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Diane Coyle é professora de Políticas Públicas da Universidade de Cambridge, e autora de Markets, State, and People: Economics for Public. Publicou artigo (Valor, 11/05/2020) interessante sobre a atual pandemia.
“Aristóteles estava certo. Os seres humanos nunca foram indivíduos atomizados, mas seres sociais cujas decisões afetam outras pessoas. E agora a pandemia da covid-19 enfatiza este ponto fundamental: cada um de nós é moralmente responsável pelos riscos de contágio que criamos para os outros com o nosso comportamento.
Aliás, essa pandemia é apenas um dos muitos problemas que a humanidade enfrenta e exigem uma ação coletiva, tais como: mudanças climáticas; a perda catastrófica de biodiversidade; resistência a antibióticos; tensões nucleares alimentadas pela incerteza geopolítica crescente e até ameaças potenciais, como uma colisão com um asteroide.
Como a pandemia demonstrou, no entanto, não são esses perigos para a existência, mas as atividades econômicas cotidianas que revelam o caráter coletivo e conectado da vida moderna sob a fachada individualista de direitos e contratos.
Aqueles de nós que têm empregos de colarinho-branco e podem trabalhar em casa e trocar dicas sobre massa de pão somos mais dependentes do que imaginávamos dos trabalhadores de áreas essenciais, antes invisíveis, como faxineiros e médicos de hospitais, funcionários de supermercados, entregadores de encomendas e técnicos de telecomunicações que mantêm nossa conectividade.
Da mesma forma, os fabricantes dos novos produtos de primeira necessidade, como máscaras faciais e reagentes químicos, dependem de importações do outro lado do mundo. E muitas pessoas que estão doentes, autoisoladas ou subitamente desempregadas dependem da bondade de vizinhos, amigos e estranhos para conseguir sobreviver.
A parada repentina da atividade econômica sublinha uma verdade sobre a economia moderna e interconectada: o que afeta algumas partes de forma substancial afeta o todo. Essa rede de ligações, portanto, torna-se uma vulnerabilidade quando interrompida. Mas também é uma força, porque mostra mais uma vez como a divisão do trabalho deixa todos em melhor situação, exatamente como Adam Smith apontou há mais de dois séculos.
As tecnologias digitais transformadoras de hoje aumentaram drasticamente tais reflexos sociais, e não apenas porque sustentam redes sofisticadas de logística e cadeias de fornecimento “just-in-time”. A própria natureza da economia digital significa que cada uma de nossas escolhas individuais afetará muitas outras pessoas.
Consideremos a questão das informações, que se tornou ainda mais relevante hoje, por causa do debate político sobre se aplicativos digitais de rastreamento de contatos podem ajudar a economia a emergir da quarentena mais rapidamente.
Esta abordagem só será eficaz se uma proporção grande o suficiente da população usar o mesmo aplicativo e compartilhar as informações que ele coleta. E, como o Instituto Ada Lovelace aponta em um relatório cuidadoso, isso dependerá de se as pessoas consideram o aplicativo confiável e têm certeza de que seu uso as ajudará. Nenhum aplicativo será efetivo se as pessoas não estiverem dispostas a fornecer “seus” dados aos governos que implementam o sistema. Se eu decidir não compartilhar informações sobre meus movimentos e contatos, isso afetarátodos de forma negativa.
Contudo, embora muitas informações devam certamente continuar privadas, dados sobre indivíduos raramente são “pessoais”, no sentido de que são apenas sobre eles. De fato, muitos poucos dados com conteúdo informativo útil dizem respeito a um único indivíduo; é o contexto – sejam dados populacionais, de localização ou sobre atividades de outras pessoas – que lhes dão valor.
A maioria dos comentaristas reconhece que deve haver um equilíbrio entre privacidade e confiança, de um lado, e a necessidade de preencher as enormes lacunas no nosso conhecimento sobre a covid-19, de outro. Mas a balança pende para o segundo lado. Nas circunstâncias atuais, o objetivo coletivo se sobrepõe às preferências individuais.
Mas a emergência atual é apenas um sintoma agudo de uma interdependência cada vez maior. Na sua base está a transição progressiva de uma economia na qual as suposições clássicas de retornos de escala decrescentes ou constantes se mantêm verdadeiras para uma economia em que há retornos de escala crescentes em quase toda parte.
Na estrutura convencional, adicionar uma unidade de insumo (capital e trabalho) produz um incremento menor ou (na melhor das hipóteses) igual na produção. Para uma economia baseada na agricultura e na manufatura, essa era uma suposição razoável.
Mas, grande parte da economia de hoje se caracteriza por retornos crescentes, em que as empresas maiores se dão cada vez melhor. Os efeitos de rede que impulsionam o crescimento das plataformas digitais são um exemplo disso. E como a maioria dos setores da economia tem altos custos iniciais, os maiores produtores têm menores custos unitários.
Uma fonte importante de retornos crescentes é o extenso know-how baseado em experiência necessário em atividades de alto valor, como design e arquitetura de software e manufatura avançada. Tais retornos não apenas favorecem os operadores já estabelecidos, mas também significam que as escolhas de produtores e consumidores individuais têm um efeito de contágio sobre outros.
A generalização dos retornos de escala crescentes, e dos reflexos em geral, tem sido surpreendentemente lenta em influenciar as escolhas políticas, embora os economistas se concentrem no fenômeno já faz muitos anos. A pandemia da covid- 19 pode tornar mais difícil ignorar isso.
Assim como uma teia de uma aranha se esfacela quando alguns fios são quebrados, a pandemia pôs em evidência os riscos decorrentes de nossa interdependência econômica. E agora a Califórnia e a Geórgia, a Alemanha e a Itália, e a China e os Estados Unidos precisam uns dos outros para se recuperar e se reconstruir. Ninguém deve perder tempo ansiando por uma fantasia insustentável.”
COVID 19 e o Fim do Individualismo publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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