sábado, 15 de junho de 2019

Pastores no Congresso

O livro de autoria de Andrea Dip, “Em nome de quem: A bancada evangélica e seu projeto de poder” (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018), informa: o número de evangélicos no Parlamento brasileiro cresceu acompanhando o aumento da quantidade de fiéis.

Segundo dados do último Censo Demográfico do país, realizado pelo IBGE em 2010, houve um aumento de 62% em 10 anos no Brasil. Em 2000, cerca de 26,2 milhões de pessoas se declaravam evangélicas, 15,4% da população. Em 2010, o número passou a 42,3 milhões, 22% dos brasileiros. Já no fim de 2016, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha, 29% dos brasileiros se afirmavam evangélicos – 3 em cada 10 pessoas com mais de 16 anos.

O Datafolha mostrou também a maioria frequentar Igrejas Pentecostais, como Assembleia de Deus (em primeiro lugar, 34%), IURD, Congregação Cristã e Quadrangular do Reino de Deus.

Outra pesquisa, realizada pelo Pew Research Center, publicada em 2014, apontou o Brasil é o país com maior número proporcional de protestantes na América Latina.

No Congresso Nacional brasileiro, a tendência seguiu esse aumento: a antropóloga da UFF Christina Vital diz existirem hoje entre oitenta e noventa parlamentares evangélicos vinculados à FPE (o número varia devido aos suplentes), mais do que o dobro de quando foi criada, em 2003. O número de pastores candidatos também cresceu: “Nós tivemos uma situação singular nesse pleito, com 40% mais pastores se candidatando em 2014”, aponta.

Nas prefeituras do país os evangélicos também elegeram seus representantes. Apesar de ser muito difícil calcular o número total de evangélicos eleitos em todos os 5.570 municípios, é possível dizer, entre as 26 capitais brasileiras, em 2017, 8 terem prefeitos evangélicos – e a maioria dos prefeitos das demais capitais, apesar de não se declararem publicamente, flertam com a religião ao participar de homenagens, visitar igrejas, instituir o Dia do Evangélico, criar as chamadas Praças da Bíblia, comparecer às Marchas para Jesus, receber bispos e pastores no gabinete e privilegiar Igrejas com isenções de impostos e doação de terrenos.

O PRB, ligado à Igreja Universal, elegeu 106 prefeitos em 2016 – um crescimento de 33% em relação a 2012, segundo o site oficial da organização política. A comparação avalia o PRB com Marcos Pereira no comando: o bispo licenciado da Universal se tornou presidente do partido em 2011. Pereira foi também vice-presidente da RecordTV em 2003, ano em que se tornou sócio da LM Consultoria Empresarial e Participações – holding que controla os negócios da Igreja Universal.

Desde maio de 2017 passou a ser ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços do governo de Michel Temer mesmo, desde abril de 2016, estar sendo investigado na Operação Lava Jato, após delação de Joesley Batista. Ele declarou Pereira ter sido beneficiário de recursos entregues pelos executivos da J&F até a R$ 500 mil por mês. Em contrapartida, Pereira teria atuado para manter uma linha de financiamento da Caixa Econômica Federal, com a colaboração de Antônio Carlos Ferreira, vice-presidente corporativo do banco desde 2014. Ele também é investigado pela Operação.

Ainda sobre o PRB, chama atenção a eleição de Marcelo Crivella, bispo licenciado da IURD, à Prefeitura do Rio de Janeiro – segunda maior metrópole do país –, com 1.700.030 votos. Em seu discurso de posse, Crivella agradeceu a Deus e a “90% dos evangélicos do Rio de Janeiro”. Eles votaram nele no segundo turno. Ele citou uma lista de Igrejas, começando com a Universal.

“Ele representa a primeira grande prefeitura de um evangélico e a força da Universal nesse processo”, afirma Magali do Nascimento Cunha, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Pondera: “É claro ter havido também uma preparação para essa eleição com a crise da figura política, o antipetismo; são vários os elementos. Não é uma análise simples de fazer, mas certamente essa eleição é cheia de significados.”

Tão cheia de significados quanto a eleição de Crivella à Prefeitura do Rio de Janeiro foi a primeira candidatura confessional à Presidência da República do Brasil. Ela aconteceu em 2014, na figura do presidente do Partido Social Cristão, Everaldo Dias Pereira (RJ), o Pastor Everaldo. Sua candidatura não aconteceu em um momento qualquer: a morte repentina de Eduardo Campos (PSB-PE), terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, causou euforia e comoção populares, sobretudo entre os evangélicos. Eles viram a tragédia como um sinal divino, cujo “dedo-de-deus” apontava Marina Silva (PSB-AC). Marina passou de vice a candidata, acirrou o debate sobre como fé e política deveriam se relacionar.

De um lado, seus eleitores evangélicos cobravam de Marina Silva um comprometimento oficial com a Igreja e a retirada de seu plano de governo a parte contemplando a comunidade LGBTQ – o que acabou de fato acontecendo após pressão de evangélicos mais conservadores, como o pastor televisivo Silas Malafaia. De outro, seu eleitorado mais progressista e mais à esquerda esperava ela manter as propostas.

Na introdução do livro Religião e política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014, Christina Vital, Paulo Victor Leite Lopes e Janayna Lui, pesquisadores do Instituto de Estudos da Religião (Iser), comentam: “Os jogos de ocultação e revelação envolvendo a identidade religiosa evangélica de Marina resultaram em uma sinuca. Seu eleitorado “de base jovem e progressista começou a se descolar de seu nome, temendo que seu governo fosse tomado pelo ‘obscurantismo’ e pelo ‘fundamentalismo’, categorias de acusação fortemente direcionadas aos evangélicos no Brasil. Já a massa evangélica de perfil mais conservador passou a desconfiar do discurso progressista, identificado como ‘de esquerda’, que a candidata proferia em muitas aparições. Enquanto isso, a oposição apaixonada em torno de Dilma Rousseff e de Aécio Neves crescia.”

Pastor Everaldo chegou a ter o maior percentual entre candidatos nanicos. Ele passou sua campanha fazendo alusões a passagens bíblicas, comparando-se a Davi: aquele que, segundo a tradição religiosa, lutou contra o gigante Golias e o venceu com uma pequena pedra e um estilingue. Defendia as pautas caras à Igreja e à parcela mais reacionária da sociedade, como a defesa da vida desde a concepção e a noção de que a família tradicional é composta apenas por homem, mulher e filhos.

Em junho daquele ano, a Folha de S.Paulo publicou uma carta do bispo Robson Rodovalho, líder da Igreja Neopentecostal Sara Nossa Terra. Ela tratava sobre o momento político e o que viria a seguir. Intitulada “Antes pedintes, hoje negociadores”, o bispo via com bons olhos a candidatura do Pastor Everaldo e indicava, se inicialmente os evangélicos eram cortejados pelos candidatos e depois esquecidos pelos eleitos, desta vez o jogo havia mudado, pois existia um candidato de fato comprometido com as bandeiras da vida e da família:

“A candidatura do Pastor Everaldo revela clara mudança de posição do segmento evangélico como ‘player’ do jogo político. Suas lideranças ganham mais força e respeito para colocar os pleitos dos fiéis no programa de ação dos candidatos que decidirem apoiar. Não é mais pedir. É negociar, compromissar.”

Alguns meses depois, porém, Rodovalho declarou seu apoio a Marina Silva, após a polêmica mudança em seu plano de governo.

Em uma conversa muito negociada e um tanto desconfiada na sede do PSC na Câmara dos Deputados em Brasília, um dia antes da divulgação da gravação revelando o presidente da República, Michel Temer a avalizar a compra do silêncio do ex-deputado federal Eduardo Cunha, Pastor Everaldo parecia querer desvincular sua fé de sua atuação política e respondia de forma defensiva a qualquer pergunta as relacionando.

Posição curiosa, porque, um mês antes da conversa com Andrea Dip, para rebater a denúncia de um delator à Operação Lava Jato sobre ter recebido R$ 6 milhões da Odebrecht para favorecer Aécio Neves em debates televisivos durante a campanha de 2014, o pastor gravou um vídeo dizendo tais acusações serem uma “tentativa de calar a voz dos evangélicos na política”.

Quando Andrea Dip perguntou a ele o que significava ter apresentado a primeira candidatura confessional no país e o que pensava sobre o desenvolvimento da FPE, respondeu vagamente: se eleito, iria representar o povo todo. Era natural haver políticos evangélicos.

“Os evangélicos estão crescendo no Brasil. Tem cinegrafista evangélico, jornalista evangélico, policial evangélico; “é natural que tenha políticos evangélicos.” E continuou: “Ninguém [da imprensa] coloca lá ‘católico fez isso’, ‘umbandista fez isso’, mas diz ‘evangélico fez isso’. Eu acho que existe uma desinformação e certo preconceito. Acho não, tenho convicção de que é assim. Eu pago meus impostos, trabalho, suo a camisa. Nasci em um lugar humilde, na Favela de Acari, trabalho desde os 7 anos de idade. Já fui camelô na feira, fui servente de pedreiro; tenho 61 anos de idade, tenho direito a querer o país melhor.”

A única pista dada sobre como seria sua hipotética atuação como presidente evangélico foi a respeito da discussão de gênero nas escolas: “Naturalmente, ser um presidente que defenda que o aluno tem que ir para a escola para aprender português e matemática, e não ‘ideologia de gênero’, para mim é excepcional. Ele precisa saber ler e escrever. ‘Ideologia de gênero’ é uma excrescência”, concluiu.”

O capitão evangélico eleito presidente em 2018 tem a mesma visão antidemocrática. Acha um presidente de República laica poder alterar tudo com base “em sua caneta”. Daí, tal como as duplas evangélicas de mulheres batendo a companhia em suas portas em busca de impor sua fé a ateus, essa gente pensa: “o vencedor pode tudo”!

Evangelizar significa converter alguém à religião, pregando o Evangelho, difundindo a palavra constante do Evangelho. Esta bíblia contém a doutrina cristã, a palavra supostamente proferida por Cristo e lida de maneira diversas pelas distintas seitas. Mas evangelizar também é sinônimo de pregar qualquer doutrina ou ideia, inclusive de ideologias diversas, preconizando a luta por um futuro distinto, laico, tolerante. Trata de qualquer sistema filosófico ou ensinamento com o objetivo de regenerar o ser humano.

Por sua vez, um princípio ou doutrina científica não se considera indiscutível por corresponder à verdade, segundo seus defensores. Vive a testar suas hipóteses e só se sustenta com confirmação – e não com base no sobrenatural não sujeito a verificações.

Pastores no Congresso publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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