O segundo capítulo do livro, Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil (Cambridge University Press, 2018) de coautoria de David J. Samuels (University of Minnesota) e Cesar Zucco (Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro), explorou a amplitude e a profundidade dos aspectos positivos e negativos do partidarismo no Brasil desde o final dos anos 80. A evidência é clara: partidarismo tem sido mais difundido do que os observadores acreditavam, com pelo menos mais da metade dos eleitores com atitudes positivas e / ou negativas.
As evidências também apontam para o fato de o sistema partidário no eleitorado brasileiro tender a girar em torno de atitudes a favor ou contra o PT. O PT gerou amplo e intenso apoio, mas também provocou antipatia considerável.
O mesmo não pode ser dito para nenhum dos outros partidos do Brasil. Isto faz a divisão entre petistas e antipetistas ser a única diferença significativa no recorte partidário brasileiro. Porém, diferentemente de outros países, as diferenças entre membros dos dois grupos não residem nas distinções entre classe demográfica ou social e não pode ser resumida à polarização entre liberais e conservadores. De fato, petistas e antipetistas tendem a se parecer demograficamente e compartilham muitas visões políticas, inclusive sobre a intervenção do estado na economia ou o casamento gay, por exemplo.
A divisão entre petistas e antipetistas pode estar enraizada em predisposições psicológicas anti-autoritárias. Infelizmente, os coautores não puderam avaliar esses aspectos com os dados disponíveis. As raízes do PT estão na política anti-autoritária, porque alguns brasileiros educados na tradição de uma sociedade patriarcal de origem rural, militar e religiosa têm afinidade com o discurso e a práxis autoritária.
O antipetismo surgiu como resposta à ascensão de o PT e sua maneira particular de fazer política. Esta insistia em promover mudança social, política e econômica por meio da massa insubmissa, incentivando a luta por participação popular na defesa de seus direitos de cidadania. A capacidade do PT de atrair apoiadores partidários cresceu com seu sucesso eleitoral, mas como um ímã cada vez mais poderoso, seu crescimento também repugnou cada vez mais os brasileiros defensores da ordem dominante.
Eles rejeitaram sua abordagem. Quem via a democracia ambivalentemente se opôs aos esforços do PT para promover mudança social. Assim, para se tornar um antipetista não se deve apenas desaprovar o desempenho do PT no governo; é preciso também rejeitar os princípios políticos declarados do partido. O antipetismo não é conduzido por corrupção ou incompetência do PT. Baseia-se na oposição às políticas sociais e à mudança econômica.
A questão das fontes do petismo também é relevante para a questão da viabilidade em longo prazo do PT. Esta não é apenas uma questão de o que acontece com o PT após a eventual aposentadoria de Lula da política. Os escândalos de corrupção dos anos 2000 e 2010 danificaram seriamente a reputação entre partidários e oponentes. Desde a sua fundação, o PT procurou se mostrar “diferente” dos demais partidos do Brasil, mas os efeitos compostos de escândalo e crises econômicas levantam questões se o PT conseguirá manter a base profunda de partidários.
Os coautores voltaram a essa pergunta nos capítulos seguintes.
As atitudes partidárias no Brasil são tão importantes quanto às dos partidários em outros países. O petismo é estritamente limitado, particularmente se comparado ao limite flexível de exigência do partidarismo militante adotado por outros partidos. E, assim como em outras democracias, identificar-se ou não gostar de um partido no Brasil induz os eleitores envolver-se em um raciocínio motivado.
Evidências de um experimento de pesquisa também confirma: aprender sobre as posições dos partidos em uma variedade de questões muda as opiniões de partidários positivos e negativos, tanto para identificados com o PT quanto com o PSDB, bem como antipetistas.
Os resultados experimentais revelam a exposição de partidários e antipartidários à menor quantidade absoluta de informações necessárias – um acrônimo de partido – pressiona-os para ajustar suas próprias opiniões. Quando se pertence a um grupo político, o preconceito dentro do agrupamento leva os indivíduos a adotar uma posição grupal, devido ao desejo de se conformar à opinião da maioria de seus “companheiros/amigos”.
O viés de grupo externo pode efeito similar: os partidários do PT e do PSDB são capazes de mapear a política após receber informações sobre a posição da parte rival de como eles estão recebendo informações sobre a posição de sua própria parte – e os antipetistas precisam apenas de informações sobre a posição do grupo externo. Isto é importante porque em alguns contextos, as sugestões de grupos externos podem ser mais fortes do que sugestões em grupo.
Em muitas democracias multipartidárias, pode não ser óbvio quem são os principais concorrentes. Os resultados da pesquisa para escrita deste livro sugerem mesmo um pouco de estrutura no cenário psicológico de um sistema partidário pode ajudar os eleitores a entender o espaço político.
Atitudes partidárias desempenham um papel importante em uma grande parte das decisões do eleitorado, pelo menos para os simpatizantes do PT e do PSDB. O PT e o PSDB têm trajetórias históricas muito diferentes, então as descobertas dos coautores sugerem haver mais de uma maneira de cultivar ligações partidárias em um meio ambiente partidário complicado.
Reiteram, no entanto, não se deve dar muito atenção à constatação de o rótulo do PSDB ser quase tão coerente quanto o do PT. Uma coisa é notar o rótulo do PSDB também pode moldar a opinião dos eleitores, mas, para todos os efeitos práticos, a importância do rótulo do PSDB empalidece a comparação com o PT, simplesmente porque o primeiro tem significado para uma fatia muito menor do eleitorado do Brasil.
A sabedoria convencional espera o partidarismo ser fraco no Brasil. O país carece de divisões sociais capazes de conformarem as bases do partidarismo em muitos países, e as instituições brasileiras privilegiam o individualismo político e minam os partidos programáticos e/ou ideológicos. Além disso, seus dois principais partidos convergiram para o centro político e entraram em coalizões com uma confusa variedade de partidos quando tiveram hegemonia em governos dos anos 90 e 2000. Contudo, o partidarismo para o PT e, em menor medida, para o PSDB teve importância na mesma medida que nos países com contextos sociais e institucionais muito mais “pró-partido”.
Também os coautores descobriram as atitudes antipartidárias dirigidas ao PT exercerem um poderoso efeito sobre a opinião do eleitor brasileiro, dando maior coerência ao sistema partidário no eleitorado.
O PT criou uma autoimagem como um partido de cidadãos ativistas – brasileiros com o propósito de se envolver em política para ajudar a mudar a sociedade. Desde seus primeiros anos, o partido procurou envolver esses cidadãos, cultivando conexões com a sociedade civil organizada. O aumento do petismo nas décadas de 1990 e 2000 é um subproduto desses esforços.
Embora muitos estudiosos tenham destacado a autonomia da política no processo de formação da clivagem, essa pesquisa do livro Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil se concentrou nos esforços das elites nacionais, em termos de retórica eleitoral e formulação de políticas públicas, em organizar seus partidos. Em geral, são personalistas, agrupando muitos “caciques” para poucos “índios”. Há o risco do “culto à personalidade” inclusive no PT.
Os coautores sugerem os líderes do Partido dos Trabalhadores terem adotado outra ferramenta, em seu kit, para ajudar a divulgar sua marca no nível de massa popular, abrindo diretórios locais e participando de eventos organizados sociedade civil. Ao desenvolver a organização local, os partidos alcançam e filiam pessoalmente indivíduos e grupos em experiências políticas capazes de “forjar diretamente memórias e identidades coletivas”.
A análise dos coautores revela nem a sociedade civil densa nem a estratégia partidária por si só é suficiente para gerar partidarismo em massa. Os dois fatores interagem.
O petismo foi criado “de cima para baixo”, mas a estratégia do partido só dá frutos quando a sociedade civil – o elemento “de baixo para cima”, isto é, da base social para a vanguarda militante – já for densa. Importante: o PT seguiu essa estratégia tanto quando estava em oposição, quanto quando controlava o governo, sugerindo a criação e a disseminação de um renome para sua marca não são ferramentas exclusivas da oposição pequena e com poucos recursos partidários. Elas podem fazer parte de uma estratégia política para consolidar o poder em longo prazo.
A organização local do partido é um “elo perdido” entre argumentos do lado da oferta (“de cima para baixo”) e do lado da demanda (“de baixo para cima”) sobre as origens partidárias. Como tal, a evidência de essa tática funcionar na prática leva amplas implicações comparativas, tanto para entender o desenvolvimento do sistema partidário em perspectiva histórica, quanto para a compreensão contemporânea da evolução do sistema partidário.
As descobertas de Samuels e Zucco sugerem os partidos poderem fornecer seu produto, isto é, sua marca, e obter lucro em votos e apoios partidários, se chegarem não apenas a um conjunto de indivíduos, mas também a indivíduos já envolvidos em redes sociais ativistas.
Nas democracias europeias, partidos de esquerda e de direita procuravam conectar-se não apenas a indivíduos afins, mas também a indivíduos já enredados em redes sociais mobilizadas. Da mesma forma, a decisão dos rivais do PT em não seguir uma estratégia semelhante ecoa as escolhas feitas por outros partidos, em diferentes países e em diferentes eras históricas.
Dadas as duas crises (inflacionária e política) ocorridas em 2013, um declínio no petismo não seria surpreendente. A questão é: se os petistas capazes de definirem sua identidade partidária à parte o fizeram apenas temporariamente ou permanentemente.
Se o declínio do petismo refletir um partidarismo limitado, então muitos petistas podem eventualmente retornar a dobrar a simpatia pelo Partido dos Trabalhadores. Afinal, o petismo experimentou um declínio semelhante em torno de 2005, após o escândalo do mensalão, mas recuperou e superou seu nível anterior rapidamente.
As condições econômicas, porém, diferenciaram-se claramente a partir de 2013, em comparação à existente em 2005, sugerindo o estado da economia, em vez da corrupção imputada, pode estar causando a queda do petismo, particularmente entre petistas mais recentes. O mensalão prejudicou a reputação do PT, mas muitos apoiadores estavam dispostos a perdoar e esquecer a relação pecuniária com “partidos de aluguel” para estabelecer a base governista. Somente o tempo dirá se o PT voltará a enfrentar a tempestade política.
Os capítulos anteriores ao quinto do livro Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil exploraram a extensão e a consistência de resultados positivos e negativos do partidarismo no Brasil e o impacto de tais atitudes sobre as atitudes políticas dos eleitores. Este capítulo ilustra o impacto do partidarismo na política brasileira, explorando o impacto de atitudes partidárias no comportamento de votação.
Para muitos eleitores brasileiros, fatores como condições econômicas, política governamental ou os atributos pessoais dos candidatos são muito importantes para se colocarem de acordo com partidos. No entanto, esses fatores contextuais são importantes principalmente para os não-partidários. Como o capítulo 3 revelou, os partidários brasileiros filtram informações positivas sobre seu partido ao desdenharem das informações negativas.
O partidarismo serve como uma tela de percepção política através da qual os eleitores compreendem o mundo político. Como seria de esperar, esse processo de filtragem também molda a escolha do voto, favorecendo candidatos do grupo e a discriminação contra candidatos de grupo externo. Para os partidários do PT e do PSDB, o contexto econômico não importa para as eleições presidenciais e fatores como “levar comida para casa” e reconhecimento público do nome de candidato importa muito menos em disputas eleitorais do que para os apartidários.
Partidarismo positivo e negativo têm os efeitos mais fortes para os petistas, com maior probabilidade de votar nos candidatos de seu partido ou de suas coalizões e muito menos chances de votar nos candidatos do PSDB. O partidarismo do PSDB também tem um impacto relativamente forte na votação de maneira positiva e negativa, embora muito menos brasileiros identificam-se com o partido se comparado à simpatia pelo PT.
Isso sugere o cultivo de uma marca de partido poderia ter ajudado o PSDB a consolidar uma base de apoio popular. No entanto, o partido de elite nunca investiu no recrutamento e em reter partidários. Em vez disso, seus candidatos tiveram de ganhar votos em outras bases, principalmente, com base em sua experiência anterior em administração governamental e reputação profissional. Enquanto isso, o PMDB desperdiçou o que pode obtido em determinado momento – durante a ditadura militar quando toda a oposição confluía para o MDB –, um recurso valioso, o rótulo histórico de seu partido. Partidarismo do PMDB é tão difundido no eleitorado brasileiro quanto o partidarismo do PSDB, mas é, na melhor das hipóteses, uma forma muito fraca de identidade social.
Finalmente, para antipetistas, os atributos de contexto e candidato também importam muito pouco, pelo menos nas eleições majoritárias. As escolhas dos antipetistas são dramaticamente limitadas simplesmente pela presença ou não de um candidato apoiado pelo PT na cédula.
As descobertas deste quinto capítulo confirmam um dos principais pontos do livro aqui resumido: o sistema partidário do Brasil no eleitorado tem, em grande parte do período após o regime militar ditatorial, conformação muito mais coerente do que muitos pensavam. Para não-partidários, as afiliações partidárias dos candidatos não importam muito, se é que existem.
Contudo, desde a redemocratização, cerca de metade dos eleitores brasileiros expressaram uma afinidade a favor ou contra um dos muitos partidos políticos do país. Para esses eleitores, o partidarismo constitui uma importante forma de identidade social.
Como forma de pertencer a uma comunidade política específica, o partidarismo gerou fortes incentivos para apoiar os candidatos de “seus partidos”. Em contrapartida, os simpatizantes sempre se opõem a candidatos de partidos considerados rivais.
É verdade: a maioria dos brasileiros divide seus votos em muitos partidos. Até os partidários frequentemente dividem seus votos. Eles fazem isso inevitavelmente, porque muitos partidos não oferecem candidatos para todos os cargos, começando pelo da presidência da República. No entanto, mesmo considerando todos os obstáculos informativos e institucionais colocados em seu caminho, o partidarismo ainda molda a escolha do voto.
De fato, as atitudes partidárias positivas e negativas são importantes. Partidarismo positivo poderosamente aumenta a probabilidade de um eleitor escolher um candidato de sua afinidade ou o partido dele. O partidarismo negativo também pode moldar o comportamento da votação – mesmo se não sabemos em quem um antipartidário está votando, a antipatia deles por um partido em particular pode reduzir bastante o conjunto de opções.
O sexto capítulo complementa a análise detalhada do Brasil, realizada por Samuels e Zucco, oferecendo uma perspectiva comparativa sobre o conceito de antipartidarismo. Antipartidários parecem existir em toda parte, em números maiores ou menores. Em média, os antipartidários somam cerca de um terço daqueles normalmente classificados como “não-partidários”. Sua presença é razoavelmente constante, ao longo do tempo, o que significa o antipartidarismo não ser uma função de eventos, mas talvez atávica. Atavismo relaciona-se ao reaparecimento em alguém das características de um antepassado. Elas permaneceram escondidas por muitas gerações.
De certa forma, as descobertas dos coautores são meramente sugestivas. Como no Brasil, internacionalmente, os antipartidários não têm uma composição demográfica distinta. Como reconhecem em termos de sua exploração do comportamento eleitoral no Brasil, é necessária uma pesquisa adicional para entender por que alguns eleitores desenvolvem apenas atitudes antipartidárias, enquanto outras se tornam partidárias positivas, e outros desdenham todos os apegos aos partidos políticos, sejam eles positivos ou negativos negativo. A expansão do evangelismo no Brasil foi a pista seguida em pesquisa posterior.
De qualquer forma, ignorar as atitudes e o comportamento dos antipartidários pode significar uma perda significativa de informações para entender o comportamento do voto e as atitudes políticas. Suas descobertas confirmam ter encontrado no Brasil uma característica demarcada em termos do comportamento de voto dos antipartidários. Em particular, antipartidários puros apresentam comportamento de votação significativamente diferente dos não-partidários.
No mínimo, os resultados deste sexto capítulo sugerem os estudiosos deverem levar o antipartidarismo muito mais a sério do que eles antes faziam. Uma pesquisa adicional é necessária para caracterizar mais sua origem.
Em particular, os resultados de Samuels e Zucco sugerem haver “variedades” distintas de antipartidarismo em diferentes contextos. Em alguns países (Brasil ou México, por exemplo), o antipartidarismo é relativamente difundido e se concentra em um dos principais partidos durante um período bastante longo de tempo. Em outros lugares (por exemplo, França ou Suíça), o antipartidarismo consiste em antipatia por partidos relativamente pequenos e/ou ideologicamente extremistas, enquanto em outros casos (Nova Zelândia ou Irlanda) o antipartidarismo pode simplesmente ser uma função de qual partido o sujeito é filiado. A dinâmica comparativa do antipartidarismo está além do escopo deste capítulo, mas oferece motivos para muitas pesquisas futuras.
Conclusões Parciais dos Capítulos do Livro “Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil” publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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