quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Determinantes Estruturais da Inflação

Sergio Lamucci (Valor, 04/02/19) informa: a inflação tem rodado em níveis baixos no Brasil, uma melhora que se deve em grande parte a fatores estruturais, ligados à dinâmica benigna dos preços dos serviços e dos núcleos. Segundo estudo do Goldman Sachs, esse comportamento aponta para um quadro inflacionário mais favorável para 2019, num momento em que as expectativas estão bem ancoradas, com credibilidade elevada da política monetária.

Em 2018, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou
em 3,75%, bem abaixo dos 4,5% da meta perseguida pelo Banco Central (BC).
Para 2019, analistas apostam num IPCA de 4%, um número também inferior
ao alvo deste ano, de 4,25%. A recuperação lenta da atividade, numa economia com elevada capacidade ociosa, aponta para um ambiente inflacionário tranquilo.

Em 2017, a melhora no cenário de inflação se deveu em boa medida a um fator cíclico – os preços extraordinariamente baixos dos alimentos, diz o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs. Em 2018, por sua vez, o processo foi liderado e consolidado pelos preços de serviços e pelos núcleos – medidas que buscam reduzir a influência dos itens mais voláteis.

A inflação ancorada em fatores mais estruturais do que cíclicos também se observa nos outros principais países da região que adotam o regime de metas, aponta o relatório de Ramos. Além do Brasil, isso ocorre em Chile, Colômbia, Peru e México. “O atual pano de fundo de inflação baixa está ancorado em componentes tradicionalmente mais estáveis e rígidos: os núcleos e os serviços”, reitera Ramos, ao comentar o cenário para os índices de preços nessas cinco economias latino- americanas.

Desse modo, trata-se de um processo mais estrutural, baseado em itens que mostram elevada inércia, segundo ele. A inércia é o fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura. O fato de o IPCA de 2017 ter ficado num nível baixo ajudou o indicador a ter uma variação modesta em 2018. O mesmo tende a ocorrer neste ano, devido à inflação também controlada do ano passado.

O comportamento extremamente favorável dos serviços e dos núcleos se deu num momento em que os preços de alimentos ganharam fôlego, destaca Ramos. Em 2017, o item alimentação no domicílio teve deflação de 4,9%; em 2018, houve alta de 4,5%. Os serviços (que reúnem itens como aluguel, empregado doméstico, cabeleireiro e conserto de automóvel) passaram de um aumento de 4,5% em 2017 para uma elevação de 3,3% em 2018. Uma média de sete medidas de núcleo do IPCA também perdeu força – depois de avançar 3,2% em 2017, teve alta de apenas 2,8% no ano passado, abaixo até mesmo do piso da banda de tolerância da meta, de 3%.

Nesse cenário, o IPCA “cheio” subiu de 2,95% para 2017 para 3,75% em 2018, um avanço bastante moderado, apesar de o item alimentação no domicílio ter passado por uma forte aceleração. Vale notar também que a inflação do ano passado poderia ter sido menor, não fosse o efeito da greve dos caminhoneiros. Ocorrida no fim de maio, a paralisação pressionou os preços de alimentos, levando o IPCA de junho a subir 1,26%. Para o economista Fabio Romão, da LCA Consultores, o indicador acumulado no ano poderia ter sido 0,5 ponto percentual menor se não houvesse o impacto da greve, ou seja, teria ficado na casa de 3,25%. 

Ramos projeta um IPCA na meta neste ano, em 4,25%, mas considera possível um número inferior a esse. “Pode ser 4% ou até abaixo de 4%”, afirma ele, ressalvando, porém, que as empresas poderão tentar recompor margens depois de cinco anos muito ruins em termos de atividade – houve uma grave recessão entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016, período seguido por dois anos de crescimento fraco – em 2017, o PIB avançou 1,1% e, em 2018, a expansão deve ter ficado na casa de 1,3%, de acordo com as projeções dos analistas. Para 2019, Ramos projeta um avanço do PIB de 2,6%.

Economista da Tendências Consultoria, Marcio Milan ressalta que a inflação sob controle ocorre num cenário de retomada muito lenta da atividade. O núcleo IPCA EX 3, que reúne os serviços e bens industriais mais sensíveis ao ciclo econômico, fechou 2018 em alta de apenas 2,25%, um número ainda menor que os 2,82% do ano anterior.

“Os serviços e os núcleos, que tentam expurgar choques de curto prazo do IPCA, mostram um quadro bastante cômodo”, afirma Milan. Ele lembra da diferença de comportamento entre os preços livres e os preços administrados (como tarifas públicas). No ano passado, os primeiros, que são determinados pelas forças de mercado, subiram apenas 2,91%, enquanto os administrados tiveram alta de 6,22%.

Para 2019, Milan espera que o IPCA fique em 4,1%, num ambiente de uma aceleração moderada do crescimento – a Tendências estima que a economia tenha crescido 1,2% no ano passado e que vai avançar 2% neste ano. Na visão de Milan, o BC só elevará a Selic, hoje em 6,5% ao ano, em 2020.

Ramos, por sua vez, trabalha com elevações da Selic a partir do fim do ano, que levariam a taxa a terminar 2019 em 7,25%. Ele não descarta, porém, que os juros fiquem inalterados neste ano. O economista do Goldman Sachs observa que, com a inflação baixa e ancorada de modo mais estrutural, vários BCs latino-americanos ganham mais liberdade para adiar o começo do processo de normalização dos juros ou para elevá-los num ritmo muito gradual – tudo isso num quadro de expectativas comportadas e credibilidade elevada da política monetária.

Por fim, Ramos adverte para o risco de que uma situação fiscal delicada, como a do Brasil, coloque em risco os árduos ganhos estruturais de queda da inflação. Enfrentar o desequilíbrio das contas públicas é fundamental para preservar os índices de preços em níveis baixos e mais estáveis.

Determinantes Estruturais da Inflação publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário