domingo, 9 de junho de 2019

Além do Projeto de Mercados Radicais

Nas considerações finais de Eric A. Posner & Glen Weyl no livro “Mercados radicais: reinventando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa” (São Paulo: Editora Portfolio/Penguin; 2019), eles soltam a imaginação, mas querem concluir com algumas palavras de precaução.

Suas propostas se fundam na teoria econômica e na história das ideias, mas a natureza humana tem uma tendência de frustrar os projetos mais bem elaborados, tanto por teimosia quanto por sua maleabilidade às vezes extremada. É sabidamente difícil prever:

  1. quando a adaptação cultural humana a novas instituições sociais apoiará ou se oporá a elas, ou
  2. quando converterá projetos utópicos em distopias.

Como ressaltaram em capítulos anteriores, as propostas devem ser implementadas antes em experiências de pequena escala e não como uma revolução de toda a sociedade.

  • A VQ pode ser usada em grupos pequenos tomadores de decisões coletivas.
  • O COST pode ser aplicado de início a regimes de propriedade administrativa existentes, como os direitos de pastagem em uma determinada área geográfica.
  • O patrocínio de mão de obra migrante pode ser implementado como uma modesta ampliação do visto J-1, com um número limitado de vistos em uma zona econômica específica, disponível para a realização de testes cuidadosamente monitorados.
  • Os limites aos investimentos institucionais podem começar em um nível exigente de um desinvestimento relativamente pequeno dos grandes investidores institucionais. Se o abalo financeiro for pequeno, podem-se aumentar as restrições.
  • O pagamento pelo trabalho com dados precisa apenas aguardar avanços tecnológicos e organizações sociais. Eles já parecem estar em andamento.

O que poderia sair errado? Uma possibilidade é as pessoas não conseguirem lidar com a carga adicional lhes imposta por esses esquemas. Todos eles, de uma maneira ou outra, exigem as pessoas dedicarem mais reflexão a atividades onde hoje nem prestam atenção ou consideram como coisas dadas.

Essa é uma consequência natural da extensão dos mercados, tão diferente da passividade com a qual as pessoas encaram a burocracia estatal ou empresarial. É um chavão dizer “a liberdade implica responsabilidade”. Ao aumentar a liberdade, essas propostas também aumentam a ação pessoal e a responsabilidade.

Mas não devem temer o peso dessa responsabilidade. Afinal, vivemos na Era da Intermediação Computadorizada. Como exposto em capítulos anteriores, muitas das decisões podem ser automatizadas. E as próprias instituições podem ser concebidas para colocar um peso cognitivo maior ou menor nas pessoas ao as utilizarem.

Esse problema é familiar com os mercados e as instituições governamentais existentes. Elas passam por ajustes constantes aumentando ou reduzindo a carga cognitiva.

  • A introdução de uma Previdência Social, por exemplo, facilitou muito a vida para pessoas não precisarem mais se preocupar em calcular as poupanças para a aposentadoria.
  • A introdução de subsídios tributários para planos de aposentadoria com determinada contribuição estipulada teve o efeito oposto, exigindo que as pessoas tomem decisões de poupança e investimento de enorme complexidade.

Isso, por sua vez, estimulou várias reformas originais, como as regras de pedido de exclusão. Elas diminuíram a carga cognitiva sem a eliminar totalmente. Tanto o COST quanto a VQ — as propostas mais importantes — podem ser desenvolvidos com maior ou menor complexidade. O nível adequado de complexidade é uma questão de projeto. Só pode ser respondida com a experiência.

O problema oposto é as propostas poderem ser burladas por pessoas sofisticadas. Elas inventam formas de solapá-las.

A VQ é, pelo menos em teoria, vulnerável a várias formas de conchavo sofisticado. Seria necessária a implantação de um regime jurídico e de normas sociais para impedi-las.

Quanto ao COST, seria possível a evasão de cidadãos sofisticados em condições de ocultar sua riqueza. É importante entender, porém, as formas sofisticadas de burlar o sistema são endêmicas em nossas instituições existentes. Os mercados de ações são manipulados, as regras tributárias ficam sujeitas a arbitragens, as restrições ao financiamento de campanha são contornadas, os distritos legislativos são frutos de manobras eleitoreiras. Não há nenhuma razão para crer a VQ e o COST serem mais vulneráveis à manipulação em lugar das instituições a substituírem. Pelo contrário, seriam menos vulneráveis.

Tal como hoje, as leis e normas sociais são necessárias para limitar o comportamento estratégico.

Hoje, as normas sociais incentivam as pessoas a votar e, junto com a lei, impedem-nas de negociar seus votos e outras formas de manipulação. Com a VQ, a lei e as normas seriam necessárias para conter a mancomunação.

Hoje, a lei oferece incentivo às pessoas para acionarem empresas vendedoras de produtos perigosos. Com o COST, o incentivo ao lucro com a aquisição de bens subavaliados dos ricos criaria um exército privado fazendo valer a arrecadação tributária.

Mas só é possível descobrir todo o conjunto de vulnerabilidades dessas propostas e as respostas sociais adequadas por meio de testes e experiências práticas.

Mesmo se os testes acabarem provando algumas dessas propostas serem inexequíveis, o espírito radical por trás de nossas ideias poderá ganhar raízes mais amplas. Nossa sociedade está repleta de oportunidades, além das abordadas, para acabar com o poder de privilégios estabelecidos e aumentar a riqueza e a igualdade simultaneamente.

Com efeito, muitas das ideias mais modestas de Vickrey estão na agenda pública há anos: por exemplo, a liberalização das restrições de zoneamento, o incentivo à contrapartida em oferta de matrículas gratuitas substituir a dívida fiscal no financiamento do ensino, o pedágio urbano para o congestionamento de trânsito.

Certamente estão por nascer outras ideias ainda mais importantes em lugar das propostas por Eric A. Posner & Glen Weyl. O objetivo neste livro é mostrar as linhas dominantes no debate econômico e político serem produtos da falta de imaginação e de pressupostos ultrapassados. Para construir um mundo melhor, precisamos ir além do conflito autodestrutivo entre direita e esquerda.

Além do Projeto de Mercados Radicais publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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