segunda-feira, 10 de junho de 2019

Independência do Banco Central só com Mandato Dual

Alex Ribeiro (Valor, 16/04/19) avalia: ao definir o controle da inflação como o único objetivo da política monetária, o projeto de lei que concede independência ao Banco Central se afasta do modelo adotado em 1964 pelo então ministro da Fazenda, Otávio Gouvêa de Bulhões. Naquele período, havia a preocupação também com a atividade econômica, por isso foi incluído o “combate às depressões” entre as atribuições da política monetária.

Bulhões passou à história como um ministro da Fazenda austero, ao comandar o duro ajuste econômico que abriu caminho para o Milagre Brasileiro durante o regime militar. Mas, por ter vivido a Grande Depressão, ele também tinha preocupações com as grandes oscilações da economia.

O governo do capitão sem nenhum conhecimento de Economia propõe na lei de independência do BC a política monetária ter um único objetivo – o controle da inflação -, justamente em um momento quando bancos centrais de países desenvolvidos lançam mão de instrumentos monetários extraordinários para tirar suas economias da Grande Recessão. Faz sentido?!

Há duas tradições nos modelos de banco central.

  • De um lado, a tradição dos Estados Unidos, cuja principal tragédia econômica foi a Grande Depressão e que decidiu adotar um banco central com mandato dual: estabilidade de preços e máximo nível de emprego.
  • De outro, a tradição alemã, cuja experiência com a hiperinflação levou à ascensão do nazismo e que adotou a estabilidade de preços como único objetivo. Esse modelo foi adotado pelo Banco Central Europeu (BCE).

Em 1964, quando o BC brasileiro ganhou independência (revogada em 1967), a inspiração foram os Estados Unidos. Em uma entrevista para o projeto memória do BC, Bulhões diz: o governo Getúlio Vargas foi inteligente em se recusar a criar nos anos 1930 um banco central para administrar a volta do padrão-ouro, como havia sido recomendado por uma missão chefiada por um diretor do Banco da Inglaterra, sir Otto Niemeyer. “Eles queriam estabelecer o equilíbrio orçamentário numa época em que isso era praticamente impossível. Impossível e indesejável, conforme [o economista John Maynard] Keynes iria demonstrar.”

É uma questão de avaliação técnica quanto à prioridade da política econômica — combater a inflação e/ou combater o desemprego — quanto a qual dos dois sistemas ser superior, entre o alemão e o americano.

Os defensores de objetivo único na inflação costumam dizer: esse modelo é flexível para lidar com quedas na atividade econômica. Quando perseguem a estabilidade de preços, os bancos centrais teriam também o objetivo de minimizar as flutuações na atividade econômica. Muitos adeptos da idealização do modelo de equilíbrio geral de Leon Walras dizem: no longo prazo, o melhor que o BC pode fazer pelo crescimento da economia é manter a estabilidade de preços. O pressuposto é os preços livres se ajustarem entre si na recessão provocada pela taxa de juros abusiva.

Muitos economistas afirmam: em 2011 o BCE comandado por Jean-Claude Trichet errou ao iniciar um ciclo de aperto monetário, revertido logo em seguida, devido ao foco exclusivo na inflação. Já o atual presidente do BCE, Mario Draghi, usou a flexibilidade do mesmo sistema monetário da zona do euro, promoveu estímulos não convencionais e deverá terminar seu mandato sem promover nenhuma alta na taxa de juros.

Há vários modelos intermediários no tratamento dos objetivos de política monetária. Em muitos países, a legislação estabelece ao mesmo tempo os objetivos de máximo nível de emprego e de controle da inflação, como na Austrália. Mas, em geral, a estabilidade de preços é estabelecida como objetivo principal, e o objetivo de máximo emprego, como o secundário.

A minuta do projeto de independência do BC enviado pelo governo revoga vários dispositivos da Leio 4.595, de 1964, o principal marco legal da política monetária, creditícia e do sistema financeiro nacional.

Sobre as metas do BC:

  • de um lado a nova lei diz “o objetivo fundamental” da política monetária ser “assegurar a estabilidade de preços”;
  • de outro, elimina inciso da Lei o 4.595 que dizia que a política do Conselho Monetário Nacional (CMN) objetivará “regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo e corrigindo os surtos inflacionários e deflacionários de origem interna ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais”.

Em entrevista sobre o resultado da reunião do Comitê Monetário e Financeiro do FMI (IMFC, na sigla em inglês), Lagarde foi questionada se estava “alarmada” com a pressão que alguns banqueiros centrais têm sofrido, em referência à tentativa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de interferir na atuação do Federal Reserve (Fed, o BC americano). Trump não apenas escreve no Twitter sobre o que acha que o Fed deve fazer, pressionando por uma política monetária de estímulo que permita mais crescimento, como tem indicado pessoas para a instituição que eventualmente podem agir politicamente.

Lagarde respondeu, da parte dos banqueiros centrais, há uma “preocupação compartilhada” sobre “dois ou três princípios”, citando prestação de contas, transparência e comunicação. “Todos eles dizem que esses três componentes são necessários para terem credibilidade e cumprirem os seus mandatos”, disse Lagarde, lembrando que os BCs têm diferentes mandatos.

Há a preocupação em prestar contas e como fazer esse procedimento. No caso da transparência, o foco é deixar claro como os BCs chegam às suas conclusões e decisões. Na comunicação, por sua vez, o desafio é como lidar com a questão do jargão da linguagem dos bancos centrais.

Dito tudo isso, ela concluiu: “A independência tem sido útil aos bancos centrais ao longo do tempo, e espero que continue assim”.

O presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, defendeu a importância de ter um BC independente, não só porque esse é um padrão seguido internacionalmente. Mas, segundo ele, para desfazer o vínculo do ciclo político com o ciclo da política monetária, reduzindo a percepção de risco e viabilizando uma menor taxa de juros estrutural.

Em outros termos, tecnocratas não eleitos, representantes de O Mercado, não se submeterão aos representantes eleitos pelo povo! Cuidarão de enriquecer a si mesmo e aos seus parceiros do setor privado, concentrando riqueza financeira de maneira indiferente ao efeito colateral no desemprego provocado por uma política de taxa de juros abusiva e disparatada!

O projeto de lei do governo que concede independência ao Banco Central é muito mais amplo do que apenas conceder autonomia nas ações da instituição. A proposta coloca, por exemplo, o foco da política monetária apenas no combate à inflação, eliminando menção de legislação anterior que colocava ênfase também no “combate a depressões”.

A lista de modificações é ampla:

  1. o texto dá maior segurança para o BC fazer operações de redesconto com os bancos;
  2. confere exclusivamente à instituição o papel de formular e executar a política cambial;
  3. retira do Conselho Monetário Nacional (CMN) atribuições ligadas à política monetária; e
  4. confere proteção aos quadros da autarquia, isentando-os de responsabilização na prática de suas funções.

Este último ponto é igual à “licença para matar” concedida aos policiais!

O capitão incluiu a independência do BC em um pacote de medidas que marcou os seus cem primeiros dias de mandato. Uma minuta do projeto de lei, distribuída pela Casa Civil, prevê os balanços do Banco Central serem apurados de forma anual, estabelecendo um conflito com a periodicidade semestral prevista em lei recém-aprovada pelo Congresso que regulamenta as relações entre o BC e o Tesouro.

Além de estabelecer mandatos de quatro anos para o presidente e diretores do BC não coincidentes com o mandato de Presidente da República, a proposta revoga e inclui diversos dispositivos na Lei no 4.595, de 1964, o principal marco legal da política monetária, creditícia e do sistema financeiro nacional.

O projeto estabelece que o “objetivo fundamental” do Banco Central é “assegurar a estabilidade de preços“. Sem prejuízo a ele, cabe ao BC zelar pela estabilidade financeira. O texto elimina um inciso da Lei no 4.595 que incluía preocupações com a atividade econômica entre as atribuições do CMN. Liberou geral!!!

Esse dispositivo dizia a política do CMN objetivar “regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais”. Essa mudança apenas adequa o que já vinha sendo feito na prática pelo BC, dentro do regime de metas de inflação, em que o objetivo é a estabilidade de preços, sem objetivos explícitos ligados à atividade econômica.

Da forma redigida, a proposta indica uma hierarquia de objetivos entre estabilidade monetária e financeira, com preponderância para o primeiro. Isso deve pautar a atuação do BC no combate à inflação quando houver conflitos com o objetivo da estabilidade financeira. Bota prá quebrar!!! Bancarrota virá por aí!!!

Foi incluído no projeto de lei um inciso que confere maior segurança para o Banco Central realizar operações de redesconto e empréstimo com instituições financeiras públicas e privadas. A proposta deixa claro que cabe ao BC a prerrogativa de estabelecer “remuneração, limites, prazos, garantias, formas de negociação e outras condições”.

A confusão sobre quem realmente tem a prerrogativa para fazer operações de redesconto é eliminada com a exclusão de um inciso da Lei no 4.595 que conferia ao CMN a tarefa de “regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redesconto e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancária”. O CMN, porém, será informado previamente de operações de redesconto, segundo o projeto de independência do BC, “sempre que identificar a possibilidade de impacto fiscal relevante”.

Na sua mais recente avaliação do sistema financeiro brasileiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) nota que o BC tem aberto mão de conceder linhas de financiamento de última instância nos últimos 20 anos, o que inclui o redesconto. Segundo o organismo, isso ocorre porque:

  1. os bancos preferem recorrer ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que representa um estigma menor, e
  2. havia uma preocupação com a falta de proteção a quem concede assistência de liquidez no setor público.

Dirigentes atuais e antigos e funcionários do BC também ganham proteção contra a responsabilização de atos relacionados à condução da política monetária, cambial, regulatória, supervisão e resolução no sistema financeiro. Isso dá segurança não apenas para o BC exercer o papel de emprestador de última instância do sistema financeiro, mas em todas as atividades. Ficam fora da proteção hipóteses de “dolo ou fraude”.

Um outro dispositivo do projeto de independência do BC dá a instituição poder para executar a política cambial por meio de compra e venda de moeda estrangeira e instrumentos derivativos estabelecendo “remuneração, limites, prazos, formas de negociação e outras condições”. Ao contrário do estabelecido para o caso de operações de redesconto, o projeto não inclui nenhuma obrigação de o BC informar ou pedir autorização para operações que representem risco ou tenham impacto fiscal.

O ex-presidente do BC Ilan Goldfajn chegou a defender, antes de assumir o cargo, que fosse criado um comitê com membros da Fazenda e do BC para definir a política cambial, justamente pelos potenciais impactos fiscais de intervenções, incluindo swaps cambiais e acúmulo de reservas internacionais.

A lei também retira do CMN uma série de atribuições de política cambial que criavam ambiguidade sobre quem dá as ordens na área. Entre essas atribuições está “adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento” e “estabelecer condições para que o Banco Central emita moeda-papel de curso forçado”.

A ideia do governo é apensar sua proposta a projeto de lei já em tramitação no Congresso que também trata do Banco Central. Isso aceleraria o avanço do texto na Câmara. O projeto depois ainda precisará passar por aprovação do Senado.

Veremos se os eleitos aprovarão “todo o poder para os tecnocratas não eleitos”.

Independência do Banco Central só com Mandato Dual publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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