sábado, 23 de fevereiro de 2019

Cruzamento na Complexidade: Aplicação Interdisciplinar da Física em Sistemas Biológicos e Sociais

Ignazio Licata and Ammar Sakaji são os editores do livro “Crossing In Complexity: Interdisciplinary Application Of Physics In Biological And Social Systems” (New York: Nova Science Publishers, Inc.; 2010). No Prefácio anunciam: “alguém disse: a Física é o que os físicos fazem. São capazes de ler (ou até mesmo reler) qualquer revisão da Física do passado e encontrar documentos tratando de tópicos normalmente não relacionados ao campo ‘tradicional’ da Física como: DNA e dobramento das proteínas, organização de ecossistemas, flutuações de mercado, topologia web, evolução da linguagem, sistemas biológicos e agentes cognitivos. Recentemente, uma nova Física da Emergência está em desenvolvimento. Ela visa investigar as hierarquias entrelaçadas da evolução de sistemas complexos”.

O conceito de emergência surgiu em primeiro lugar no estudo das transições de fase em processos coletivos. Desde então, mudou-se para novos problemas e sugeriu novas ferramentas matemáticas. Elas estão redefinindo os temas e o próprio estilo da Física Teórica.

A velha abordagem reducionista está lado a lado com uma nova sensibilidade metodológica (holística), onde o conhecimento não é uma cadeia teórica ascendente (com “causação de baixo para cima” como no individualismo metodológico) a partir da análise dos “tijolos do mundo” (múltiplos componentes de um sistema componente) e progressivamente incluindo escalas mais amplas e mais amplas. Ao lidar com sistemas complexos, é necessário adotar uma pluralidade complementar de abordagens e fazer uma utilização dinâmica de modelos ligados às características múltiplas do sistema em consideração. A grande maioria dos sistemas interessantes permanece invisível quando estão investigados segundo a visão reducionista e os métodos formais tradicionais.

A ideia chave é: quanto mais um sistema é complexo, mais as perspectivas para observá-lo terão de aumentar. Através de tais perspectivas, o sistema mostrará os recursos e os níveis de organização impeditivos de ser claramente “separado” e resolvido por um único modelo, baseado naquele tradicional de elaborar uma boa equação “fundamental” da Física Teórica. O resultado é o chamado de “Física das Portas Deslizantes”.

Ao discutir com os defensores do determinismo, William James escreveu profeticamente:

“A atração da palavra ‘chance’ parece estar baseada no pressuposto de ter algum significado (…) de um tipo intrinsecamente irracional e absurdo. Agora, o acaso não significa nada desse tipo. (…) Tudo o que o caráter de chance afirma sobre o acaso é haver algo nele realmente próprio, algo sem ser uma propriedade incondicional do todo. Se o todo quer essa propriedade, o todo deve esperar até poder obtê-lo” (O Dilema do Determinismo em Ensaios sobre Pragmatismo).

O objetivo desse livro é apresentar alguns tópicos particularmente importantes para explorar o arquipélago da Complexidade, prometendo uma nova visão interdisciplinar da Physis. Passou a ser conhecida como Física Social – ou Econofísica pelos economistas.

Como amostra dessa fronteira de conhecimento, resenharei aqui o capítulo “A Desafortunada Complexidade da Economia”. Este artigo apareceu pela primeira vez em PhysicsWorld (Abril de 2009; pp28-32, www.physicsworld.com) com a autoria de J.P. Bouchaud (Ciência & Finanças, Paris – França)

Este artigo é uma continuação de um breve ensaio publicado na Nature 455-1181 (2008). Está cada vez mais claro a dinâmica errática dos mercados ser principalmente endógena e não devido ao processamento racional de notícias exógenas. Bouchaud elaborou a ideia baseada no problema da Física denominado spin-glass. Vidro de spin (do inglês spin glass) é um sistema magnético no qual, no conjunto, os acoplamentos entre os momentos magnéticos dos distintos átomos são aleatórios nas interações de troca de sinal variável, tanto ferromagnético como antiferromagnético, e apresenta um forte grau de frustração aumentado por desordem estocástica.

Nessa dinâmica errática dos mercados a combinação de concorrência e heterogeneidades genericamente leva a longas épocas de estados interrompidos por crises e hipersensibilidade a pequenas mudanças do ambiente. Essas figuras da Física poderiam ser metáforas para a complexidade dos sistemas econômicos. Bouchaud argumenta a contribuição mais valiosa da Física para a Economia pode acabar sendo de natureza metodológica. Modelos simples de simulações numéricas, baseadas em Física do agente, embora altamente estilizadas, são mais realistas em lugar dos modelos tradicionais de Economia. Estes assumem agentes racionais com previsão infinita e habilidades de processamento computacional também infinitas.

A atual crise terrível coloca o pensamento neoclássico de Economia sob enorme pressão. Em teoria, mercados desregulados deveriam ser eficientes, agentes racionais corrigiriam rapidamente qualquer erro de cálculo ou erro de previsão. O preço refletiria fielmente a realidade subjacente e garantiria uma ótima alocação de recursos. Estes mercados “equilibrados” deveriam ser estáveis: as crises só poderiam ser desencadeadas por distúrbios exógenos agudos, como furacões, terremotos ou distúrbios como agitações político-sociais, mas certamente não precipitadas pelo próprio mercado.

Isto tudo está em contraste gritante com a maioria dos acidentes (crashes) financeiros, incluindo o mais recente em 2008. A teoria do equilíbrio econômico e expectativas racionais, como formalizado desde os anos 50 e 60, tem influenciado profundamente tomadores de decisão no topo das agências governamentais e instituições financeiras. Alguns deles estão agora “em estado de descrença chocada”, como declarou Alan Greenspan, quando admitiu ele ter colocado muita fé no poder de autocorreção dos mercados livres e não conseguira antecipar o poder autodestrutivo dos empréstimos hipotecários devassos.

As teorias econômicas acabam tendo um impacto significativo em nossa vida cotidiana. Os últimos vinte anos de desregulamentação foram motivados pelo argumento de as restrições de todos os tipos eram obstáculos para os mercados, impedindo-os de alcançarem seu equilíbrio supostamente perfeito, um estado eficiente. A teoria das Expectativas Racionais permeou a Economia Política Internacional, Sociologia, Direito, etc.

Infelizmente, nada é mais perigoso do que “dogmas revestidos com penas científicas”. A crise atual pode oferecer uma excelente ocasião para uma mudança de paradigma, inclusive porque, no passado, economistas como John Maynard Keynes e outros heterodoxos enfatizaram fortemente as deficiências e contradições das economias de mercado, mas o progresso teórico tem sido lento por causa da resistência ideológica dos neoliberais.

Claro, é tudo mais fácil dizer do que fazer. A tarefa parece ser tão formidável a ponto de alguns economistas argumentarem ser melhor ficar com uma teoria implausível, baseada na premissa agentes perfeitamente racionais, em vez de se aventurar em modelar o número infinito de maneiras pelas quais os agentes podem ser irracionais.

Cruzamento na Complexidade: Aplicação Interdisciplinar da Física em Sistemas Biológicos e Sociais publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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