quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Desinformação em Redes Sociais (Feicebuque & Uotzap)

Madeleine Albright, no livro “Fascismo: Um alerta”, alerta: o custo de espalhar falsidades pela mídia social é mínimo, e o esforço exigido a quem é adepto da prática, idem. O uso de checadores de fatos, como meio de defesa, é útil, mas muito lento.

Esse cenário obriga operadores de plataformas de mídia social a reverem seus papéis. A visão de quem acha não ter a responsabilidade de monitorar conteúdo é conveniente e, quando articulada como defesa da liberdade, sedutora para muitos. Mas essa abordagem traz o risco de governos optarem por mudar totalmente de direção – como a China, por exemplo, rumo ao uso de firewalls–, o que não seria do interesse nem da democracia nem da liberdade.

O mínimo necessário aos internautas são ferramentas capazes de lhes possibilitarem identificar conteúdo gerado por robôs e outras fontes de notícias falsas. A regulação também é necessária para garantir fontes de mensagens políticas on-line serem tão transparentes como o financiamento de comerciais de campanha veiculados no rádio e na televisão.

A maioria de nós vivenciou o período quando o spam ameaçou destruir o e-mail. Hoje, a democracia é enfraquecida por mentiras surgidas em ondas artificiais capazes de martelar os sentidos continuamente. Líderes de acordo com o figurino democrático têm tido dificuldades para não serem atropelados por um ciclo incansável de notícias e acabam por gastar energia demais na tentativa de contestar histórias. Elas parecem surgir do nada, criadas com o único propósito de liquidá-los.

Tudo isso tem consequências. Políticos de matriz democrática chegam ao poder prometendo mudanças e começam a perder popularidade no dia quando tomam posse. A globalização, por exemplo, não é questão de ideologia, mas um fato da vida. Virou um mal a ser combatido a qualquer custo por gente estúpida crítica ao “globalismo marxista cultural” – como diz o oportunista chanceler brasileiro, ecoando o guru Oralho.

O capitalismo é visto como um palavrão por um número cada vez maior de pessoas, seja de esquerda, seja de direita. Se conhecessem história, perceberiam: não fosse pelos seus frutos, não teria comida, abrigo, roupas ou smartphones. Em um número cada vez maior de países, cidadãos professam descrença em toda e qualquer instituição pública e nos dados oficiais divulgados de maneira apriorística. Um político inglês pró-Brexit disse presunçosamente que o eleitor “não aguenta mais especialistas”. Um bolsonarista brasileiro apresenta o mesmo complexo de inferioridade e adota uma postura anti-intelectual.

Uma geração inteira já nasceu e chegou à maioridade desde a desintegração do bloco comunista em 26 de dezembro de 1991. Não se julga mais democracias estabelecidas por meio de comparações com a alternativa soviética. Não se avalia democracias emergentes observando os regimes totalitários precedentes. Esses parâmetros usados na Guerra Fria não existem mais. Os ciclos de atenção são mais curtos e as expectativas mais altas. É menos provável relevar falhas governamentais cada vez mais fáceis de detectar.

Essa transição levou “nós, o povo” – aí incluídos editorialistas, colunistas, apresentadores de TV e blogueiros – a exigir mais de nossos governos. Seria ótimo se fôssemos igualmente capazes de exigir mais de nós mesmos. Em vez disso, tornamo-nos mimados. Até quem tem preguiça de votar e desonestidade para sonegar impostos se acha no direito de bombardear de todos os lados nossos representantes eleitos!

Queixamo-nos amargamente quando não conseguimos tudo o que queríamos, como se fosse possível obter mais serviços com impostos mais baixos, maior cobertura do sistema de saúde sem envolvimento federal, um meio ambiente menos poluído sem regulação, segurança contra o terrorismo sem violação de privacidade, bens de consumo mais baratos produzidos na esfera local por trabalhadores com salários mais altos. Em resumo, queremos todos os benefícios da mudança sem nenhum dos custos.

Quando nos decepcionamos, nossa resposta é recolher-nos ao cinismo. Então, começamos a conjeturar se não haveria uma forma mais rápida, mais fácil e menos democrática de satisfazer nossos desejos.

Ignorar os êxitos da liberdade e desistir da democracia por não ser fácil obtê-la é a saída dos covardes.

Na visão de Madeleine Albright, país algum tem o direito de ditar aos outros como devem ser governados. Mas todos os democratas têm bons motivos para falar em defesa de valores democráticos. O apoio destes nem sempre fará diferença, mas, quando fizer, deve ser sempre na direção do maior respeito ao indivíduo e de um melhor governo para a sociedade.

Democracias são sujeitas a todo tipo de erro, de incompetência e corrupção a fetiches equivocados e impasses. É de certa forma espantoso, portanto, estarmos dispostos a submeter os rumos de nossas sociedades à sabedoria coletiva de um público imperfeito e tão frequentemente alienado. Como pudemos ser tão ingênuos?

A esta pergunta justa, precisamos responder: e como pode alguém ser tão crédulo a ponto de confiar em caráter permanente o poder – força inerentemente corrompedora – a um único líder ou partido?

Quando um ditador abusa de sua autoridade, não há meios legais de impedi-lo. Quando uma sociedade livre esmorece, ainda temos a opção – por meio do amplo debate e da escolha de novos líderes – de reparar-lhe os defeitos. Ainda nos resta tempo para selecionar um candidato melhor. Esta é a vantagem comparativa da democracia. É importante reconhecê-la e preservá-la.

Também depende de nós perceber: a democracia tem inimigos. Eles não se apresentam como tais.

Mussolini observou: ao se procurar concentrar o poder, cai bem fazê-lo pouco a pouco para todo o processo ocorrer da forma mais discreta possível. Suas táticas continuam vivas neste não-mais-novo século. Percebemos mundo afora os primeiros espasmos do fascismo:

  1. o descrédito dos políticos tradicionais,
  2. o surgimento de líderes que procuram dividir em vez de unir,
  3. a busca da vitória política a qualquer custo contra adversários transformados em inimigos, e
  4. a invocação da grandeza nacional por parte de pessoas cuja visão do que constitua grandeza é das mais distorcidas.

Frequentemente, os sinais do fascismo se apresentam de forma disfarçada:

  1. Constituições alteradas a título de reforma,
  2. os ataques à imprensa livre justificados pela segurança,
  3. a desumanização de outros, mascarada como defesa da virtude, ou
  4. o esvaziamento de um sistema democrático até só restar o rótulo.

O fascismo e as tendências em direção a ele estão sujeitos à imitação. Ao passar os olhos pelo mundo de hoje, vemos aprendizes de autocratas copiando táticas repressivas testadas por outros. Entre outros países, práticas antidemocráticas têm aumentado na Turquia, na Hungria, na Polônia, nas Filipinas, e no Brasil, todos signatários de tratados conjuntos com os Estados Unidos.

Movimentos nacionalistas radicais – alguns violentos, outros não – obtêm notoriedade enquanto chamam a atenção da mídia e fazem incursões pelo Legislativo, forçando os limites do debate público na direção da intolerância e do ódio. Os Estados Unidos, sob Trump, pode já ter começado a claudicar. Na Coreia do Norte, um fanático com acesso a armas nucleares se vangloria de seu poder.

Seria mais fácil dar o alerta contra essa tendência se partes do fascismo não fossem, também, excelentes – ao menos por algum tempo, ao menos para os privilegiados. Os italianos nos anos 1920 e os nazistas nos anos 1930, antes da II Guerra Mundial, eram, de maneira geral, povos otimistas. Uma mulher alemã, sem ter sido fascista, se recorda:

“Sob a vigência do nacional-socialismo, as vidinhas de meus amigos continuaram como sempre haviam sido, modificadas apenas para melhor, sempre para melhor, em pão e manteiga, habitação, saúde e esperança, onde quer que fossem tocadas pela Nova Ordem…”

Apesar do uso regular do termo, poucos chefes de governo atuais incorporam totalmente o espírito do fascismo. Mas isso não é razão para relaxar na vigilância. Cada passo rumo ao fascismo causa danos aos indivíduos e à sociedade. Cada um torna o passo seguinte mais curto.

Para conter seu avanço, é preciso reconhecer: déspotas raramente revelam suas intenções e líderes com inícios auspiciosos frequentemente tornam-se mais autoritários à medida que prolongam sua permanência no poder. Precisamos reconhecer também: medidas antidemocráticas muitas vezes serão bem-recebidas por parte da população em parte do tempo – especialmente quando se acha elas serem favoráveis aos seus semelhantes.

Desinformação em Redes Sociais (Feicebuque & Uotzap) publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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