terça-feira, 5 de maio de 2020

Assistência Social aos Miseráveis e aos Pobres Informais

Hugo Passarelli (Valor, 13/04/2020) avalia: apesar da lentidão inicial, as medidas anunciadas pelo governo para diminuir os efeitos da novo coronavírus já atingiram R$ 568,6 bilhões (7,8% do Produto Interno Bruto), segundo um levantamento de Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Embora mais robusto, o plano de socorro guarda incertezas. Para analistas, a dúvida é se o pacote chegará a tempo de amparar empresas e trabalhadores. Outra incógnita é até onde vai o fôlego do governo caso a crise persista.

A maior preocupação do momento é sobre as operações de crédito a empresas, ainda “emperradas” e com alto risco de inadimplência. A demora para que os empréstimos cheguem mais rapidamente à cadeia produtiva é um sinal de alerta, porque as medidas necessárias de isolamento social geram queda abrupta de receita.

Na comparação internacional, o Brasil está em nível parecido ao da Austrália, com 7,2% do PIB, e acima do pacote de 6,7% do PIB no Chile, mas segue distante das nações avançadas: os EUA devem desembolsar o equivalente a 9,5% do PIB e a Itália, um dos epicentros da doença, 21,1% do PIB.

“Do ponto de vista de atuação direta, já nos equiparamos em termos de reação a outros países. Mas tem uma perna que me parece ainda complicada na atuação do crédito”, disse Pires em debate de pesquisadores do Ibre/FGV e o Valor.

Ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, Pires nota que as ações anticrise têm mix distinto. A Itália vai empregar 1,1% do PIB em programas governamentais, menos do que o Brasil (5,7%). Porém, o país europeu destinará 20% do PIB para crédito, ante 2,1% por aqui.

O dado consolidado do Brasil exige ressalvas. Do pacote governamental total, R$ 415,4 bilhões são gastos e desonerações, mas a parte de dinheiro “novo” é pouco mais da metade deste valor, ou R$ 222,4 bilhões. Isso acontece porque o governo se valeu de medidas de antecipação de despesas, como as parcelas do 13o dos aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que serão pagas em maio, e o adiamento de receitas, como postergação do PIS/Cofins por 3 meses.

Os R$ 153,2 bilhões restantes incluem ações de crédito que embutem algum tipo de incentivo, como garantias e subsídios ou cuja fonte são recursos fiscais, explica Pires. Elas visam garantir fôlego financeiro a Estados e empresas, e o setor privado deve ficar com R$ 91 bilhões deste bolo. Há dúvidas se as companhias conseguirão acesso ao crédito. As medidas anunciadas pela Caixa de empréstimo imobiliário não entram na conta por não ter um incentivo fiscal específico.

Como os bancos retraem muito o crédito por conta do risco, as ações do Banco Central são mais direcionadas para oferecer liquidez. Logo, as medidas protegem os bancos contra saques, desinvestimentos, aumento de calotes e renegociações, mas não expandem o crédito.

Isso afeta sobretudo microempresas e trabalhadores informais. Muitos desse grupo podem ficar de fora da ajuda por não estarem inclusos no sistema financeiro. Os impostos diferidos, isto é, com prazo de pagamento estendido, estão com prazo apertado, todos para 2020.

Tudo somado, o cenário indica a necessidade de o governo, nos próximos meses, se ver obrigado a abrir o caixa novamente e socorrer o setor privado. “Um Refis [programa de refinanciamento tributário] para empresas já está contratado”, afirma o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, pesquisador associado do Ibre/FGV.

A resposta inicial do BNDES para pequenas e médias empresas foi uma linha de capital de giro de R$ 5 bilhões. Desde o anúncio, foram 261 operações com juro médio de 13% ao ano. Nos últimos dias, foram criadas operações mais baratas. Há uma linha para financiar a folha de pagamento no valor de R$ 40 bilhões, com 85% do risco assumido pelo Tesouro e taxa de 3,75% ao ano. Outra vai usar recursos de fundos constitucionais para empréstimos de capital de giro, a um custo de 2,5% ao ano.

A crise exige ações além da esfera federal. Segundo Pires, 21 Estados anunciaram algum tipo de auxílio financeiro às empresas e famílias, como transferência de renda aos mais pobres, redução do ICMS e postergação do IPVA. Também há iniciativas mais direcionadas, como distribuição de cestas básicas, adotada em 19 dos entes. Nos Estados, temos atribuição melhor de como o dinheiro vai ser gasto. Deveria haver uma coordenação entre os entes, caso contrário todo mundo vai para a mesma direção e falta para outras áreas.

Em 22 Estados, há planos específicos para as empresas, o que representa um “ponto de partida” ruim porque os mais atingidos são os entes com dívida alta. Em outros países, essas medidas são feitas com transferências diretas da União aos Estados, sem gerar dívida.

A dimensão da crise atual é diferente da de 2008 e prevê uso intensivo de serviços públicos. Para Pires, o excesso de medidas de crédito e a recessão desencadeada pela doença vão exigir reestruturação das finanças subnacionais na saída da crise.

Ao analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do “Orçamento de Guerra”, Pires diz: o texto deverá ajudar a organizar a atuação do BC no crédito, o que é positivo, mas há incertezas, como o risco de o Congresso cancelar ações do governo. “A justificativa da PEC é ter cheque em branco para descumprir a regra de ouro [que proíbe emissão de dívida para gastos correntes], mas perdeu-se tempo com algo que não tira a insegurança jurídica”, diz Barbosa.

Enquanto o surto do novo coronavírus leva os governos de todo o mundo a traçar às pressas planos para evitar falências em massa e garantir a renda dos mais vulneráveis, os economistas começam a debater por quais canais será a feita a saída da crise. Sem precedentes no mundo neste século, o choque deverá exigir uma ação mais prolongada, não se restringindo a medidas de curto prazo.

Um dos maiores desafios é garantir as medidas adotadas para enfrentar a turbulências não deixarem uma conta insustentável e, ao mesmo tempo, sejam suficientes para evitar danos mais duradouros à economia.

O exemplo da crise de 2008 é frequentemente lembrado pelos analistas. O Brasil enfrentou o período com relativa tranquilidade, mas o conjunto de medidas adotadas à época baseou-se em vultosas desonerações e forte expansão do crédito público.

Embora o pacote tenha contribuído para um crescimento de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, o modelo foi levado à exaustão nos anos seguintes e é um dos responsáveis pela crise de 2015 e 2016, ainda não superada. [Ora, ora, até quando haverá essa leviana acusação do passado ser o culpado pelo presente?! Não assumem a responsabilidade pela desastrosa política econômica pós-2015?!]

Nesse ponto, o plano de socorro atual tem vantagens. As desonerações anunciadas até agora são de R$ 12 bilhões, e representam apenas 0,17% de um total de 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do conjunto de estímulos.

O que é novo da crise atual é a inédita adoção de isolamento social em grandes proporções, o que tem derrubado a atividade econômica por aqui e mundo afora. “Não vejo discussão sobre como vamos fazer a transição do isolamento social. Sem essa medida não tem jeito [de conter a disseminação do vírus], mas não sabemos o quanto a economia suporta”, afirma Schymura.

O pesquisador associado do Ibre/FGV, Nelson Barbosa, alerta: passada a fase mais aguda de fraqueza da atividade, será imprescindível adotar políticas mais prolongadas para normalizar o ritmo da economia. “Há a ilusão de a economia funcionar como um ‘liga e desliga’. Com um déficit primário de mais de R$ 500 bilhões, famílias com menor renda e endividadas, a incerteza será elevada”, afirma o ex-ministro da Fazenda.

O pagamento de R$ 600 de auxílio emergencial em três parcelas, com o objetivo de garantir renda a uma parte dos trabalhadores durante a crise, pode custar mais ao governo, indo além a estimativa inicial de R$ 98,14 bilhões.

O pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 para microempreendedores individuais (MEIs), informais e autônomos, até o dia 25 de abril de 2020, 47,6 milhões de pessoas estavam cadastradas para ter acesso ao benefício, das quais 37,2 milhões haviam recebido. Os pagamentos somavam R$ 26,2 bilhões, já acima da projeção do governo federal de R$ 25 bilhões para esse grupo. Caso todos os cadastros sejam validados e efetivamente recebam o benefício em três vezes, o gasto chegaria a três vezes superior.

O governo estima ainda outros R$ 43,71 bilhões para beneficiários do Bolsa Família. Por fim, R$ 29,43 bilhões devem ser destinados para inscritos no Cadastro Único, mas fora do Bolsa Família.

Há uma incerteza muito grande de quantas pessoas de fato vão aderir a isso e de quanto vai ser o gasto do governo com essa política. O governo tem uma estimativa razoável de quanto vai gastar com essas pessoas [no Bolsa Família e no Cadastro Único] porque já tem os cadastros delas. Já no caso de quem não está neles, mas tem direito ao benefício, há muita incerteza.

As contas foram feitas com base no recebimento de R$ 600 por cadastro. Desconsideram a possibilidade prevista nas regras de mulheres responsáveis sozinhas pelo sustento da família recebam três parcelas de R$ 1.200. Pela regra do programa emergencial, quem está no Bolsa Família (BF) receberá o benefício mais vantajoso — o valor do auxílio ou a parcela do BF, que, em média, é de cerca de R$ 190 por família.

Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre/FGV, nota: o controle para integrar o Cadastro Único era mais rigoroso. “O Brasil tem um problema drástico, crônico de distribuição de renda. Mas não é neste momento de crise que vai se resolver essa questão. O que temos que conseguir agora é mitigar os problemas”, defende Schymura. “Eu não estou dizendo que os gastos não tenham que ser feitos. Tem que gastar — e muito — o que tiver que gastar, mas com foco”, diz ele, para quem uma opção seria não pagar o teto de R$ 600 para quem está no Bolsa Família.

Em texto a ser publicado no Blog do Ibre, Schymura escreve: devido à “precariedade do cadastro que está sendo desenvolvido, é difícil antecipar o resultado dessa gigantesca ação governamental”. Para ele, “algumas perguntas ficarão no ar: o público-alvo está sendo atingido? O custo do programa não está excessivo para seu alcance?”. Na visão de Schymura, o governo precisa estar “atento e preparado para fazer as mudanças devidas para corrigir o valor do benefício ou, se for o caso, repensar o cadastro criado com a plataforma digital da Caixa”.

Cristiano Romero, diretor executivo do Valor, publicou artigo (Valor, 08/04/2020) com crítica ao governo inepto.

O governo federal demorou a reconhecer que, diante de uma crise sem precedentes como a provocada pela pandemia do novo coronavírus, é preciso deixar de lado a austeridade fiscal e agir rapidamente para evitar uma tragédia econômica maior e mais longa. O isolamento social, adotado pelo Brasil e a maioria dos países como estratégia para conter a velocidade de contágio do coronavírus, está fazendo estragos no setor de serviços, afinal, há quase um mês, praticamente todo o comércio está de portas fechadas.

Se a situação já é difícil para lojas comerciais e de serviços médias e grandes, estabelecidas, formais, imaginemos como deva estar o pequeno negócio. Deduzimos, portanto, que a vida de uma pequena empresa formal não esteja nada bem, afinal, um dia sem faturar já impacta fortemente sua atividade. As empresas precisam vender para continuar operando. Só assim vão honrar o salário dos funcionários.

Imaginemos o quadro de milhares de firmas que funcionam na informalidade – mesmo sem saber, lidamos com muitas delas no nosso cotidiano, inclusive, algumas farmácias, algo inesperado da maioria. Nesse grupo, há o trabalhador autônomo, um contingente enorme de brasileiros, os equilibristas, cidadãos que vivem à margem do Estado e que, neste momento, já podem estar passando fome porque a possibilidade de trabalhar está suspensa. Estima-se que 40% da força de trabalho do país esteja nessa categoria.

A Ilha de Vera Cruz avançou bastante, desde a promulgação da Constituição em 1988, na criação de uma rede de proteção social. Todos sabemos que muito ainda precisa ser feito, que há gastos vultosos mal alocados e que é preciso avaliar os programas sociais existentes e melhorar muito a qualidade da despesa realizada. Mas, vejamos: numa crise aguda como a que vivemos, não se vê fome no interior do Nordeste, uma vez que a aposentadoria rural paga um salário mínimo a cada agricultor aposentado, independentemente do fato de ter contribuído ou não para o INSS.

O Bolsa Família, que paga benefícios muito menores, também cumpre papel importantíssimo na região Nordeste e, por essa razão, não se vê mais o cenário de fome e desterro comum à história daqueles Estados ao longo do século XX. Mas não nos enganemos: vivem no Nordeste 57,7% dos brasileiros em situação de extrema pobreza, isto é, com menos de R$ 145 por mês.

O problema da pobreza não atendida por programas sociais está nos grandes centros e capitais deste imenso território. Nesses locais, estão os brasileiros que vivem no mundo da informalidade. Achá-los para ajudá-los é tarefa urgente, não será nada fácil e pode não haver tempo suficiente para isso.

Instituído pela chamada PEC da Guerra, aprovada na primeira semana de abril de 2020 pelo Senado, o benefício social temporário de R$ 600, com duração de três meses e renovável por mais três, é ambicioso (e justo) para o momento que a economia brasileira atravessa. O Senado estendeu a abrangência do auxílio, incluindo 19 categorias, como diaristas, caminhoneiros, pescadores, vendedores de acarajé, entregadores de aplicativos. Além disso, deu aos homens chefes de família o direito a duas cotas do benefício, como já estava previsto para mulheres que fazem o mesmo.

Quem tem direito ao benefício? O Congresso decidiu os beneficiários deverem ser os seguintes:

1. as pessoas inscritas no Programa Bolsa Família;

2. as que fazem parte do cadastro de Microempreendedores Individuais (MEI);

3. os contribuintes individuais do INSS;

4. as pessoas inscritas no Cadastro Único até 20 de março deste ano;

5. os trabalhadores informais que não façam parte de nenhum cadastro do governo federal.

Os beneficiários precisam cumprir alguns requisitos, como:

  1. ter mais de 18 anos;
  2. integrar família com renda mensal por pessoa de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou renda familiar mensal de até três salários mínimos (R$ 3.135);
  3. não ter tido rendimento tributável, em 2018, superior a R$ 28.559,70.

Na primeira década deste século, o Brasil fez o dever de casa na área fiscal, tirou proveito do boom de commodities propiciado pela China e, assim, experimentou taxas de expansão econômica bem superiores às das duas décadas anteriores. Isso permitiu bancar programas sociais como o Bolsa Família e reduzir a pobreza, a desigualdade nem tanto. Em 2010, nosso PIB apareceu como o sexto maior no mundo.

Apesar do recuo, a pobreza seguia em 2010 como marca indelével da nossa sociedade. Três anos de recessão (2014-2016) profunda e outros três (2015-2019) de crescimento medíocre (média anual de 1,2%) aumentaram novamente a pobreza.

Dados do IBGE mostram que, em 2018, havia 13,5 milhões de pessoas em extrema pobreza no país. O número, recorde, é superior à população da Bélgica e de Portugal. Em relação a 2014, houve incremento de 4,5 milhões de cidadãos, uma prova cabal do mal que más ideias na condução de uma nação podem provocar.

Esse é, em tese, o público-alvo do Bolsa Família. O universo da pobreza, porém, vai muito além disso. Uma iniciativa elogiável dos governos anteriores foi justamente criar um cadastro para identificar as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Entram no Cadastro Único (CadÚnico) famílias onde os indivíduos ganham até meio salário mínimo por mês ou cuja renda mensal seja de até 3 salários mínimos.

O Cadastro Único tem registro de 29 milhões de famílias, algo como 76 milhões de pessoas, incluindo o universo do Bolsa Família. Este atende a 14 milhões de famílias (44 milhões de beneficiários).

Uma parte grande dos beneficiários será identificada por meio desse cadastro. Um outro contingente de beneficiários identificáveis está entre os que se enquadram como MEI e os contribuintes individuais do INSS.

Mas, e a maioria dos trabalhadores informais? Estimativas de técnicos da área social apontam cerca de 20 milhões de pessoas, ou algo entre 15 milhões a 30 milhões, o grupo populacional fora do CadÚnico e do mercado de trabalho formal. Este é o contingente que precisa ‘ser encontrado’ pelo auxílio informal, o que significa um enorme desafio para um programa urgente e de curtíssimo prazo.

Assistência Social aos Miseráveis e aos Pobres Informais publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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