quinta-feira, 13 de junho de 2019

Efeito Framing ou Enquadramento

Sam Sommers, autor do livro “O Poder das Circunstâncias: entenda como o mundo à nossa volta influencia nossos pensamentos e comportamentos” (Rio de Janeiro: Elsevier; 2012), afirma: “mesmo o mais talentoso dos estudiosos é desafiado quando deve corresponder ao conhecimento idiossincrático de outra pessoa brilhante. Basta pensar em seus amigos e seus diversos interesses, experiências e conhecimentos. Quando você é um chef gourmet que gosta de futebol, e seu amigo entomologista pode citar todos os episódios de Star Trek de cor, não é muito difícil fazer uma avalanche de perguntas sobre curiosidades. Encontrar assuntos em comum quando vocês se reúnem para beber? Isso parece mais complexo, mas ele é seu amigo, não meu.

Imagine o quanto maior é esse grau de variabilidade na experiência com estranhos sem uma história compartilhada.”

Grande parte de como vemos e interagimos com o universo social ao nosso redor é moldada pelo contexto imediato. Como os capítulos deste livro detalharão, aspectos aparentemente triviais de situações cotidianas determinam:

  1. se ficaremos na nossa ou nos envolveremos nos assuntos dos outros,
  2. se seguiremos um grupo ou um caminho independente,
  3. por que nos sentimos atraídos por certas pessoas e mantemos distância de outras.

Mas raramente consideramos esse poder robusto das situações. Não tomamos conhecimento deles, escondidos à vista de todos. Assim como o visitante do museu presta pouca atenção à moldura dos quadros, deixamos de notar o impacto das influências externas sobre nossos pensamentos e instintos mais íntimos. Mas a moldura do quadro é importante. Embora você não as encontre em destaque no catálogo de um museu, elas chamam a atenção e acentuam os aspectos contidos nas pinturas. Talvez você não perceba, mas sua experiência no museu não seria a mesma sem elas.

A moldura do contexto social tem impacto semelhante sobre como as pessoas se comportam. Quando a ignoramos, pintamos um retrato simplista da natureza humana, agarrando-nos à crença de que o que você vê é o que você obtém (what you see is what you get – WYSIWYG em inglês).

Os programadores de computador adotaram essa frase, junto com um jeito divertido de pronunciar a sigla, para se referir a uma interface capaz de permitir ao usuário ver como ficará o produto final enquanto um documento está sendo criado. Na vida diária, mesmo quando sabemos a coisa não ser bem assim, defendemos a ideia de WYSIWYG (ou wizzywig, se você preferir) quando supomos o comportamento observado em outra pessoa em determinado momento oferece uma visão precisa do “verdadeiro produto”.

Este é o Efeito Halo: deixamo-nos ofuscar por um aspecto e, a partir dele, supomos uma imagem completa. “Halo” é o círculo luminoso em torno de uma figura sagrada. São fatos logo percebidos devido à estereotipagem.

O garçom errou seu pedido? É rotulado de incompetente. O colega não responde aos nossos e-mails? Sem educação. O ator faz um monólogo impressionante? Ele é articulado. WYSIWYG nos leva a concluir equivocadamente: essas ações resultam do caráter subjacente e consistente – e esperamos que essa personalidade surja de forma confiável em qualquer lugar. Logo, o garçom era incompetente antes de você aparecer para o almoço, a colega de trabalho é uma cretina mesmo em seu dia de folga, o ator seria o orador perfeito.

“Em essência, sentimo-nos mais confortáveis quando vemos uns aos outros da mesma forma como assistimos a seriados, esperando encontrar personagens familiares capazes de agirem de forma semelhante de um episódio para outro. Mesmo em locais exóticos, esperamos encontrar as qualidades conhecidas de nossos amigos da televisão. Se você pensar a esse respeito, embora chamemos esses programas de ‘comédias situacionais’, eles dependem de personalidades estáveis.

O recente aparecimento dos reality shows não é muito diferente. Esses programas sempre prometem o vilão manipulador, o estrategista paquerador, a alma despreocupada existente apenas para se divertir. Esses ‘personagens’ são, muitas vezes, produto da edição criativa (ou mesmo da atuação proposital), mas os espectadores não parecem importar-se com isso. Claramente, os produtores desse tipo de programação também percebem o apelo de personalidades facilmente identificáveis para aqueles de nós que estão assistindo em casa.”

De volta ao mundo real, é verdade a vida muitas vezes redirecionar nossa atenção para o poder das circunstâncias, tirando-nos do nosso modo padrão WYSIWYG. Talvez venhamos a descobrir nosso garçom incompetente em um clube noturno tocando bem uma guitarra e consigamos perceber sua incompetência ser específica àquele contexto. Descobrimos nossa colega de trabalho incapaz de responder aos e-mails com problemas de vírus no seu computador e não recebeu nossas mensagens. Nosso orador favorito faz um discurso de formatura banal e empolado, e percebemos ele não ser tão articulado quando quem escolhe as palavras é ele, e ele não teve a chance de ensaiar.

Na vida real, enquanto situações desconhecidas podem levar-nos para além de WYSIWYG, a tendência geral persiste: deparamos com novas pessoas, observamos novos comportamentos e, instintivamente, tiramos novas conclusões sobre caráter e personalidade. Basta perguntar ao paciente mortificado ao ver sua médica fora de sua esfera de competência, lutando para, digamos, estacionar fazendo uma baliza. Ou a aluna surpresa que uma vez me encontrou em um bar e perguntou: “Não é estranho que os professores saiam e se encontrem com seus alunos?” Embora eu entenda que continuo a existir fora da sala de aula, ela parecia espantada ao constatar que eu poderia sobreviver, e até me divertir, em um ambiente sem um quadro branco.

Somos facilmente seduzidos pela teoria do caráter estável. Boa parte do que somos, de como pensamos e do que fazemos é motivada pelas situações onde nos encontramos, mas, ainda assim, ignoramos esse fato.

Nosso esquecimento típico sobre o poder das circunstâncias surge porque a maior parte de nossa existência diária ocorre em ambientes familiares, nos limites da rotina conhecida. É preciso o choque do desconhecido para lembrar o quão cego você é a seu ambiente de sempre. Só depois de viajar para o exterior, você começa a observar as regras não escritas que orientam as interações sociais em seu país. Só depois que você sai da casa em que cresceu percebe, nas visitas posteriores, que a casa tem um cheiro e um som distintos. E assim por diante.

Mas a tendência normal continua a ser ignorar as circunstâncias. O WYSIWYG é muito forte. Mesmo diante de fortes evidências em contrário, voltamo-nos para explicações internas para o comportamento dos outros.

Os pesquisadores não são os únicos que sabem disso. Muitos comerciais, por exemplo, só funcionam se os anunciantes contarem que você negligenciará a explicação situacional óbvia (eles pagaram para um ator dizer algo ser maravilhoso), voltando-se, em vez disso, para uma interpretação mais interna e disposicional do que você vê (o homem realmente gosta daquilo!).

Às vezes, eles fazem isso com depoimentos de “pessoas comuns”. Outras vezes, é um suposto especialista falando sobre o poder de determinado produto. Veja como somos afortunados por ter acesso a essas conclusões inovadoras da pesquisa! Claro, ainda estou para encontrar um astrofísico com contrato de patrocínio de um produto. Sem falar não termos como saber se o diploma do “especialista” foi emitido por uma escola por correspondência.

“Talvez o exemplo mais marcante de como o WYSIWYG funciona nas mãos dos anunciantes é o endosso de celebridades. Eles esperam estarmos tão sonolentos na frente da televisão a ponto de acreditarmos o talento de uma pessoa famosa em uma área se transferir para outra”.

O resumo da história é os executivos de publicidade esperarem você olhar além do poder da circunstância. Eles esperam você não descartar de cara o que o ator diz só porque sabe que ele foi pago para falar aquilo. Racionalmente, porém, deveríamos agir assim. É uma analogia exagerada, mas os endossos pagoscomo as redações de alunos com um tema imposto – nos dizem pouco mais sobre as verdadeiras crenças de um indivíduo além da confissão de um detido com uma arma apontada para ele. O endossante quer apenas ganhar dinheiro, o aluno quer uma boa nota e o suspeito só quer ver a luz de mais um dia.

Efeito Framing ou Enquadramento publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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