sob novo governo social-desenvolvimentista.

A Petrobras produzirá nos próximos anos muito gás associado ao petróleo. Isso lhe dá uma vantagem competitiva, num momento em que o gás natural é visto como combustível para a transição energética. O petróleo e o gás ainda serão relevantes na matriz energética mundial por muito tempo. No futuro, com a dívida controlada, ela estará em condições de se posicionar em renováveis. A Petrobras tem uma expertise em engenharia offshore e tem condições de assumir, de forma rápida, um papel relevante na tecnologia de geração eólica em alto mar.

A grande contribuição da companhia para a redução das emissões globais está na melhoria da eficiência operacional da sua produção, a partir da captura de carbono. A companhia tem planos, ainda, de manter um investimento de US$ 70 milhões/ano em pesquisa e desenvolvimento em descarbonização e renováveis.

Apesar da redução de sua participação no mercado de gás, a Petrobras tem a ambição de se manter como principal produtora do energético no país, com uma fatia de 50% da comercialização no mercado interno. A oposição contesta, nesse sentido, a intenção da estatal de vender sua participação em gasodutos de escoamento. O risco é a alienação desses ativos acabar resultando no aumento das despesas operacionais com a contratação de terceiros.

Zeragem da Petrobras: “Petróleo não é mais nosso!” publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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