A pandemia do coronavírus tem levado a convergências políticas até poucos meses inimagináveis em um país polarizado como o Brasil. Pelo menos duas ações aprovadas até agora no Congresso – o seguro de R$ 600 para os trabalhadores informais e a distribuição de alimentos da merenda escolar a quase 39 milhões de crianças e adolescentes da rede pública de ensino – são fruto de um amplo debate entre partidos de esquerda e centro, preocupados com a falta de comando nacional.
Muitas dessas propostas de políticas públicas brotaram da Fundação Perseu Abramo (FPA), a instituição criada pelo PT em 1996 para pesquisa e formação política. Agora comandada por Aloizio Mercadante, ex-ministro da Casa Civil e da Educação no governo Dilma Rousseff, a fundação vai se dedicar integralmente à formulação de políticas públicas e saídas para a crise.
Após um longo período de reclusão após ter sido concluído o processo de impeachment de Dilma Rousseff, e alvo de muitas críticas sobre a condução política em um governo golpeado sem apoio do Congresso, Mercadante adota hoje um tom moderado e sereno, e ressalta a necessidade de manter o diálogo em curso com “liberais e conservadores” para enfrentar a covid-19.
Mas não deixa de demonstrar total perplexidade com o presidente Jair Bolsonaro. “Uma coisa que aprendi na vida pública é que quando você cai num buraco, a primeira coisa que tem que fazer é largar a pá e parar de cavar. A sensação que eu tenho, do Bolsonaro, é que ele largou a pá e pegou uma retroescavadeira”, disse ao Valor.
O Brasil, segundo ele, tem uma situação de fragilidade ímpar porque enfrenta agora quatro crises. Elas se retroalimentam: a de saúde pública, a econômica, a financeira e a política, com a instabilidade constante provocada por Bolsonaro, “um presidente com comportamento insano”, para quem ele até faz uma rima: “o terraplanista sanitário cada vez mais solitário”.
Ele diz não saber como as instituições vão equacionar o fator Bolsonaro. “A precariedade deste governo está ficando absolutamente transparente. E não é só a oposição e a esquerda que reconhecem isso. Há setores liberais indignados com essas atitudes do presidente.”
Mercadante evita falar sobre articulações políticas em curso e sobre um eventual impeachment de Bolsonaro. Mas deixa claro haver algo novo no ar. “Estamos abertos a dialogar com quem tiver interesse, na academia e fundações partidárias, para buscar respostas. No fundo, é o seguinte: precisamos de uma frente ampla para enfrentar essa crise e sustentar a democracia no Brasil. E precisamos de uma frente de esquerda para mobilizar e defender os setores populares, os direitos, e pensar eleitoralmente o futuro. São níveis de articulação que precisam se complementar.”
O foco da FPA, a ser comandada por Mercadante durante quatro anos, é discutir saídas emergenciais para a crise e, depois, propor alternativas de recuperação econômica. Economista, autor de ideias controversas, como a decisão histórica do PT de se opor ao Plano Real em 1994, ele assegura haver dois caminhos para mitigar os efeitos da catástrofe mundial provocada pelo coronavírus: “É New Deal agora e, na saída [quando se iniciar o processo de recuperação econômica], Plano Marshall”.
Gabriel Vasconcelos (Valor, 17/04/2020) informa: aos 78 anos, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Von Doellinger, comanda a gestação de uma proposta chamada de “Plano Marshall” para reconstruir a economia brasileira após o fim da crise do novo coronavírus.
De acordo com o presidente do Ipea, todas as diretorias do instituto estão mobilizadas e devem começar a entregar relatórios nas duas próximas semanas. O documento finalizado chega à mesa do ministro da Economia, Paulo Guedes, no início de junho. Doellinger se recusa a projetar um valor para o plano, o que seria um “chute irresponsável”.
Ainda assim, diz o mundo inteiro trilhar esse caminho. Portanto, o Brasil deve fazer o mesmo, guardadas as limitações ficais. “Os Estados Unidos fecharam em US$ 2 trilhões, a Alemanha fala em mais de US$ 800 bilhões. Nós vamos poder fazer um pacote na casa dos bilhões [de dólares]”.
O economista mencionou: quatro eixos devem nortear a proposta.
O primeiro seria a criação e indução de crédito para reerguer atividade produtiva e reconstituir cadeias comprometidas, sobretudo na indústria e nos serviços.
O segundo eixo também diz sobre linhas de crédito, mas para normalizar atividades exportadoras e reabilitar as vendas do país ao nível pré-crise. O eixo seria atravessado por um trabalho de promoção no exterior e diversificação da pauta de exportações, para aproveitar espaços deixados por outros países.
O terceiro eixo prevê investimentos em infraestrutura mediante esforço do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e indução do setor privado. Isso envolveria a remodelagem de parcerias público-privadas (PPPs) para torná-las mais atraentes em um cenário de turbulência residual. Voltam à baila setores que são alvos do governo desde o seu início: saneamento básico, habitação e demais infraestruturas urbanas – para Doellinger, as PPPs começavam a deslanchar, sendo interrompidas pela crise.
O quarto e último eixo traz o “reforço” de programas sociais com atenção a políticas de emprego. O economista ainda não se debruçou sobre as consequências da covid- 19 para a taxa de desemprego, mas diria que pode ficar entre 13% e 14%, o que exigirá “esforço respeitável de reversão”.
“O governo pode ou não acolher todas as nossas ideias, mas a nossa missão é oferecer um planejamento sólido para a reconstrução da economia quando tudo isso acabar”, afirma Doellinger. Ele trabalha com a perspectiva de que o ciclo mais agudo do vírus no Brasil dure no máximo três meses, se encerrando, portanto, dentro de 60 dias.
Após esse período, afirmou, devem ser colocadas medidas econômicas mais amplas, que vão além do que está sendo feito, com caráter emergencial. “Até aqui as medidas são como um analgésico para atenuar o sofrimento da população, evitar a fome e preservar empregos. A reconstrução começa depois”, diz. Ele elogia ainda a atuação da Caixa Econômica Federal e diz concordar com pacotes paulatinos à população e empresas em ordem de prioridade.
O plano a ser proposto pelo Ipea envolverá novos gastos na casa das centenas de bilhões e, por isso, Doellinger diz que é imprescindível concluí-lo inteiramente em 2020, a fim de não comprometer as contas federais dos anos seguintes. “Não se pode, em hipótese alguma criar gastos permanentes. É o que os Estados querem impor com a proposta de recomposição de receitas. Isso é inviável, vai contra o que o governo fez até aqui. O socorro tem que existir e o governo está providenciando, inicialmente na casa dos R$ 50 bilhões. Além disso haverá suspensão do pagamento de dívidas. Mas, recomposição de receitas não dá”, critica.
A maior parte do valor a ser injetado no pós-pandemia viria por meio endividamento, elevando a dívida bruta para “muito acima dos 80% do PIB”. Em 2019, este percentual foi de 75,8%. O déficit primário, disse, poderá ficar entre 8% e 8,5% do PIB, acima mas não distante, portanto, dos R$ 600 bilhões previstos pelo secretário do Tesouro Mansueto Almeida.
O economista também considera como fontes elegíveis os instrumentos multilaterais dos quais o Brasil faz parte e reservas internacionais, que considera “em boa conta, seguramente acima dos US$ 350 bilhões”. “A hora para isso [utilização de reservas] é essa”, frisa.
Sobre a projeção de queda do PIB de até 3%, caso o bloqueio da economia permaneça no nível atual pelos próximos dois meses, o economista calcula que, no desagregado, o PIB da indústria e dos serviços devem recuar, ambos, 1,5% e que a agropecuária deve defender um crescimento de 2,5%, porque não vem sendo afetada. “O agribusiness vai ser a salvação da lavoura, guardadas as devidas proporções”, afirma.
A projeção de Doellinger é mais negativa do que as emitidas há 15 dias pela Diretoria de Macroeconomia do Ipea (Dimac), que previra o saldo da retração para três cenários. No mais grave, em caso de isolamento de três meses, os técnicos sob seu comando previam baixa de 1,8% do PIB.
“É um cenário de incerteza total, fruto de uma crise simultânea de oferta e demanda sem precedentes. [O cenário] sem dúvida piorou em relação às projeções da Dimac e eu não vou tentar dourar a pílula. As minhas contas hoje, indicam uma queda entre 2% e 3% do PIB, com espaço para piorar. Mas isso, repito, é uma fotografia de momento”, afirma. A previsão é mais positiva do que a de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), ambas na casa dos 5,3% de queda do PIB.
Taís Hirata (Valor, 07/04/2020) informa: o Ministério de Infraestrutura planeja lançar um pacote de investimentos públicos para impulsionar a retomada da economia após a epidemia do coronavírus. Estão previstos ao menos R$ 30 bilhões de aportes em 70 novos empreendimentos na área de transporte. As obras estão prontas para serem iniciadas, já com projetos executivos e licenças ambientais. A liberação dos recursos, porém, ainda precisa ser alinhada com Ministério de Economia.
Trata-se de um pacote que, na verdade, já estava em estruturação pela equipe de Infraestrutura. A ideia era anunciá-lo no início deste ano, dentro do programa batizado de “Pro-Brasil”. Com a crise provocada pela pandemia, porém, o lançamento foi postergado.
“A retomada do país demandará medidas anticíclicas. Aproveitamos um programa com um nível de maturidade avançado e o reformulamos, com um viés maior para obras públicas que possam ser iniciadas imediatamente”, afirma o secretário- executivo do ministério, Marcelo Sampaio. Ele está à frente do pacote “pós-covid” dentro da pasta.
A projeção é a construção dos empreendimentos gerar cerca de 1 milhão de empregos, ao todo. O plano prevê dezenas de obras rodoviárias, espalhadas por todo o país. Entre elas, está a duplicação de um trecho da BR-163/364, entre Rondonópolis e Posto Gil (MT), e da BR-381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares (MG) – esta última é uma via que deverá ser licitada no futuro, e que, com as melhorias, deverá trazer resultados melhores no leilão, diz Sampaio.
Entre as obras aquaviárias, se destacam a dragagem do Porto de Santos (SP), do Porto de Paranaguá (PR), do Rio Madeira (AM) e do Porto de Rio Grande (RS).
No setor aéreo, estão previstas melhorias nas pistas dos aeroportos de Belém (PA) e de Foz do Iguaçu (PR), além de obras em diversos aeroportos regionais.
Em ferrovias, haverá um aumento dos investimentos destinados à construção da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol).
A ideia é que os R$ 30 bilhões de investimentos sejam feitos até 2022. Para este ano, há a intenção de ampliar o orçamento em ao menos R$ 4 bilhões – além, claro, de impedir que haja qualquer corte.
Ainda não está definido como será feita a suplementação dos recursos necessários para viabilizar as obras. Nos próximos dias, a equipe deverá se reunir com o Ministério da Economia para alinhar esse plano. No entanto, por se tratarem de medidas anticíclicas, há uma confiança de que os recursos serão liberados.
Para a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), entidade representante de grandes construtoras e concessionárias, e uma dos maiores defensores da retomada de investimentos públicos, o pacote é imprescindível para a retomada da economia. “O investimento privado é importante, mas não é só com ele que o Brasil sairá da crise”, afirma o presidente da associação.
A cifra de investimentos poderá ser ainda maior: os cálculos da entidade apontam haver espaço para um total de R$ 30 bilhões de investimento só neste ano – a cifra inclui não apenas obras de infraestrutura, mas também de energia, desenvolvimento regional, assim como projetos dos Estados.
Além desses projetos paralisados, vê um espaço enorme para novas obras em rodovias. “Hoje, 85% da malha pavimentada está ainda sob gestão do Estado, precisando de melhorias e manutenção. Isso fora as estradas não pavimentadas. É possível fazer muito com obras pequenas e de rápida execução”, afirma.
A visão, porém, não é unânime. Para Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B e um dos maiores especialistas em infraestrutura do país, há dois grandes problemas para essa retomada de aportes públicos:
- além da situação fiscal frágil da União, Estados e municípios,
- há um histórico muito ruim de execução de projetos.
“A governança do investimento público vai do desastre à mediocridade. Hoje, temos milhares de obras paradas, metade delas por conta de um planejamento falho. Acreditar que o investimento público será a saída é desconhecer isso”, afirma. Mesmo em relação a obras paradas, ele aponta que não necessariamente o processo de retomada será simples, porque muitas delas têm estruturas abandonadas e deterioradas e projetos que terão que ser refeitos.
Ainda assim, ele reconhece: os projetos serão importantes, principalmente as obras mais simples, como as rodoviárias ou de saneamento em zonas rurais. “São empreendimentos que movimentam construtoras locais, com mão de obra e fornecedores locais. Há um ganho social muito forte”, diz.
Frischtak aponta ainda como primordial para a retomada:
- minimizar os ruídos dentro do governo, para dar mais estabilidade política aos investidores, e
- promover reformas regulatórias importantes, como o novo marco legal do saneamento básico.
As melhorias regulatórias também fazem parte do “Pro-Brasil”, do Ministério de Infraestrutura. O programa é dividido em dois braços:
- o chamado “Ordem”, que reúne portarias, decretos e projetos de lei que visam melhorar o ambiente de negócios; e
- o “Progresso”, que inclui as obras públicas e concessões.
Em relação ao programa de desestatização da pasta, Sampaio afirma seguir forte, e o interesse dos investidores privados permanecer. 
Nesses dias de crise mais aguda e isolamento social, o ministério tem buscado entregar o máximo possível de projetos para a avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU), para garantir o andamento dos projetos.
Como exemplo, o avanço da Ferrovia Oeste-Leste (Fiol) é uma das principais apostas do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, no plano Pró-Brasil. Ele pediu uma suplementação orçamentária de R$ 480 milhões, até 2022, exclusivamente para obras no setor ferroviário. O grosso disso, caso confirmados os recursos adicionais, iria para a construção do segundo trecho da Fiol – entre os municípios de Caetité e Barreiras (BA).
A ideia do ministro é que os trabalhos fiquem sob responsabilidade da nova Infra S.A., fusão das estatais Valec e Empresa de Planejamento e Logística (EPL, com a atribuição hoje de desenvolver estudos de viabilidade para concessões de rodovias e portos). A Infraero, que inicialmente se juntaria à nova companhia, será deixada de fora, disse Freitas ao Valor.
Projetada para transformar o interior da Bahia em um novo corredor ferroviário de exportação e prometida para entrega até julho de 2013, a Fiol nunca foi concluída. Vive uma crônica mistura de falta de orçamento e problemas contratuais com empreiteiras. No entanto, o primeiro trecho da ferrovia (Ilhéus-Caetité) está em estágio avançado de construção. O governo pretende concedê-lo à iniciativa privada ainda em 2020 e já mandou os estudos de viabilidade para o Tribunal de Contas da União (TCU).
Segundo o ministro, um investidor fortemente interessado em assumir a concessão da Fiol – ele não revela o nome – foi consultado após a pandemia e confirmou que permanece disposto a entrar no leilão. O foco desse grupo, porém, seria o trecho Ilhéus-Caetité. A futura concessionária arcaria com gastos bilionários de equipamentos (locomotivas e vagões), sinalização e sistemas de comunicação.
“Às vezes me questionam por que não incluir o trecho Caetité-Barreiras no mesmo contrato. Se fizermos isso, o VPL [valor presente líquido] da concessão torna-se negativo. Não adianta querer vender o que ninguém quer comprar.”
O segundo trecho da Fiol tem, conforme os últimos dados da Valec, 36% de execução física. Uma ponte ferroviária sobre o rio São Francisco, a maior da América Latina, está pronta – mas sem nenhum uso. São três lotes diferentes em construção. Dois estão com canteiros abertos, com cerca de mil trabalhadores em campo e bastaria injetar mais recursos para acelerar as obras. Outro, o lote 06F, é o mais atrasado até agora.
Para esse lote específico, Freitas tem uma solução em mente: acionar o Departamento de Engenharia e Construção (DEC) do Exército. Mais precisamente o Batalhão Ferroviário localizado em Araguari (MG). O ministro lembra que os militares já tocaram obras importantes no setor, mas estão fora dos canteiros desde a construção da Ferroeste (PR) nos anos 1980 e seria conveniente preservar a expertise verde-oliva.
Já são dez anos, com vaivéns, de obras na Fiol. À medida que o segundo trecho avance mais – e eventualmente seja concluído -, pode-se pensar mais concretamente privatizá-lo. “Quando começar a dar cheirinho de viabilidade, vamos estruturar a concessão.”
O orçamento da Valec para 2020 está em R$ 348,5 milhões. O terceiro trecho da Fiol, entre Barreiras e Figueirópolis (TO), precisa de atualização do projeto de engenharia. Essa obra pode ser iniciada com recursos públicos. Uma vez pronta, permitiria a conexão dos trens com a Ferrovia Norte-Sul.
New Deal e Plano Marshall à Brasileira: Pró-Brasil ou Pró-Business publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com

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