sábado, 16 de maio de 2020

O Coronavírus e a Bolha

Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ. É um economista ortodoxo atualizado com o debate internacional mais pragmático e menos ideológico. Abandona a Teoria dos Fundos de Empréstimos e percebe as ações discricionárias dos Bancos Centrais. Confira abaixo parte de seu artigo (Valor, 17/03/2020) a respeito da conjuntura atual.

“Desde a grande crise financeira de 2008-09, como se sabe, o mercado financeiro mundial trabalha com taxas de juros muito baixas. Em certo momento, inclusive, foram mais de US$ 17 trilhões em títulos que rendiam taxas de juros nominais negativas. Há quem atribua isso a um processo de estagnação secular: com o mundo fadado a crescer pouco e a ter inflação baixa, e os setores que mais crescem sendo os de tecnologia, em que o uso de capital é baixo, a demanda por investimento é baixa, a poupança é alta, e com isso os mercados operam com juros baixos.

Eu tendo a uma interpretação distinta. Credito os juros baixos mais à atuação dos bancos centrais, que não só colocaram os juros de curto prazo muito para baixo, em alguns casos para valores negativos, como emitiram trilhões de dólares para comprar títulos longos, trazendo toda a curva de juros para baixo.

Para mim, os juros baixos não refletem o que os investidores esperam da economia, mas sim das futuras ações dos bancos centrais. Afora a regulação de investidores institucionais, só isso explica se investir dinheiro em papéis que pagam juros negativos.

Criou-se então um círculo vicioso entre os bancos centrais e o mercado que gerou uma bolha de dívida, pública e privada. Parte desse processo se deu com as empresas se endividando para recomprar suas ações, o que alimentou muito a alta das bolsas. Outra parte, com empresas de alto risco emitindo volumes gigantescos de títulos de dívida. Exemplos do que se passou a chamar “search for yield” (busca por retorno).

Enquanto esse processo dependeu apenas dos bancos centrais, houve sustos, que foram breves e controláveis. Sempre que os investidores começavam a perder interesse em papéis de risco, inclusive ações, o banco central emitia mais dinheiro, baixava o retorno de outros títulos e a festa continuava.

O coronavírus trouxe, porém, um outro tipo de choque: ele faz com que as empresas não tenham receita, pois os clientes não compram, ou porque os trabalhadores estão de quarentena. Pensem, por exemplo, nas companhias aéreas. Sem receita, e muitas pessoas sem renda, os devedores não têm como honrar suas dívidas.

A esse choque se somou a briga entre a Rússia e a Arábia Saudita: os produtores de petróleo americanos são grandes devedores e a queda do preço do petróleo compromete sua capacidade de honrar suas dívidas.

Vai dar um bocado de trabalho controlar esses choques no mercado financeiro e há um risco considerável de muitas empresas falirem. O banco central americano (Fed) trouxe os juros de lá para zero, mas as bolsas caíram mesmo assim.

A pergunta que me coloco, portanto, é se, passado o pior da pandemia global, a relação entre bancos centrais, investidores e tomadores de dívidas voltará a funcionar como antes.”

O Coronavírus e a Bolha publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário