quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Embalos de 2019: Ano de Protesto Popular

Os protestos na América Latina foram embalados por muita música. O Congresso Internacional do Trabalho reuniu em seu canal no Youtube as principais manifestações, na playlist Músicas da Resistência, dedicada aos povos rebeldes. Eles saíram às ruas no ano de 2019, para mais uma vez resistir ao ataque dos desumanos, brutos, egoístas.

Ouça e veja a emocionante apresentação de um grupo enorme de violeiros tocando El derecho de vivir em paz, de Victor Parra, na praça Itália, em Santiago do Chile e o Toquerolazo de queda 24, uma noite de domingo com música na La Plazoleta de la 85, em Bogotá, na Colômbia. E mais: os históricos, como o argentino Atahualpa Yupanqui e Los Jairas, da Bolívia e exemplos da nova geração, como Pascuala Ilabaca y Fauna, cantora e compositora chilena, nascida em Gerona, na Catalunha.

2019 foi um ano marcado por descontentamento popular. Protestos eclodiram em Hong Kong, Índia, Chile, Bolívia, Equador, Colômbia, Espanha, França, República Tcheca, Rússia, Malta, Argélia, Iraque, Irã, Líbano e Sudão

Gideon Rachman (Financial Times, 30/12/2019) o avalia em artigo compartilhado abaixo.

Certos anos na história – 1848, 1917, 1968, 1989 – nos trazem à mente imagens de protestos de rua, manifestações de massa e turbulências revolucionárias. Quando os historiadores colocarem 2019 em perspectiva, também poderão considerá-lo um ano clássico de descontentamento popular.

Em termos de simples distribuição geográfica, é difícil pensar em um ano capaz de rivalizar com este. Protestos grandes o suficiente para tumultuar o dia a dia das pessoas e causar pânico no governo eclodiram em Hong Kong, Índia, Chile, Bolívia, Equador, Colômbia, Espanha, França, República Tcheca, Rússia, Malta, Argélia, Iraque, Irã, Líbano e Sudão – e essa lista não é exaustiva.

No entanto, até agora as tentativas de dar uma explicação global convincente para toda essa turbulência se frustraram. Uma razão para a falta de análise é as rebeliões de 2019 ocorrerem em lugares muito diferentes – em grandes e ricas metrópoles mundiais como Hong Kong e Barcelona, mas também em países pobres e isolados, como Sudão e Venezuela. Isso torna mais difícil ligar os pontos e mais fácil duvidar da ideia de que se trate de um movimento mundial. Também não houve um momento emblemático único – nenhuma queda do Muro de Berlim ou assalto ao Palácio de Inverno que se tornasse símbolo do drama.

Mas, embora as revoltas de 2019 ainda não tenham derrubado um grande dirigente mundial ou um governo, elas certamente custaram algumas cabeças. Protestos de rua e greves forçaram o presidente da Bolívia, Evo Morales, a deixar o cargo em novembro, depois de 13 anos no poder.

Entre os dirigentes políticos derrubados por manifestações de massa também estão Abdelaziz Bouteflika, da Argélia, e Omar al-Bashir, do Sudão – ambos caíram em abril, depois de décadas no poder (no caso de al-Bashir, militares deram golpe de Estado na sequência de meses de protestos).

O premiê do Líbano, Saad al-Hariri, foi obrigado a deixar o cargo no fim de outubro, após duas semanas de protestos. No mês seguinte, o premiê do Iraque, Adel Abdul Mahdi, também renunciou, depois de vários meses de turbulência. Tanto no Irã quanto no Iraque, as manifestações de massa se depararam com níveis chocantes de violência – com centenas de mortos nas ruas dos dois países.

O fato de vários países do norte da África e do Oriente Médio terem sido sacudidos por manifestações, muitas vezes ao mesmo tempo, mostra, de fato, existirem conexões entre os levantes populares nos diferentes países. Em duas regiões – Oriente Médio e América Latina -, os protestos são extensos o suficiente para constituir uma verdadeira revolta regional, na qual os eventos em um país claramente inspiram e influenciam seus vizinhos, de uma maneira que lembra a Primavera Árabe.

O slogan famoso naquela época – “o povo quer a queda do regime” – voltou a ser cantado. O idioma comum na América Latina também permitiu que notícias e imagens de distúrbios ultrapassassem fronteiras facilmente. No mundo conectado de hoje, ideias e slogans podem até pular para outros continentes sem nenhum esforço – difundidos pelos smartphones. Alguns manifestantes catalães foram vistos carregando a bandeira de Hong Kong e adotaram táticas semelhantes – como a ocupação de um aeroporto.

O estopim das manifestações de massa variou de país para país. Em alguns lugares, foi um gatilho econômico – como o aumento nas tarifas do metrô no Chile ou uma proposta de imposto sobre o WhatsApp no Líbano. Em outros lugares, o motivo é mais nitidamente político — como as novas leis sobre cidadania e refugiados na Índia ou a proposta de lei de extradição em Hong Kong.

Também há alguns temas e táticas comuns. Eles surgem em um lugar depois do outro:

  1. protestos contra as duras condições de vida,
  2. repulsa à corrupção e às oligarquias,
  3. acusações de a elite política e econômica do país estar indiferente e afastada da realidade.

As redes sociais são uma ferramenta poderosa de organização em todos os lugares, pois permitem que os manifestantes elaborem coletivamente reivindicações, slogans e táticas. Em uma tentativa de impedir que os protestos viralizem por meio das mídias sociais, a Índia interrompeu as comunicações por celular em algumas das cidades afetadas por distúrbios de massa.

Embora seja claramente mais fácil organizar grandes manifestações por redes sociais, esse novo tipo de revolta “sem líderes” também pode ser prejudicado pela própria espontaneidade. Hashtags e memes da internet são bons para levar as pessoas às ruas rapidamente – mas podem mascarar falta de organização e de estratégia.

Talvez seja por isso até agora relativamente poucas manifestações conseguiram derrubar dirigentes. Algumas tiveram sucesso, como na Argélia, continuaram mesmo depois de uma mudança nominal no governo.

Mas os protestos de massa de 2019 dão poucos sinais de esgotamento. Na verdade, enquanto o ano termina, eles podem estar juntando forças – com enormes manifestações de desafio ao governo indiano. A resposta do governo Modi foi desastrada e violenta, com a prisão de intelectuais importantes diante de câmeras de TV e o uso pela polícia de táticas brutais contra estudantes.

Tudo isso pode alimentar facilmente uma espiral de descontentamento na Índia no ano que vem. Os protestos de Hong Kong devem continuar, enquanto os confrontos na Espanha e no Chile também podem se intensificar. Acima de tudo, como os últimos 12 meses mostraram agora, o descontentamento social irrompe repetidamente em lugares inesperados e por razões imprevistas.

Por isso, embora 2019 já se credencie para conquistar um lugar na história dos protestos de rua, é possível o ano realmente capaz de abalar o mundo termine por ser 2020.

Embalos de 2019: Ano de Protesto Popular publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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