J.P. Bouchaud, no artigo “A Desafortunada Complexidade da Economia”. (PhysicsWorld. Abril de 2009; pp 28-32, www.physicsworld.com), se pergunta: por onde deveremos começar? O que deve ser ensinado aos alunos, a fim de promover, em longo prazo, uma melhor compreensão a complexidade dos sistemas econômicos? A Física pode realmente contribuir para a tão esperada mudança de paradigma?
Após mais de trinta anos de “Econofísica” – o primeiro evento “econofísico” foi a conferência de Santa Fé, em 1987, embora a primeiros trabalhos científicos tenham sido escritos em meados dos anos noventa, e o nome econophysics tenha sido cunhado por Gene Stanley em 1995 – e cerca de mil trabalhos publicados, Bouchaud acha talvez seja útil dar uma visão pessoal do que foi alcançado nessa direção.
A Econofísica é ainda vista por muitos, neste momento, como um equívoco, porque a maior parte de seu escopo diz respeito aos mercados financeiros. Para alguns economistas “industrialistas”, no entanto, o financiamento (ou Finanças) é assunto de importância relativamente menor. Assim, qualquer contribuição nessa atividade, mesmo significativa, só pode ter um impacto limitado sobre a Economia em geral.
Pessoalmente, Bouchaud discorda totalmente deste ponto de vista: os recentes acontecimentos confirmam “os soluços dos mercados financeiros poderem prejudicar toda a economia”. De um ponto de vista mais conceitual, os mercados financeiros representam um laboratório ideal para testar vários conceitos fundamentais de Economia, por exemplo: o preço é realmente estabelecido de maneira tal a oferta corresponder à demanda? Ou o preço se move principalmente devido às notícias ou rumores? As respostas para ambas perguntas parecem ser claramente não. As notícias parecem jogar um papel menor na explicação de um grande salto em preço. Confirmou-se também a inadequação da ideia de a oferta e a demanda serem compensadas instantaneamente nos mercados financeiros.
Os terabytes de dados espalhados todos os dias por mercados financeiros permitem um (na verdade, obrigam um) economista comparar em detalhe as teorias com suas observações. Essa proliferação de dados deve preocupar em breve outras esferas da Economia e Ciência: cartões de crédito e e-commerce permitirão monitorar o consumo em tempo real e testar teorias do comportamento do consumidor em grande detalhe.
Então, devemos nos preparar para lidar com enormes quantidades de dados [big data], e aprender a examiná-los com tão pouco preconceito quanto possível, ainda fazendo perguntas relevantes, começando pelas mais óbvias – aquelas quase sem necessidade de algum teste estatístico porque as respostas estão claras a olho nu – e só então mergulhando em questões mais sofisticadas. A própria escolha das questões relevantes é mais uma Arte em lugar de uma Ciência. Essa intuição, parece a Bouchaud, está bem alimentada por uma educação em Ciências Naturais, onde a ênfase é colocada em mecanismos e analogias, em vez de axiomas e prova de teoremas.
Diante de uma confusão de fatos para explicar, Feynman defendeu ser mais adequado escolher um deles e tentar o melhor para compreendê-lo em profundidade, com a esperança de a teoria emergente ser tão poderosa o suficiente para explicar muito mais observações. No caso dos mercados financeiros, os físicos ficaram imediatamente intrigados por um número de fenômenos descritos por Lei de Potência [power-law]. Por exemplo, a distribuição das variações de preço, dos tamanhos das empresas e das riquezas tem uma cauda de Lei de Potência, em grande parte universal.
Na Física, uma lei é dita Lei de Potência se entre dois escalares x e y ela influencia de maneira a relação ser escrita na forma: y = a.xk onde a (a constante de proporcionalidade) e k (o expoente) são constantes.
A atividade e volatilidade mercados têm uma correlação de Lei de Potência no tempo, refletindo sua natureza intermitente, óbvia a olho nu: períodos de descanso estão entrelaçados com explosões de atividade, em todos os tempos e escalas. As Leis de Potência deixam a maioria dos economistas serena (afinal, não é só mais uma função?), mas imediatamente agitam a imaginação de físicos. A razão é muitos sistemas físicos complexos exibirem dinâmica intermitente muito semelhante: flutuações de velocidade em fluxos turbulentos, dinâmicas de avalanche em ímãs aleatórios sob uma variação externa ao campo, oscilante progressão de rachaduras em um material desordenado lentamente esticado, etc.
O ponto interessante sobre esses exemplos é, enquanto a força motriz exógena é regular e constante, a dinâmica endógena resultante é complexa e nervosa. Nesses casos, a natureza não-trivial (os físicos dizem crítica) da dinâmica vem dos efeitos coletivos: componentes individuais têm um comportamento relativamente simples, mas as interações levam a novos fenômenos emergentes. O todo é fundamentalmente diferente de qualquer um dos seus elementares componentes ou subparte. Como esse comportamento intermitente parece ser genérico para os sistemas físicos com ambas heterogeneidades e interações, é tentador pensar se a dinâmica da mercados, e mais geralmente dos sistemas econômicos, refletem os mesmos mecanismos.
Vários modelos economicamente inspirados demonstraram exibir essas características críticas. Uma é a transposição do modelo RIM (Random Field Ising Model) para descrever situações onde existe um conflito entre opiniões pessoais, informação pública e pressão. Imagine uma coleção de traders, tendo opiniões diferentes a priori, a se dizerem otimistas (comprar) ou pessimistas (vender). Os operadores de mercado são influenciados por algumas variações globais, por exemplo, taxas de juros, inflação, lucros, previsões de dividendos, etc. Mesmo não havendo diretamente nenhum choque na dinâmica endógena (saltos de preços relativos no mercado) a partir desses fatores exógenos, postula-se cada operador também ser influenciado pela opinião da maioria. As cotações oscilam não por mudanças diárias ou instantâneas nos fundamentos econômicos mais sólidos, mas simplesmente devido ao mercado de rumores, fomentados por um imaginário coletivo manipulável.
Cada operador está de acordo com isso se a força de sua opinião a priori é mais fraca face à sua tendência de rebanho ou de “seguir a manada”. Se todos os agentes pensassem isoladamente (tendência de rebanho ou comportamento de manada zero), a opinião agregada seguiria fielmente as influências externas e, por suposição, evoluiria suavemente.
Mas, surpreendentemente, se seguir a tendência (“comportamento de manada”) ultrapassa algum limiar finito, a evolução da opinião agregada salta descontinuamente de otimista para pessimista, embora os fatores globais só se deterioram lentamente e suavemente. Além disso, aparece alguma histerese.
A histerese é a tendência de um sistema de conservar suas propriedades mesmo na ausência do estímulo gerador, ou ainda, é a capacidade de preservar uma deformação efetuada por um estímulo. Podem-se encontrar diferentes manifestações desse fenômeno na Economia, por exemplo, quando a causa primária da inflação (um choque nos preços relativos provocado por quebra de oferta ou choque de demanda monetário, fiscal ou cambial) desaparece, mas a inércia inflacionária permanece. A histerese mais conhecida ocorre no magnetismo, mas também pode ocorrer em diversas áreas como mecânica clássica, tráfego, biologia, epidemiologia, entre outras.
Analogamente ao vapor supersaturado se recusar a se transformar em líquido, o otimismo é mantido de forma consistente. Para acionar o crash, fatores globais têm de degradar o ambiente muito além do ponto normal, quando então o pessimismo passará a prevalecer. Para o caminho de volta ao crescimento, esses fatores devem melhorar muito além do ponto de inflexão, para ser reinstalado o otimismo global, novamente um pouco abruptamente.
Embora o modelo seja altamente simplificado, é difícil não ver alguma semelhança com todas as bolhas na história financeira. O progressivo cálculo do montante de alavancagem utilizado pelos bancos para acumular dívidas podres deveria direcionar os mercados globais para um pouso suave e autocorretivo – assim é como se deduz da Hipótese do Mercado Eficiente. Em vez disso, a euforia coletiva exclui todos os maus presságios até se tornar totalmente insustentável o otimismo. Aí, então, qualquer evento pequeno, anedótico ou notícias insignificantes é suficiente para fusão – ou crash.
O quadro acima também ilustra de uma forma vívida a quebra de uma pedra angular economia neoclássica: quem é ou o que faz o indivíduo assumido como agente representativo? Assim como na Física, na Estatística ou na Ciência dos Materiais, um dos principais desafios teóricos em Economia é o elo entre o micro e o macro. Como se infere o comportamento agregado (por exemplo, a demanda agregada) do comportamento dos indivíduos elementares se eles forem heterogêneos em suas racionalidades e emoções? A teoria do agente representativo equivale a substituir um conjunto heterogêneo e interativo de agentes por um único representante, mas no RFIM, isso não é apenas impossível: o comportamento da multidão é fundamentalmente diferente de qualquer comportamento individual.
Econofísica publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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