terça-feira, 4 de junho de 2019

Superinteligência: Estado da Arte da Inteligência Artificial

Nick Bostrom, no livro “Superinteligência: Caminhos, perigos, estratégias”, afirma a inteligência artificial já superar a inteligência humana em vários domínios. No estágio atual da inteligência artificial para jogos, as IAs atualmente superam campeões humanos em uma gama variada de jogos.

Essas conquistas podem não nos impressionar hoje. Mas isso é porque adaptamos nosso critério daquilo impressionante aos avanços já alcançados. A maestria no xadrez já foi considerada o epítome do intelecto humano. Na opinião de vários especialistas no fim dos anos 1950: “Se alguém pudesse elaborar uma máquina capaz de jogar xadrez, essa pessoa teria, supostamente, penetrado no âmago da empreitada intelectual humana”. Mas, atualmente, isso não é mais verdade. Há quem concorde com John McCarthy, que lamentou: “Quando algo funciona, ninguém mais chama isso de IA”…

Há um sentido importante, no entanto, no qual as IAs jogadoras de xadrez se mostraram um triunfo menor em relação ao imaginado por muitos cientistas. Anteriormente se supunha, não totalmente sem razão, para um computador jogar xadrez no nível de um grande mestre, teria de ser dotado com um alto grau de inteligência geral. Imaginava-se, por exemplo: jogar xadrez requeria capacidade de aprender conceitos abstratos, pensar de forma inteligente sobre estratégia, compor planos flexíveis, empregar uma ampla gama de deduções lógicas complexas e talvez até mesmo modelar o pensamento do seu oponente. Mas isso não é verdade.

Confirmou-se ser possível construir um mecanismo de xadrez perfeitamente bom em torno de um algoritmo de propósito específico. Quando esse algoritmo foi implementado nos processadores rápidos, disponíveis no fim do século XX, resultou em um excelente jogo. Mas uma IA construída dessa forma é limitada. Ela não faz nada além de jogar xadrez.

Em outros domínios de aplicação, soluções têm se mostrado mais complicadas em lugar do esperado inicialmente e progridem muito mais lentamente. O cientista da computação Donald Knuth observou: “a IA tem tido sucesso até agora em fazer essencialmente tudo o que requer ‘pensar’, mas tem falhado em fazer a maior parte daquilo que as pessoas e os animais fazem ‘sem pensar’ — isso, de alguma forma, é muito mais difícil!”.

Analisar cenas visuais, reconhecer objetos ou controlar o comportamento de um robô enquanto ele interage com um ambiente natural se provaram problemas desafiadores. Entretanto, um progresso considerável foi e continua a ser alcançado, auxiliado pelo aperfeiçoamento constante dos hardwares de computadores.

Senso comum e compreensão de linguagem natural também têm se mostrado difíceis. Considera-se, com frequência, atingir um desempenho de nível plenamente humano nessas tarefas é um problema “IA-completo”. Isso significa a dificuldade de solucionar esses problemas se equivale à dificuldade de se construir máquinas com inteligência geral de nível humano.

Em outras palavras, se alguém tivesse sucesso na criação de uma IA capaz de entender a linguagem natural tanto quanto um humano adulto, esse alguém muito provavelmente já teria logrado sucesso na criação de uma IA capaz de fazer tudo acima da capacidade da inteligência humana fazer, ou estaria muito próximo disso.

A proficiência no jogo de xadrez se mostrou alcançável por meio de um algoritmo surpreendentemente simples. É tentador especular outras capacidades — tais como a habilidade geral de raciocínio, ou alguma habilidade específica de programação — podem igualmente ser alcançadas através de algum algoritmo surpreendentemente simples.

O fato de o melhor desempenho ser obtido uma vez por meio de um mecanismo complicado não significa um mecanismo simples não poder fazer a tarefa tão bem quanto ou ainda melhor. Pode ser, simplesmente, ainda não foi encontrado a alternativa mais simples.

O sistema ptolemaico (com a Terra ao centro, orbitada pelo Sol, a Lua, os planetas e as estrelas) representou o estado da arte em astronomia por mais de mil anos. Sua precisão preditiva foi aprimorada ao longo dos séculos através de modificações. Elas tornavam o modelo cada vez mais complexo: adicionando epiciclos sobre epiciclos aos movimentos celestiais postulados. Então, todo o sistema foi derrubado pela teoria heliocêntrica de Copérnico, que era mais simples e — embora apenas após elaborações posteriores de Kepler — fazia previsões mais precisas.

Métodos de inteligência artificial são agora utilizados em mais áreas além do revisado por Nick Bostrom, mas mencionar uma amostra delas nos dará uma ideia da abrangência de suas aplicações. Além das IAs para jogos, há:

  1. aparelhos auditivos com algoritmos que filtram ruído ambiente;
  2. traçadores de rota que mostram mapas e oferecem conselhos de navegação aos motoristas;
  3. sistemas de recomendação que sugerem livros e álbuns de música baseados nas compras prévias e avaliações do usuário;
  4. sistemas de apoio a decisões médicas que ajudam os profissionais a diagnosticarem câncer de mama, recomendam planos de tratamento e auxiliam na interpretação de eletrocardiogramas.

Há robôs de estimação e robôs de limpeza, robôs cortadores de grama, robôs para resgates, robôs cirurgiões e mais de 1 milhão de robôs na indústria. A população mundial de robôs excede o número de 10 milhões.

Programas de reconhecimento de voz modernos, baseados em técnicas estatísticas como modelos ocultos de Markov, têm se tornado precisos o suficiente para o uso prático. Por exemplo, algumas partes deste livro foram redigidas com a ajuda de um programa do tipo.

Assistentes digitais pessoais, como a Siri, da Apple, reagem a comandos falados e podem responder a perguntas simples e executar comandos.

Programas de reconhecimento óptico de caracteres de textos escritos à mão ou à máquina são utilizados rotineiramente em aplicativos de triagem de correspondência e de digitalização de documentos antigos.

Traduções feitas por máquinas continuam imperfeitas, mas boas o suficiente em muitas aplicações. [Fernando Nogueira da Costa: tenho feito cada vez mais uso do tradutor do Google, porque economizo tempo de digitalização de resumos e/ou resenhas de livros em inglês. A cada 5.000 caracteres ele traduz e eu o corrijo transformando sua tradução em uma linguagem mais adequada, inclusive eliminando todos os “que”. Se não fosse ele, não conseguiria postar tantas resenhas neste modesto blog pessoal.]

O paradigma lógico tradicional é geralmente chamado de Good Old-Fashioned Artificial Intelligence [Boa e Velha Inteligência Artificial], ou usando a sigla GOFAI. Ela havia se concentrado na manipulação de símbolos de alto nível. Atingiu seu apogeu com os sistemas especialistas da década de 1980. As técnicas mais conhecidas nessa época incluíam redes neurais e algoritmos genéticos. Em seguida, os cientistas da IA prometeram superar algumas limitações da abordagem GOFAI, em particular a “fragilidade” característica dos programas clássicos de inteligência artificial. Eles normalmente geravam resultados sem nenhum sentido caso fossem programados com uma única hipótese ligeiramente errada.

Os primeiros sistemas de tradução utilizaram a abordagem GOFAI de gramáticas manualmente programadas. Elas foram desenvolvidas do zero por linguistas especializados para cada idioma específico.

Sistemas mais novos utilizam técnicas estatísticas de aprendizado de máquina. Elas automaticamente constroem modelos estatísticos a partir de padrões de uso observados. A máquina infere os parâmetros para esses modelos analisando corpora bilíngues. Essa abordagem dispensa os linguistas “especializados para cada idioma específico. Sistemas mais novos utilizam técnicas estatísticas de aprendizado de máquina que automaticamente constroem modelos estatísticos a partir de padrões de uso observados. A máquina infere os parâmetros para esses modelos analisando corpora bilíngues. Essa abordagem dispensa os linguistas: os programadores responsáveis pela construção desses sistemas não precisam nem mesmo falar a língua com a qual estão trabalhando!

Nos últimos anos, programas de reconhecimento facial têm se aperfeiçoado suficientemente a ponto de serem utilizados na automatização do controle de fronteiras na Europa e na Austrália. O Departamento de Estado dos Estados Unidos opera um sistema de reconhecimento facial com mais de 75 milhões de fotografias para o processamento de vistos.

Sistemas de vigilância utilizam IA cada vez mais sofisticada e tecnologias de mineração de dados para analisar voz, vídeos ou texto. Boa parte desses dados são coletados em meios de comunicação eletrônicos no mundo todo e armazenados em enormes data centers.

Programas provam teoremas e resolvem equações. Eles estão agora tão estabelecidos a ponto de dificilmente serem reconhecidos como IA. Solucionadores de equações estão incluídos em programas de computação científica tal como o Mathematica. Métodos formais de verificação, incluindo provadores automáticos de teoremas, são rotineiramente utilizados por fabricantes de chips para verificar o comportamento dos projetos de circuitos antes de sua produção.

As organizações militares e de inteligência norte-americanas têm liderado a implementação em larga escala de robôs desarmadores de bombas, drones de vigilância e ataque e outros veículos não tripulados. Estes ainda dependem sobretudo do controle remoto operado por humanos, mas o trabalho para aumentar suas capacidades autônomas está em andamento.

O escalonamento inteligente é uma importante área de sucesso. A ferramenta DART para planejamento e escalonamento logístico automático foi usada na operação Tempestade no Deserto em 1991, com efeito muito positivo. AAgência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA, sigla em inglês) dos Estados Unidos afirma essa única aplicação teve um benefício muito além de seus gastos durante trinta anos de investimentos em IA.

Sistemas de reserva de voos usam sofisticados sistemas de escalonamento e precificação. Empresas fazem amplo uso de técnicas de IA em sistemas de controle de estoque. Também são empregados sistemas automáticos de reserva por telefone e linhas de atendimento ao consumidor conectadas a softwares de reconhecimento de voz utilizados para conduzir seus clientes insatisfeitos através do labirinto de opções interdependentes do menu.

Tecnologias de IA estão por trás de muitos serviços na internet. Programas de computador policiam mundialmente o tráfego de e-mails e, apesar da contínua adaptação de spammers para driblar as contramedidas impostas a eles, filtros bayesianos antispam têm conseguido controlar o problema.

Programas de computador utilizadores de componentes de IA são responsáveis por aprovar ou reprovar automaticamente transações realizadas com cartões de crédito e monitoram continuamente a atividade das contas procurando sinais de uso fraudulento.

Sistemas de recuperação de informação também fazem uso extensivo do aprendizado de máquina. A ferramenta de busca do Google é, provavelmente, o maior sistema de IA já criado.

Agora, é importante ressaltar: a demarcação entre inteligência artificial e programas de computador em geral não é tão nítida. Algumas das aplicações listadas acima podem ser vistas mais como aplicações genéricas de software em lugar de ser especificamente um uso como IA — embora isso nos traga de volta à máxima de McCarthy: quando algo funciona, não é mais chamado de IA.

Uma distinção mais relevante para nossos propósitos é aquela existente entre:

  1. sistemas com uma gama limitada de capacidade cognitiva (sejam eles chamados de “IA” ou não) e
  2. sistemas que possuem capacidade de solução de problemas de aplicação mais geral.

Essencialmente todos os sistemas atualmente em uso são do primeiro tipo: limitado. Contudo, muitos deles possuem componentes capazes também de ter participação em uma futura inteligência artificial geral ou estar a serviço de seu desenvolvimento — componentes como:

  1. classificadores,
  2. algoritmos de busca,
  3. planejadores,
  4. solucionadores e
  5. estruturas representacionais.

Um ambiente de alto risco e extremamente competitivo no qual sistemas de IA operam atualmente é o mercado financeiro global. Sistemas de negociação de ações automatizados são amplamente usados por grandes corretoras de investimentos.

Enquanto alguns deles são simplesmente utilizados para automatizar a execução de uma ordem de compra ou venda, emitida por um administrador de fundos humano, outros seguem complicadas estratégias de compra e venda. Elas se adaptam às mudanças das condições do mercado.

Sistemas analíticos usam uma variedade de tecnologias de mineração de dados e análise de séries temporais para:

  1. mapear padrões e tendências em mercados de valores mobiliários ou
  2. correlacionar os movimentos históricos dos preços com variáveis externas tais como palavras-chave em painéis eletrônicos de notícias.

Agências de notícias financeiras vendem feeds de notícias. Elas são formatadas especialmente para o uso de tais programas de IA.

Outros sistemas se especializaram:

  1. em encontrar oportunidades de arbitragem entre mercados ou dentro deles, ou
  2. em negociações de alta frequência em busca de lucrar com pequenos movimentos dos preços, ocorrendo em questão de milissegundos, uma escala de tempo na qual as latências de comunicação, mesmo para sinais na velocidade da luz em cabos de fibra ótica, se tornam significativos, tornando vantajosa a localização de computadores próximos ao local da transação.

Negociações algorítmicas de alta frequência são responsáveis por mais da metade das transações envolvendo ações ordinárias comercializadas nos mercados norte-americanos. A negociação algorítmica estava envolvida no Flash Crash de 2010, conforme se verá em próximo post.

Superinteligência: Estado da Arte da Inteligência Artificial publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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