segunda-feira, 11 de maio de 2020

Política Monetária e Finanças

Carlos Kawall é diretor do ASA Bank. Foi secretário do Tesouro Nacional e meu ex-colega no Doutorado do IE-UNICAMP. Luiz Fernando Figueiredo é CEO da Mauá Capital. Foi diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil.

Carlos Kawall e Luiz F. Figueiredo (Valor, 02/04/2020) há mais de um mês defenderem em um artigo a queda da Selic ser mais urgente que a do juro longo. Compartilho abaixo o artigo representativo de ex-tecnocratas hoje em O Mercado.

“Nas últimas semanas, observou-se um consenso crescente quanto à necessidade de medidas fiscais e creditícias de emergência para enfrentar a crise da covid-19. No plano fiscal, o consenso é que medidas emergenciais, eventualmente tratadas via PEC em um “orçamento de guerra”, não devem comprometer o ajuste estrutural em curso, expresso no teto de gastos, na reforma da previdência e nas PECs que atualmente tramitam no Senado, notadamente a emergencial e a do pacto federativo.

Mas no Brasil, ao contrário do resto do mundo, há enorme polêmica para usar com mais intensidade a política monetária, mesmo a convencional (queda da Selic), sendo o ponto principal o efeito desta medida nas condições financeiras.

Na ata da última reunião do Copom, surgiu a preocupação quanto à possibilidade de que cortes adicionais de juros pudessem ter efeito “contraproducente e resultar em apertos nas condições financeiras, com resultado líquido oposto ao desejado”. Entendemos serem dois os canais pelos quais isso pudesse ocorrer: caso houvesse aumento considerável da inclinação da curva de juros, com os juros longos abrindo, e/ou no caso de desvalorização do real em função da redução do diferencial de juros.

Acreditamos que esta preocupação é relevante, mas que carece de sustentação empírica. Analisamos, para ilustração, a decomposição do indicador de condições financeiras (ICF) introduzido pelo próprio BC no último Relatório de Inflação. A piora do ICF observada nas últimas semanas foi decorrente principalmente da elevação de medidas de risco (CDS e VIX), mercados de capitais (bolsas internacionais e Ibovespa), moeda (índices dólar e BRL) e, em menor medida, preços de commodities. Inclusive, houve recuo de parte desse movimento desde a última reunião do Copom.

A maior parte destes indicadores reflete a dinâmica externa. Dos movimentos que poderiam ser resultantes da política monetária doméstica, temos o movimento recente do CDS brasileiro, mas este tem se mostrado em linha com outros emergentes, não parecendo refletir algum componente idiossincrático brasileiro. Sobra então o câmbio. Será que sua piora recente foi, de fato, consequência do reduzido diferencial de juros entre Brasil e restante do mundo, podendo piorar sobremaneira no caso de quedas adicionais da taxa Selic?

Para responder a esta pergunta, usamos o Estudo MCM 543, onde os autores decompõem a variação cambial em uma série de condicionantes financeiras. No ano, mais de 70% do movimento da moeda brasileira parece responder a quedas nos preços de commodities (em março, como os autores enfatizam, tal percentual alcançou 77%). Já o diferencial de juros parece responder por apenas 16% do movimento recente da moeda.

Entendemos que negar a importância da queda da Selic desconsidera seu efeito estimulativo direto, uma vez que parcela muito elevada da dívida corporativa e do crédito concedido às pessoas jurídicas é indexada ao CDI. Lembramos ainda que há operações contratadas em percentual do CDI, caso em que o alívio ocorreria inclusive no spread. Segundo a Anbima, mais de 80% dos títulos corporativos são atrelados ao CDI, com a maior parte (55% do total) concedidos como percentual do CDI.

Hoje, é mais necessário do que nunca que as empresas consigam acesso a empréstimos de capital de giro (feitos em geral em CDI), como aliás proposto pelo governo na linha de crédito do BNDES para pagamento de folha, ou seja, a queda da Selic é mais urgente do que a redução do juro longo.

Do ponto de vista do fundamento, observamos nesta semana as expectativas no Focus apontarem PIB negativo para 2020 e a continuidade da queda da expectativa de inflação para este e o próximo ano. Muitos analistas já projetam forte queda da média dos núcleos de inflação para este ano, para nível menor do que o piso da meta de inflação (2,5%). Observa-se também redução das inflações implícitas, que se encontram muito abaixo das metas de 2020 e 2021, com o nível elevado das taxas de nominais indicando aumento de prêmios de risco.

Há risco de desancoragem da inflação para baixo, o que elevaria o juro real e reduziria o grau de estímulo monetário, em circunstância de provável queda do juro real neutro de curto prazo. Não há risco inflacionário, e sim o de redução do estímulo monetário.

Vale também citar a experiência de outros bancos centrais de países emergentes, que estão enfrentando a atual crise em condições similares ao brasileiro. Nestes casos, não parece haver constrangimento do uso da política monetária. Destacamos que os BCs da Tailândia, Polônia, Hungria, México, Chile, Peru e Colômbia tomaram decisões de política monetária em reuniões extraordinárias, reconhecendo a gravidade da crise e, com exceção das autoridades monetárias do Brasil e da Rússia, as indicações são de mais, e não menos, reduções de juros à frente.

Lembramos que na crise de 2002 tivemos uma importante experiência em que o Banco Central, em coordenação com o Tesouro Nacional, atuou via troca de títulos longos por papéis mais curtos ou LFT, reduzindo prêmios de risco, no mesmo formato de políticas não-convencionais agora adotadas por diversos bancos centrais, inclusive emergentes.

Nesse contexto, o papel da política monetária é extremamente relevante, não só no formato convencional (redução do juro básico), como também por intermédio de medidas de expansão do balanço do BC, comprando títulos de dívida corporativa ou mesmo dívida pública, caso persista o quadro de disfuncionalidade do mercado de juros. Aqui julgamos de grande importância a PEC proposta pelo governo permitindo ao BC comprar títulos de crédito, sendo a sua aprovação necessária em caráter emergencial. É um momento de “whatever it takes”.

Política Monetária e Finanças publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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