Por fim, Jean Tirole (1953- ), ganhador do Prêmio Nobel de Economia 2014, por análise do poder e regulação de mercado, em seu livro Economia do bem comum (1ª.ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2020), testemunha o desenvolvimento de Finanças Comportamentais.
Visa incorporar na análise dos vieses cognitivos dos agentes dos mercados financeiros e outros desvios do modelo de agente racional. Em geral, a contribuição da Psicologia Econômica para a análise das decisões financeiras cresceu nos últimos vinte anos.
Não é mais aqui (necessariamente) uma questão de contraste entre racionalidade individual e irracionalidade coletiva, mas irracionalidade individual. Há muitos assuntos a serem discutidos:
- excesso de otimismo (por exemplo, a tendência dos gestores de fundos de acreditar serem melhores em relação a outros),
- atenção limitada ou, pelo contrário, atenção excessiva a certos riscos,
- crenças equivocadas (devido a incompreensão da Lei de Bayes ou de vários outros preconceitos),
- aversão à perda,
- moralidade endógena (devido à existência de espaço de manobra sobre o que é socialmente aceitável), etc.
A pesquisa nesta área possui componentes empíricos e teóricos. Do lado empírico, os pesquisadores documentaram um grande número de pequenas anomalias na precificação de ativos. Elas nem sempre são “arbitradas”: os atores não têm conhecimento de certas correlações ou causalidades, ou categorizam inversamente os ativos em grupos muito grosseiros.
Vemos aqui a sutil fronteira entre racionalidade (os atores são racionais, mas arbitram entre modelagem e custo mais sofisticados dessa modelagem) e irracionalidade (vinculada a um entendimento incorreto do ambiente financeiro).
Para dar apenas um exemplo do lado teórico, Jean Tirole menciona o trabalho de Roland Bénabou (professor de Princeton) sobre negações da realidade. A seus olhos, desempenhou um papel na ilusão coletiva do mundo das finanças, enfrentado durante a crise do subprime.
Para entender melhor a natureza contagiosa da cegueira coletiva, Roland Bénabou incorpora as emoções (como a ansiedade) provocadas por perspectivas incertas sobre questões importantes. Impulsionado por suas emoções, um agente pode preferir ignorar os perigos reais enfrentados, mesmo ao custo de más decisões.
O fato de a memória e a atenção humana serem limitadas e maleáveis possibilita processos de revisão tendenciosa da crença: codificação seletiva e esquecimento dos sinais recebidos, racionalização a posteriori, etc. Essas hipóteses são baseadas em inúmeros estudos empíricos. Eles mostram um tratamento assimétrico de boas e más notícias, até uma aversão a priori à informação.
Roland Bénabou examina sistematicamente como a natureza das interações econômicas ou sociais entre os agentes determina os modos de pensar. Eles emergirão do equilíbrio geral.
Essa análise do pensamento de grupo destaca a possibilidade de uma comunidade como um todo de uma negação contagiosa da realidade. Os resultados ajudam a explicar os casos recorrentes de empresas, instituições ou regimes políticos. Eles se autodestroem através da cegueira coletiva. Essa cegueira coletiva de parte do mercado financeiro está no centro do livro (e do filme) The Big Short. É caso do século!
Finalmente, uma linha de pesquisa particularmente ativa nos últimos trinta anos concentrou-se nas dificuldades de alcançar o “preço certo” (ideal ou justo) em um mercado financeiro no qual as informações não são disseminadas uniformemente. Esta pesquisa tem origem no trabalho publicado em 1970 por George Akerlof, ganhador do Prêmio Nobel de 2001 com Michael Spence e Joe Stiglitz, recompensado precisamente por suas contribuições à teoria da informação.
Quanto às diferenças entre análises, em resumo, não queremos – ou pelo menos não devemos, em nosso próprio interesse – negociar com alguém com mais conhecimento, a menos se os ganhos no comércio forem substanciais.
Suponha, por exemplo, oferecer a compra de uma garantia financeira da qual sou o único a conhecer o verdadeiro valor. Além disso, não estamos em um relacionamento frequente, de modo uma relação de confiança não ser estabelecida entre nós.
A troca pode render, digamos, 50 ou 100, com probabilidades iguais. Você deveria pagar 75? Você deve pensar assim: se o valor real dessa segurança é 100, eu devo mantê-lo para mim, em vez de dar a você por 75. Portanto, você não deve pagar 75.
Se estou disposto a vendê-lo por menos de 100, o ativo é necessariamente de baixa qualidade e, na verdade, vale 50. Neste exemplo, o preço certo seria 50, porque você sabe não vou vender o título por menos.
Esse raciocínio é um pouco complicado quando você não está acostumado. Mas os profissionais, seja por indução ou por experiência às suas próprias custas, estão bem cientes desse fenômeno.
Com assimetrias de informações entre os participantes, os mercados financeiros não são tão líquidos quanto deveriam ser. Às vezes até congelam completamente: diz-se então “não haver mais precificações no mercado”.
Para ser mais preciso, não há mais transações no mercado, porque os preços capazes de gerar transações não são aceitáveis para os vendedores. Assim muitos mercados desapareceram da noite para o dia durante a crise de 2008.
De maneira mais geral, o trabalho na “microestrutura dos mercados financeiros” destaca os atritos informacionais. Eles impedem esses mercados operarem dessa maneira suave prevista pela Teoria da Troca Competitiva.
Quanto aos limites da arbitragem, os preços de mercado podem não refletir corretamente as informações disponíveis sobre o valor real desses ativos, se aqueles possuidores dessas informações não tiverem recursos financeiros para intervir em larga escala nesses mercados.
Os atores podem estar cientes de certos ativos estarem subvalorizados ou supervalorizados e, ainda assim, não podem intervir em seus mercados. Isso tenderia a corrigir o erro de precificação dos ativos. Aconteceria porque eles não têm liquidez para o investimento.
Hoje, entendemos um pouco melhor os “limites da arbitragem”, mesmo com o nosso conhecimento nessa área necessitando ser mais refinado. Em geral, eles surgem devido aos problemas de agência já mencionados.
Uma boa ilustração desse fenômeno pode ser encontrada no livro (e no filme) The Big Short, onde um grupo de atores financeiros, chamados “vendedores” ou “arbitradores”, vende a descoberto imóveis durante a fase de inflar a bolha imobiliária. Eles estão convencidos de os títulos financeiros dependentes do pagamento de empréstimos hipotecários estão supervalorizados. Logo, as agências de classificação não fizeram seu trabalho, atribuindo boas classificações.
Vender um título a descoberto significa você não ser o proprietário do título, mas concordar em entregar à contraparte uma quantidade determinada do título envolvido em um determinado prazo: em um mês, em seis meses, etc.
Se, entretanto, o valor do título diminuir, o vendedor tem a possibilidade de recomprar em dinheiro e gerar um ganho de capital. A contraparte, acabando com posse de títulos com perda de seu valor, perde dinheiro em comparação com a situação sem haver contrato.
Se, no entanto, o valor da garantia aumentar, o vendedor perderá dinheiro. E se o vendedor não tiver dinheiro suficiente e for à falência, a contraparte não recebe o ganho esperado ser recebido.
Nesse contrato, como em muitos contratos de empréstimo, a contraparte exige o vendedor depositar garantias, aqui chamadas de “chamada de margem“. O problema para os arbitradores é, mesmo estando certos e, portanto, o título estar supervalorizado, eles não sabem quando a supervalorização será corrigida.
Enquanto isso não acontecer, seus colegas sempre pedem mais garantias para se cobrir e pode acontecer eles se encontrem sem dinheiro antes de poder demonstrar a razão estar com eles. É o que acontece no The Big Short, onde os arbitradores são consolados em seu diagnóstico quanto à hipoteca subprime, mas passam a ponto de perder toda a aposta inicial, porque a correção do preço demora a chegar.
Finalmente, os limites à arbitragem podem ter consequências ainda maiores. Em particular, alguns investidores institucionais têm restrições. Elas criam choques previsíveis de carência de liquidez.
A antecipação desses choques leva os fundos de hedge a vender a descoberto os títulos. Eles serão vendidos por esses investidores institucionais, desestabilizando ainda mais o mercado.
Finanças Comportamentais publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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