quarta-feira, 5 de junho de 2019

Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa

Eric A. Posner & Glen Weyl, coautores do livro “Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa” (São Paulo: Editora Portfolio/Penguin; 2019), reconhecem os brasileiros tratarem a questão racial com mais sutileza em relação aos norte-americanos, com sua distinção muito acentuada entre brancos e negros. Os dois países apresentam uma longa história escravocrata, mas, no Brasil, todos trazem uma herança da miscigenação. Apesar disso, as variações no tom da pele transmitem gradações de classe, uma força onipresente na sociedade brasileira.

Em termos econômicos, o Brasil é o país mais desigual do hemisfério ocidental. Repleto de recursos naturais, a maior parte da riqueza é controlada por um pequeno número de famílias e quase 10% dos brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. A penúltima presidente foi deposta por abuso de poder, seu predecessor está preso por corrupção e os investigadores estão fechando o cerco em torno do último presidente. Ele deixou o cargo com índice de aprovação na faixa de um dígito. Os padrões de vida no país estão estagnados faz tempo. A iniciativa privada é ínfima.

Como foi que esse paraíso ruiu? Como alcançar seu potencial? Conhecemos esta conversa:

A ESQUERDA: O governo deve taxar os ricos para fornecer moradia, assistência médica e emprego aos pobres.

A DIREITA: Ah, sim, e aí você vai acabar como a Venezuela ou o Zimbábue. O governo precisa privatizar as estatais, fazer valer os direitos de propriedade privada, reduzir os impostos e diminuir a regulação. Ponha a economia nos eixos e a desigualdade vai se resolver por si mesma.

OS TECNOCRATAS DO CENTRO: Precisamos de uma economia cuidadosamente regulada por especialistas com formação internacional, intervenções dirigidas já testadas em ensaios randomizados controlados e uma reforma política capaz de atender aos direitos humanos.

Quem mora em nações ricas, onde a desigualdade vem crescendo, reconhecerão, no Brasil, os seus próprios países. Também neles a economia está estagnando, e a corrupção e os conflitos políticos estão aumentando.

A velha ideia de um “país em desenvolvimento”, como o Brasil, finalmente se tornará um “país desenvolvido”, como os Estados Unidos, está sendo reavaliada. As pessoas começam a se perguntar se as coisas não estão caminhando no sentido contrário.

Enquanto isso, a fórmula habitual de reforma é a mesma de cinquenta anos atrás:

  1. aumentar os impostos e redistribuir,
  2. fortalecer os mercados e
  3. privatizar, ou melhorar a governança e a capacitação especializada.

No Rio de Janeiro, essa fórmula está claramente ultrapassada.

  • A pobreza, o controle cerrado e concentrado da terra e os conflitos políticos parecem guardar uma relação estreita.
  • A redistribuição da riqueza pouco alterou a desigualdade.
  • O aperfeiçoamento dos direitos de propriedade privada não contribuiu o suficiente para fomentar o desenvolvimento.
  • As favelas ocupam áreas que poderiam abrigar um parque, uma reserva natural ou uma área habitacional moderna.
  • O centro da cidade, onde os moradores das favelas poderiam levar uma vida decente e ter acesso a serviços públicos, é monopolizado pelos ricos, que nem chegam a aproveitá-lo por temerem a criminalidade.

O mesmo controle concentrado da riqueza gerador da desigualdade parece corromper a política e desestimular a iniciativa privada: segundo o Banco Mundial, o Brasil está entre os 10% dos países que mais colocam obstáculos para se abrir uma empresa.

O caso do Rio de Janeiro suscita uma pergunta inevitável: não haveria um jeito melhor? Será essa cidade não ter como escapar à desigualdade, à estagnação e ao conflito social? Não seria o Rio um prenúncio do destino de cidades como Nova York, Londres e Tóquio?

O problema deriva das ideias ou, melhor, da falta de ideias. Os argumentos da esquerda e da direita, quando surgiram no século XIX e começo do século XX, tinham algo a oferecer, mas hoje perderam qualquer substância. Não há mais lugar para reformas ousadas, pois elas apenas nos tolhem.

Para ampliar nossas possibilidades sociais, precisamos nos abrir a novos projetos radicais.

Para chegar à raiz do problema, precisamos:

  1. entender como funcionam nossas instituições econômicas e políticas e
  2. usar esse conhecimento para elaborar uma resposta, o objetivo deste livro.

A premissa de  Eric A. Posner & Glen Weyl é os mercados serem — e continuarão a ser no médio prazo — a melhor maneira de organizar a sociedade. Porém, embora nossa sociedade seja supostamente organizada pela concorrência entre mercados, os mais importantes estão monopolizados ou simplesmente inexistem. Se criarmos mercados de fato livres, abertos e competitivos, conseguiremos:

  1. reduzir drasticamente a desigualdade,
  2. aumentar a prosperidade e
  3. sanar conflitos sociais e ideológicos que dilaceram nossa sociedade.

Como a direita, acreditamos que os mercados precisam ser fortalecidos, ampliados e saneados. Mas vemos uma falha fatídica nessa linha: sua concepção sobre as mudanças sociais necessárias para a prosperidade dos mercados é tímida e pouco criativa. Muitos da direita apoiam o fundamentalismo do mercado, ideologia que imaginam ter sido comprovada pela teoria econômica e pela experiência histórica. Na verdade, ela praticamente se resume a um compromisso nostálgico com uma versão idealizada dos mercados, tal como existiam no mundo anglo-saxão no século XIX. (Usaremos o termo capitalismo para nos referir a essa versão histórica idealizada dos mercados, em que os governos têm como foco a proteção da propriedade privada e a garantia de cumprimento dos contratos.) Ao fundamentalismo do mercado contrapomos o radicalismo do mercado, nosso compromisso pessoal em entender, reestruturar e melhorar os mercados em sua própria raiz.

Com a esquerda, partilhamos a ideia de que os ordenamentos sociais existentes geram uma desigualdade injusta e minam a possibilidade de uma ação coletiva. Mas a falha está em confiar na capacidade de discernimento das elites burocráticas governamentais para sanar os males sociais. Essas elites, que a esquerda imagina serem benevolentes, ideologicamente neutras e comprometidas com o bem público, às vezes são arbitrárias, corruptas, incompetentes ou, por serem vistas dessa maneira, quer o sejam quer não, não contam com a confiança pública. Para canalizar o radicalismo que cremos ser inerente aos mercados, temos de descentralizar o poder e, ao mesmo tempo, incentivar a ação coletiva.

Os mercados radicais que concebemos são ordenamentos institucionais que permitem a atuação plena dos princípios fundamentais da alocação no mercado — o livre-comércio disciplinado pela concorrência e aberto a todos os interessados. A quintessência do mercado radical é o leilão. Como as regras de um leilão exigem que as pessoas disputem lances, o objeto em oferta acaba nas mãos de quem mais o deseja — com a ressalva de que as diferenças nos lances podem representar diferenças não só de vontade, mas também de riqueza.

Embora muita gente pense que os leilões se restringem a vendas de imóveis, obras de arte e arrecadação de fundos, eles são muito frequentes na internet, longe do olhar do público. Nas páginas do livro “Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa”, Eric A. Posner & Glen Weyl defendem a difusão dos leilões por toda a nossa sociedade pode salvar o Rio de Janeiro — e o mundo.

Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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