sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Risco do Regime de Capitalização

Faço uma crítica contumaz à tentativa da equipe econômica da Escola de Chicago de implantar à força militar, ou seja, à la chilena, uma economia de mercado de capitais (renda variável) em lugar de uma economia de endividamento (renda fixa).

Aqui no Brasil, ao contrário dos EUA nos primórdios (século XIX), a distribuição de renda e riqueza é péssima — a 19a. pior entre 156 países. Então, a maior parte da população ocupada (90%) não investe nem fundos e nem em títulos e valores mobiliários. Com um mercado de ações muito restrito, fica sujeito ao entra-e-sai de investidores estrangeiros. Eles movimentam 50% do valor negociado a cada dia. Fatores exógenos ao país afetam esse mercado, independentemente dos fundamentos da economia brasileira.

Daí o risco “chileno” de atrelar as futuras aposentadorias à volatilidade desse mercado de capitais. De imediato, haverá um “choque de demanda” pelos poucos ativos existentes, provocando artificialmente um boom e uma euforia do enriquecimento fácil. Depois do descolamento dos fundamentos, qualquer choque (ou notícia escandalosa) levará ao crash. Daí, os aposentados com a queda brutal do padrão de vida se matam!

Gabriela Santos (Valor, 19/02/19) informa a respeito da volatilidade e perda de capital no mercado acionário norte-americano. É uma boa amostra do risco do regime de capitalização, onde os especuladores insiders ganham e os “eleitores do capitão” e outros outsiders perdem.

O pêndulo do sentimento do investidor balança longe demais na direção do medo e do pessimismo. Acreditam na inevitabilidade de uma recessão imediata e fogem de ativos de risco, como ações e crédito privado (debêntures). Por isso isso, o mercado acionário americano sofreu uma queda de quase 20% desde um pico no dia 20 de setembro até um vale na véspera do Natal, e teve o seu pior mês de dezembro desde 1931.

Esse comportamento no mercado americano faz sentido? Os momentos de volatilidade são normais na renda variável, mesmo assim é muito raro ver uma queda tão forte no mercado americano. Desde 1945, as ações americanas sofreram quedas de mais de 20% somente 13 vezes e, em 11 dessas vezes, a economia estava em recessão.

Os movimentos dos ativos americanos de risco no final do ano passado foram extremos demais. De fato, no início de 2019, a bolsa americana subiu quase 6% no mês de janeiro. Mesmo assim, a bolsa voltou somente a seus níveis do começo de dezembro e seus “valuations” permanecem abaixo da sua média histórica.

Depois desta montanha-russa de emoções e de retornos, é compreensível querer abandonar investimentos globais e voltar depois, quando o panorama externo ficar mais claro. Porém, é extremamente difícil acertar esse “timing“: ou seja o momento de saída e depois de entrada.

Geralmente, os melhores dias do mercado estão colados aos piores dias, com seis dos dez melhores dias ocorrendo dentro de duas semanas dos dez piores dias. Com isso, quem perde o ruim, perde o bom também, com efeitos muito negativos para o retorno de sua carteira.

Nos últimos 20 anos, um investidor em ações americanas poderia ter ganho um retorno anual de 5,6% se estivesse investido durante todo esse período. Ao contrário, um investidor ao tentar entrar e sair do mercado poderia ter perdido os 20 melhores dias e, com isso, gerado um retorno negativo para sua carteira nesse mesmo período.

É fundamental permanecer investido: infelizmente, não podemos controlar os extremos de emoções dos outros — e de O Mercado, esse ser divino, sobrenatural, onipotente, onisciente e onipresente –, mas podemos controlar as nossas próprias decisões.

Isso se um capitão desqualificado e sua equipe econômica ultraliberal, paradoxalmente, impor uma regulação contra os interesses de pelo menos 45% do eleitorado brasileiro!

Adriana Cotias, Flávia Furlan e Sérgio Tauhata (Valor, 21/02/19) vendem otimismo para O Mercado. Afirmam: “o pilar da capitalização na reforma do sistema público de aposentadorias vai levar o mercado a criar produtos simplificados e mais acessíveis para o trabalhador brasileiro”.

E noticiam mais uma reivindicação de O Mercado: “se a regulamentação impedir quem for para esse regime de capitalização fazer resgates caso necessite antes de se aposentar, será possível ter planos mais eficientes e com custos menores do que os atuais”. 🙂

A lógica de O Mercado é seu “bolo” crescer progressivamente antes de começar a pagar benefícios de fato. Na Previdência Complementar, embora o investidor seja penalizado pela tributação por saques em período inferior a dez anos, é possível tirar o dinheiro depois de 60 dias da contratação de um PGBL ou VGBL.

Na proposta de reforma enviada pelo governo do capitão ao Congresso, entre as principais premissas do sistema de capitalização está a livre escolha, pelo trabalhador, da entidade ou modalidade de gestão das reservas, e com portabilidade.

Valerá para os futuros ingressantes no mercado de trabalho, se a reforma for aprovada sem modificações, bem como a legislação complementar.

O Mercado “lambe os beiços”! Segundo um executivo ligado à área de previdência de um grande conglomerado financeiro, “as instituições financeiras que oferecem planos de previdência tendem a abarcar um público hoje fora do seu radar, porque a escolha da capitalização será voluntária e alternativa ao sistema de repartição”.

A popularização dos planos deve passar por estratégias de Educação Financeira para a construção de reservas de longo prazo e também por uma revisão de custos. Talvez tenha uma forma de entrada mais baixa, um preço mais adequado pela distribuição, além de acesso simplificado à informação.

Uma questão a ser esclarecida, porém, é se vai ser possível fazer resgates ou não antes da aposentaria. “Se não tiver esse tipo de flexibilidade porque é uma aposentadoria social e só permitir a portabilidade, então, por um tempo só entra dinheiro no mercado, um ritmo de crescimento de receita que permite ter estratégias muito mais complexas (e arriscadas) pelas características de longo prazo. Sem a necessidade de liquidez, isso permite fazer gestão mais arriscada dos recursos, alcançar melhores retornos.” 🙂

O especulador profissional ressalva por ora não dar para ir para prancheta e criar produtos novos pois ainda falta a regulamentação para dimensionar o papel das entidades de previdência públicas e privadas.

Obviamente, “o sistema de capitalização será positivo para a indústria de previdência privada no curto e talvez médio, mas não no longo prazo”. Apesar de as regras ainda não estarem claras, “a proposta tem atratividade para o setor”.

Uma outra fonte do segmento diz que O Mercado deve participar da capitalização, entretanto, “se a conta fechar”, o que dependerá das taxas cobradas. De acordo com esse profissional, com a baixa Educação Financeira da população é importante colocar alguns limites para a aplicação dos recursos, de acordo com o perfil de risco do contribuinte.

“Regras muito abertas para aplicação desses recursos da capitalização pelas entidades de Previdência Privada trazem riscos muito grandes para o próprio sistema.”

A tendência é o enquadramento de perfil de risco hoje usado pelo mercado de investimentos em geral também estar presente na nova previdência, diz outro profissional do setor.

As instituições com programas estruturados tendem a sair na frente com o novo modelo de previdência pública pois já têm um portfólio para apresentar. “Talvez a oferta de planos se estenda para as camadas inferiores”, diz o esnobe. “Cada um vai ser responsável pela sua reserva matemática no futuro. Torna inevitável o trabalhador começar acumular reservas próprias e é mais fácil ele se apoiar nas entidades privadas.” Está entendendo a pressão de O Mercado para essa Reforma da Previdência?

Em paralelo, dentro do sistema de capitalização, o governo previu um programa nocional, com reserva de custeio do Tesouro Nacional. Na prática essa perna funcionaria como uma camada de segurança. Ela daria conforto ao perfil mais conservador, com o dinheiro corrigido provavelmente com base numa referência de mercado considerada livre de risco, como os títulos públicos pós-fixados.

“Quem quiser, usa o regime do governo (renda fixa) ou vai para um programa do setor privado (renda variável).” Na verdade, esse fundo do Tesouro Nacional é para pagar o salário mínimo para quem perdeu toda sua aposentadoria no mercado de capitais.

Há também maior tração para a criação de planos fechados por grandes companhias.

“Quando entrar no mercado de trabalho, quem for para a capitalização vai poder escolher onde deixar o dinheiro em entidade regulada e ter livre arbítrio para também escolher o melhor gestor”. De repente, uma população com analfabetismo funcional, 55% capaz de vota no capitão, vai agir como tivesse Educação Financeira! Só.

O regime de capitalização é uma alternativa à repartição. Nesse modelo, tão logo tenha a sua primeira carteira de trabalho assinada, o participante terá de escolher para qual regime vai contribuir. Isso tem consequências importantes, porque jovens imaturos de 18 ou 19 anos terão de fazer a opção muito cedo. Isto em uma fase da vida quando a renda costuma ser menor, não tendo a opção de migrar para o outro regime depois.

Como cerca de 80% da população ganha até dois salários mínimos, a tendência é as classes menos favorecidas optarem pelo regime de repartição, enquanto quem detém renda mais elevada vai para a capitalização. O grande receio das pessoas, a exemplo do que aconteceu no Chile, é a capitalização no fim da vida gerar uma renda menor daquela com a qual foi construída.

Apesar da ideia da capitalização parecer ser viável diante das mudanças etárias na população brasileira, mas não em termos da concentração de renda, ainda faltam informações sobre:

  1. as garantias a serem dadas ao trabalhador em caso de falência da entidade que administrará os recursos (como os montepios do passado),
  2. o percentual das contribuições e se o próprio empregador também efetuará recolhimentos para o empregado como ocorre no caso de fundo de pensão empresarial fechado.

Risco do Regime de Capitalização publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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