terça-feira, 11 de junho de 2019

Finanças Comportamentais adotadas para Aconselhamentos Financeiros

Adriana Cotias (Valor, 10/06/19) narra: dois macacos-pregos são recompensados desigualmente ao executar a tarefa de devolver pedrinhas para o cientista. Um deles recebe uvas, alimento preferido da espécie, que costuma viver em grupo. O outro é pago com fatias de pepino. Ao ver esse sistema se repetir, o animal que ganha o vegetal e vê o seu par agraciado com a frutinha reage à injustiça. Balança raivosamente a divisória que o separa da pessoa que o alimenta, atira o pepino de volta, bate no patamar fora do cercado, mostrando a sua contrariedade (o vídeo pode ser visto acima).

O experimento, feito pelo professor alemão Frans de Waal, especialista em comportamento de primatas da Universidade de Emory, em Atlanta (EUA), dá pistas a respeito das reações emocionais e o senso de justiça não serem características exclusivas da espécie humana.

“São vieses cognitivos, isso ilustra bem a aversão a perdas e mostra mesmo os macaquinhos estarem sujeitos a vieses. Errar não é só humano, faz parte do nosso desenho biológico”, disse Claudia Yoshinaga, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), especializada em Finanças Comportamentais e Corporativas.

Há evidências de que decisões irracionais tomam conta das pessoas o tempo todo. O excesso de confiança ou a aversão a perdas acabam tendo influência muito grande na tomada de decisão e têm influência nos preços dos ativos.

A partir de 2002, quando o psicólogo israelense Daniel Kahneman ganhou o Nobel de Economia, as Finanças Comportamentais ganharam popularidade. Essa linha de pesquisa coloca em xeque a teoria econômica tradicional. Esta considera as tomadas de decisões, capazes de moverem as forças de mercado, serem essencialmente racionais. Para Kahneman, há duas formas de pensar:

  1. uma rápida, intuitiva e emocional; e
  2. a outra, mais lenta, examinada e mais lógica.

Os desvios sistemáticos de racionalidade identificam as várias tendências humanas. Ao tomar consciência delas, é possível traçar estratégias para evitar certas armadilhas.

Outra recomendação prática, derivada das Finanças Comportamentais, refere-se aos chamados “nudges“, ou “cutucões“, explorados por Richard Thaler, outro Nobel de Economia (2017). Os governos e/ou as corporações já devem colocar como “default” a melhor escolha para os consumidores por causa do comportamento inercial destes. Abominam complexidade e, portanto, não leem “manuais” para personalizar os “default”. A liberdade de escolha leva a oferecer alternativas, mas a maioria não gosta de pensar de maneira racional ou inteligente.

Para economizar tempo e energia cerebral, a heurística funciona como uma espécie de regra de bolso, um atalho para certas escolhas. A gente cria algumas regras para tomar decisões ágeis até dar errado. As emoções, a influência social — hoje potencializada pelas mídias sociais –, a capacidade limitada de processar informações e armazená-las na memória são outros vieses.

Alguns comportamentos influenciam diretamente o investidor. O excesso de confiança — é contumaz cada ser humano achar ter maior sabedoria em relação aos outros — é um deles.

A contabilidade mental é outro. Uma pessoa pode, por exemplo, se deslocar 40 quilômetros para comprar uma TV, cujo valor é R$ 15 mil, se o aparelho estiver R$ 5 mil mais barato em outro lugar, mas dificilmente faria igual esforço para obter o mesmo desconto para um carro com o preço de R$ 150 mil.

A aversão à perda talvez seja uma das tendências mais reconhecidas no mundo dos investimentos. A alegria de ganhar R$ 10 mil em um bilhete de loteria é desproporcional à dor da perda ao descobrir ter cometido um equívoco. Por isso, investidores resistem mais a vender uma ação com prejuízo em lugar daquela “vencedora”. O sentimento de reversão à média move finanças — e esperança religiosa no “Deus dará”.

O viés do “status quo pode ser traduzido como inércia — ou preguiça. Não à toa há mais de R$ 700 bilhões dos pobres brasileiros na caderneta de poupança rendendo 70% da Selic, e perdendo da inflação.

A predileção por coisas familiares também explica esse comportamento, bem como o “home bias“, a tendência do investidor comprar ativos brasileiros mesmo quando aplica fora do país.

Autocontrole também não é o forte do ser humano. Somos ruins em compromissos feitos conosco, como perder peso, ir para a academia, ler mais, são as promessas de ano novo sempre abandonadas.

O paradoxo da escolha, por sua vez, traz evidências de quanto mais opções à mão, mais difícil é decidir. Você já se sentiu perdido ao entrar em uma plataforma de investimentos com 400 fundos diferentes?

Para atenuar esses vieses, as Finanças Comportamentais sugerem alguns truques. Definir claramente um objetivo como “acumular recursos para a aposentadoria” é uma das maneiras. Para tanto, as decisões de investimentos de longo prazo devem ser baseadas em um claro plano de alocação de ativos. Do contrário, quanto menos se planejar, mais a pessoa vai ceder a desejos de curto prazo, porque o benefício da poupança está décadas à frente.

Outro conselho é fazer investimentos regulares – e automáticos, de preferência – e evitar altas taxas de administração e corretagem. Não são as operações de “day trade”, de compra e venda de ativos no mesmo dia, as capazes de garantir riqueza e assegurar um futuro tranquilo, embora existam centenas de blogs dando receitas milagrosas.

A maioria de leigos não se enriquece no mercado de capitais como os especuladores profissionais. Acumula capital financeiro com base em separar mensalmente o percentual de investimento, de acordo com o modelo de ciclos de vida financeira — p.ex., 30% de 25 a 35 anos, 20% de 35 a 45 anos, 10% a partir de então –, e depois adequar seu padrão de consumo à sobra de renda.

Muito se fala do potencial de perdas por conta dos vieses comportamentais na tomada de decisão dos investidores. Porém, gestores de recursos profissionais também estão sujeitos a esse tipo de armadilha mental. Pior, eles lidam com dinheiro de terceiros.

Para não sucumbir a esses erros cognitivos, inerentes a qualquer ser humano, algumas gestoras de recursos têm estudado o tema e buscado formas de driblar essas tendências causadoras de perdas às carteiras dos fundos.

Em algumas gestoras, por exemplo, há sempre analistas destacados para destruir uma tese de investimento. Isso é para não ter aquele tipo de comportamento de manada, referindo-se à tendência de um mesmo grupo as pessoas convergirem para um certo consenso, porque estão avaliando os mesmos dados e sujeitas a influências parecidas.

Formam-se dois times, um deles defende a ideia e o outro a ideia contrária. Dá uma imensa pancadaria, mas a decisão é melhor. O que está por trás desse embate intelectual é em grupo há maior estigma em ter a opinião divergente, então é preciso estimular o contraditório.

Outro comportamento comum a ser evitado é a tendência humana de dar peso maior a dados capazes de justificarem uma posição anterior onde se obteve bons resultados no mercado a seu favor. O esforço é não confundir resultado com o processo de decisão.

Por essa razão, no seu “treinamento anti-viés heurístico“, os gestores e analistas fazem um diário onde documentam qualquer decisão de investimento. Só depois confrontam com a realidade. Conseguem assim ter uma leitura mais precisa de erros e acertos, em vez de ficar à mercê da memória seletiva.

Outro exercício para a escolha dos ativos é a chamada “análise pré-mortem“, quando em vez de questionar o analista sobre o possível erro na compra de determinada ação, pergunta-se o que levou o papel a ter caído “x%”, em uma situação hipotética, onde se olha pelo retrovisor. Você muda o incentivo para mostrar a probabilidade de as coisas darem errado.

É preciso aprender a lidar com os vieses humanos. E é possível até se valer disso para arbitrar preços.

A ancoragem é importante. Não é porque uma ação ter caído 10% se deduz ela estar necessariamente barata. A tendência é as pessoas comprarem e muitas vezes, quando vemos um ‘trigger‘ capaz de justificar uma queda de 30%, aproveitamos o viés do mercado para abrir uma venda. Ser mais frio — e não emocional –, fazer conta e se ater aos números ajuda sempre.

Para não ceder ao sentimento de aversão a perdas, uma prática adotada é tentar esquecer o preço de compra da ação para não ser influenciada por uma onda de vendas depois de um resultado trimestral ruim, em contraste a uma modelagem feita para o longo prazo. O que importa em fundos de ações é a cota. Ela é a somatória de todas as decisões tomadas.

Muitas vezes você vê a ação caindo um pouco e logo os investidores mudando as projeções imediatamente para os próximos cinco anos. Isso assusta. O melhor é tenta ir contra a corrente, antecipando o comportamento esperado para a manada.

O excesso de confiança é outra tendência da qual os profissionais procuram se esquivar. Nem presidente da República, nem procurador ou juíz, assim como gestores de investimentos, devem ter conta no Twitter ou dar entrevistas justificando por que acha determinada ação ser capaz de subir. Após estar exposto, fica mais difícil para o profissional mudar de ideia, zerar as posições. Quem se crê onisciente deixa de ser onipotente…

O viés da ganância também pode virar um comportamento de manada por o gestor se sentir inclinado a comprar determinado ativo porque há um grande fluxo de recursos para o papel. A pressão massiva leva a você acabar sucumbindo, indo contra suas convicções e análises só para não ter aquele sentimento de todo mundo estar ganhando e você não. É mais fácil seguir, bovinamente, com a manada e errar com o grupo em vez de isoladamente.

Por exemplo, houve o caso de um investidor profissional, tendo procurado a gestora meses atrás, com a ideia pré-concebida de aplicar no fundo Zeta, o multimercado mais alavancado da casa (volatilidade de 12%). Ele vinha de sucessivos bons resultados. Ciente do perfil mais conservador do cliente, os gestores aconselharam o investimento ser feito na carteira de menor volatilidade, o Kappa (7%), mas não houve acordo.

No mês seguinte, o fundo Zeta caiu 5% e o investidor resgatou tudo. Tinham sido explicados os riscos, mas ninguém acerta todos os meses. A perda propriamente dita só não se concretizou porque houve uma carência de 60 dias, após o pedido de resgate, até a conversão da cota em dinheiro. Houve tempo para o fundo se recuperar e a remuneração ficar próxima do CDI.

Cientes de todos os vieses possíveis também de afetar os gestores profissionais, é necessário controlar muito o tamanho dos fundos, abrindo-os para captação uma vez por ano. O orçamento de risco das 14 mesas é balanceado periodicamente, conforme os resultados. Isso é bom porque atrai o dinheiro do investidor capaz de acompanhar há mais tempo, não o desavisado recém-chegado ou iniciante.

Nas suas interações com os investidores, se depara com uma série de fatores emocionais alheios à racionalidade. A aversão a perda, por exemplo, faz a tendência ser de carregarem por mais tempo as posições perdedoras em lugar das ganhadoras, mesmo quando o risco não fazer mais sentido para o carregamento.

O “home bias” é outra característica comum. Ela faz, mesmo quando aplicam parte dos seus recursos fora do Brasil, os clientes acabarem comprando ações e títulos de dívida brasileiros.

A contabilidade mental, por sua vez, faz com eles analisem o retorno dos ativos individualmente em lugar da carteira como um todo. Olhar linha por linha não é a maneira ótima de se avaliar. Pode ter investidor evitando ativos de grande oscilação mesmo se ele, dentro da composição da carteira de ativos, diminuir o risco como um todo.

Um bom exemplo, citou, são os fundos quantitativos. Eles costumam ter volatilidade alta quando analisados individualmente, mas acabam funcionando como um suporte quando O Mercado todo vai mal.

Finanças Comportamentais adotadas para Aconselhamentos Financeiros publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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