quinta-feira, 6 de junho de 2019

Estagdesigualdade (Estagnação Econômica + Desigualdade Social) e Credo Etnonacionalista

Eric A. Posner & Glen Weyl, coautores do livro “Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa” (São Paulo: Editora Portfolio/Penguin; 2019), se perguntam: seria o aumento da desigualdade apenas o preço de uma economia dinâmica, como sugerem muitos argumentos econômicos “neoliberais”?

Alguns economistas sustentam a desigualdade crescente refletir a divergência entre as qualificações e as oportunidades dos competentes, qualificações estas que são desperdiçadas quando não são recompensadas com uma renda maior. Porém o aumento da desigualdade não reflete apenas essa divergência salarial, mas o perfil da renda nacional, que se afasta completamente dos salários.

A participação na renda nacional proveniente de todos os tipos de trabalho assalariado, desde operários de fábrica até diretores executivos — o que os economistas chamam de “participação do trabalho” – mostra, desde os anos 80s, ter havido período uma queda de quase 10% na participação dos salários na renda nacional americana, aproximando os Estados Unidos dos países em desenvolvimento, onde a participação do trabalho é muito menor do que costuma ser nos países ricos.

Para onde foi o dinheiro que pagava o salário dos trabalhadores? Se estiver remunerando a poupança, talvez não seja tão preocupante. Afinal, todo cidadão pode decidir poupar dinheiro, e a remuneração da poupança pode incentivar o crescimento. Um número crescente de indicações, porém, sugere a remuneração da poupança também está em queda (como evidenciado pela queda das taxas de juros), e uma parcela cada vez maior da renda nacional vem sendo absorvida pelo poder de mercado — o que, mais adiante, chamamos de “o problema do monopólio”.

Se a desigualdade internacional fosse resultado de mercados internacionais dinâmicos, talvez seu preço valesse a pena. No entanto, visto a desigualdade internacional ter entrado em declínio no mesmo momento quando a globalização começou a acelerar e a descolonização foi finalizada, isso sugere a desigualdade internacional pode ser atribuída mais ao colonialismo e a mercados internacionais fechados em lugar de mercados livres.

A última mudança significativa na Filosofia Econômica ocorreu nos anos 1970, quando a “estagflação” (inflação alta e desemprego ao mesmo tempo) minou o argumento keynesiano, então aceito, de a inflação ser um preço a pagar pelo pleno emprego.

As ideias neoliberais e a teoria da “economia pelo lado da oferta” [supply-side] surgiram em resposta. Elas prometiam uma maior margem de ação para o capitalismo (impostos menores, desregulamentação, privatização) ser capaz de desencadear o crescimento econômico.

Mesmo quando o capitalismo pudesse criar certa desigualdade, a riqueza acabaria chegando “por gotejamento” até os trabalhadores comuns. Não só a prometida riqueza não gotejou, como nem sequer se materializou. Na verdade, o aumento da produtividade sofreu uma drástica redução nesse período. Por exemplo, nos Estados Unidos, o aumento na produtividade do trabalho do final da Segunda Guerra Mundial até 2004 ficou em cerca de 2,25% ao ano. A partir de 2005, o aumento da produtividade caiu um ponto percentual cravado, chegando a cerca de 1,25%.

Esse fenômeno foi menos dramático nos Estados Unidos do que em outros países ricos. Quanto ao ganho de produtividade em vários países do mundo, desde 1950, no geral, esse ganho vem caindo de maneira drástica desde a metade do século XX, com exceção do período entre 1995-2004 em alguns países ricos e da tendência diversa observada em países em desenvolvimento.

Em muitos países ricos, como França e Japão, o ganho da produtividade caiu em um fator de dez, passando de 5% a 7% no período entre 1950 e 1972 para menos de 1% na última década. Dados recentes traçam um retrato ainda mais desalentador.

Um problema correlato se refere aos recursos-chave da economia — trabalho e capital —, marcados por um amplo desemprego (no caso do primeiro) ou pela má alocação (no caso do segundo). Esse aspecto do lento crescimento econômico tem uma importância própria porque o desemprego e os baixos salários provocam conflitos sociais e políticos.

O desemprego e o subemprego variam de país para país, dependendo do tratamento dado a quem está desempregado há muito tempo. Na Europa, os índices de desemprego aumentaram, ao passo que nos Estados Unidos os jovens do sexo masculino estão saindo da força de trabalho.

Essas tendências impõem ao consenso econômico neoliberal o mesmo problema que a “estagflação” havia imposto ao consenso keynesiano. Em troca da desigualdade, prometeram-nos um dinamismo econômico. Temos a desigualdade, mas o dinamismo agora está declinando. Vamos chamá-lo de estagdesigualdade — crescimento mais lento com desigualdade crescente, em vez de inflação. Portanto, não é de admirar que as pessoas rejeitem o saber econômico convencional.

Os esquerdistas criticam há muito tempo a “economia do gotejamento”. Logo, seria de se esperar uma reação populista de esquerda contra a estagdesigualdade e um avanço para a redistribuição de renda.

Em certa medida, essa previsão foi confirmada por acontecimentos recentes. Bernie Sanders quase venceu as primárias do Partido Democrata nos Estados Unidos, apesar de declarar que tinha sido socialista no passado e de concorrer à presidência como social-democrata. No Reino Unido, Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, é o dirigente mais à esquerda do partido a ter boas chances de vitória desde a Segunda Guerra Mundial, e movimentos de esquerda na França e na Itália têm alcançado um êxito político incomum.

No entanto, a história tem mostrado: quando o tecido social se esgarça, movimentos fascistas ou ultranacionalistas chegam ao poder. Prometendo trazer riqueza às massas, vinda não dos ricos, mas de um inimigo externo ou de um “outro” interno, um grupo minoritário vulnerável, os movimentos reacionários muitas vezes dirigem sua fúria para o exterior, ameaçando a estabilidade internacional.

Embora tenham caído em descrédito durante algum tempo, devido ao Holocausto e à Segunda Guerra Mundial, há sinais inquietantes de que estão ressurgindo.

Os movimentos populistas de direita exercem apelo entre grupos sociais historicamente dominantes. Eles, em termos econômicos, tiveram suas expectativas frustradas: os pouco instruídos, os moradores de zonas rurais e os trabalhadores que perderam o emprego devido ao comércio internacional. Ouvem de bom grado os argumentos de dirigentes dos movimentos populistas de direita em favor das barreiras comerciais e das restrições à entrada de imigrantes.

Mas, em vez de um apelo explícito à identidade de classe ou à justiça distributiva, os dirigentes dos movimentos populistas de direita apelam ao credo etnonacionalista do “sangue e solo”. Esses grupos olham com saudosismo para um passado em que pessoas como eles gozavam de maior segurança econômica e de posição social mais elevada.

Os movimentos populistas de direita põem às claras os problemas velados dos sistemas que contestam. Refletem e, ao mesmo tempo, acentuam ainda mais os altos níveis de polarização política, ameaçando a estabilidade dos países democráticos.

Esses movimentos pouco oferecem em termos de propostas políticas realistas, capaz de beneficiarem tanto seus membros quanto o restante da população. Estão antes protestando contra as falhas de sistemas políticos existentes em vez de agindo como uma força construtiva.

A ascensão desses movimentos, portanto, reflete a incapacidade de as instituições democráticas promoverem o interesse público e resolverem conflitos entre grupos sociais diferentes.

Os atuais movimentos de direita entram em conflito com os que têm uma identidade distinta daquela estreitamente limitada por eles. Os trabalhadores brancos do sexo masculino veem sua renda se estagnar nos países ricos, enquanto as mulheres, as minorias étnicas e raciais e o povo das nações em desenvolvimento estão gozando de relativos avanços.

Os líderes de direita atribuem os problemas opressores dos homens brancos das classes trabalhadoras à melhoria econômica das minorias. Eles afirmam ter de “pegar de volta” a crescente riqueza dos países pobres! Isso resolveria esses problemas!

No interior dos países ricos, existem movimentos que garantem direitos para mulheres e diversas minorias. Nos países em desenvolvimento, vêm ganhando força movimentos nacionalistas de outro tipo.

Muitas potências em ascensão (China, Índia, Turquia, México) viram crescer o espírito autoritário e nacionalista, conduzido em muitos casos por líderes que acusam as instituições internacionais dominadas pelo Ocidente de impedir o desenvolvimento de seus países. Parece se aproximar o momento do choque entre as reivindicações pelo progresso econômico de países em desenvolvimento e a política cada vez mais nacionalista de países ricos.

Muitos desses conflitos políticos internos e internacionais estão relacionados com a dificuldade em resolver democraticamente questões a contraporem os interesses fundamentais dos grupos minoritários aos interesses menos prementes dos grupos majoritários. Essas questões têm bases econômicas importantes, mas muitas vezes vêm formuladas em uma linguagem social e cultural indicadora, claramente, de qual grupo o dirigente de direita está apoiando.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o porte de armas, a liberdade religiosa e o direito de ricos contribuírem para campanhas políticas estimulam a direita, enquanto a política identitária das minorias e os direitos civis inspiram a esquerda. As tentativas de resolver essas questões muitas vezes vão parar nas mãos do Judiciário. Porém os juízes fazem parte da elite e não costumam ter muito contato com a vida dos cidadãos comuns. Não raro suas decisões mais exacerbam em vez de resolverem as disputas culturais.

No cenário internacional, instituições como a Organização Mundial do Comércio e a União Europeia, concebidas para ajudar a resolver tensões entre a soberania nacional e a ordem internacional, agora são vistas cada vez mais como instâncias ilegítimas, insensíveis e incapazes de equilibrar os interesses dos países mais ricos e dos mais pobres. Em suma, as instituições de governança mundo afora enfrentam uma crise de legitimidade.

Estagdesigualdade (Estagnação Econômica + Desigualdade Social) e Credo Etnonacionalista publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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