quarta-feira, 4 de março de 2020

Sem Investimento Industrial, Sem Retomada do Crescimento Sustentado

Arícia Martins (Valor, 20/02/2020) informa: o ano de 2019 terminou com desempenho frustrante do investimento, que voltou a cair no quarto trimestre, estima o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Para o instituto, o PIB cresceu 0,6% nos três últimos meses do ano passado, feitos os ajustes sazonais, mas a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do PIB do que se investe em máquinas, construção civil e inovação) encolheu 0,8% no período, após duas altas seguidas.

Caso a projeção seja confirmada, aponta o Ibre/FGV no Boletim Macro de fevereiro, o investimento encerrará 2019 em nível ainda 25,4% abaixo do pico atingido no segundo trimestre de 2013, mesmo com expansão de 3,2% na média do ano. Já o consumo das famílias deve chegar ao fim do ano em patamar apenas 0,9% inferior ao seu melhor momento, no quarto trimestre de 2014.

O Ibre/FGV manteve as projeções para a expansão da economia em 2019 e 2020, em 1,2% e 2,2%, respectivamente. A reação, contudo, segue desigual. O que daria mais sustentabilidade ao crescimento é o investimento.

Desta vez, não se pode culpar a fraqueza da construção civil nem o juro alto pela decepção com a FBCF. Nos cálculos do Ibre, o PIB da construção cresceu 2,6% no ano passado, alta que deve acelerar para 4% em 2020. Já a Selic, em 4,25% ao ano, está em patamar historicamente baixo, o que eleva o retorno dos investimentos produtivos.

Mesmo assim, o consumo aparente de máquinas e equipamentos decepcionou. Essa medida soma a produção doméstica e a importação desses itens, descontadas as exportações, e diminuiu 5% no trimestre móvel terminado em dezembro.

Na média, a situação da indústria melhorou, mas o quadro ainda é desafiador para o setor de bens de capital, correlacionado à dinâmica do investimento. Pelos dados da Sondagem da Indústria de Transformação da entidade, essa indústria está usando apenas 70,6% da sua capacidade instalada, bem abaixo do total no setor industrial, de 75,7% em janeiro.

Se houvesse maior previsibilidade no ambiente econômico, a retomada da FBCF poderia ser mais significativa. Também medido pela FGV, o Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) voltou a subir, com alta de 0,5 ponto no primeiro mês do ano. Tanto o componente relacionado à política fiscal quanto o de incerteza política avançaram no período.

Os estudos mostram que, em um contexto de elevada incerteza, os agentes econômicos se tornam menos sensíveis a estímulos externos, como mudanças na taxa de juros, sendo o investimento o componente mais prejudicado.

Na seara de dúvidas que afetam a trajetória da FBCF, a pesquisadora ressalta a reforma tributária. Qual será o regime tributário? Quais serão as alíquotas? Se você não sabe o regime tributário, como vai investir?

A alta do dólar também joga contra os investimentos, ao encarecer as importações de máquinas. O câmbio desvalorizado poderia beneficiar as exportações, mas o cenário externo está mais difícil, e a Argentina, importante compradora de bens industriais brasileiros, vai sofrer mais um ano de recessão.

Com pouco protagonismo do investimento, o PIB será impulsionado, mais uma vez, pelo consumo. No cenário do Ibre, a demanda das famílias vai subir 2,6% em 2020. O nível do consumo deve se igualar ao pico pré-recessão no segundo trimestre. Já a FBCF, mesmo com alta de 4,1% na média do ano, ainda estará 22% abaixo do pico pré-crise em dezembro.

Fabio Graner (Valor, 20/02/2020) informa: o Brasil passa pela mais lenta recuperação na comparação com as recessões mais severas pelas quais o país já passou, de acordo com levantamento do vice- presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e presidente da Abiplast, José Ricardo Roriz Coelho.

O estudo, com base em dados do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), mostra o Brasil estar há 22 trimestres abaixo do nível pré-crise (entre 2014 e 2016). A lentidão da recuperação atual não encontra precedente na história do país.

De acordo com o estudo, na média, o Brasil levou oito trimestres para sair das recessões ocorridas desde 1981. O período mais longo depois do atual para a volta ao ritmo pré-crise foi o da recessão de 1989 a 1992: 18 trimestres.

No caso específico da indústria, o quadro não mostra melhora até o momento. A produção do setor ficou praticamente no zero a zero em 2019 e ainda está 18% abaixo do pico verificado em setembro de 2013. Destacam-se os resultados negativos em duas das quatro grandes categorias econômicas: bens intermediários (-2,2%) e bens de capital (-0,4%). Apresentaram queda em 2019, 16 dos 26 ramos, 40 dos 79 grupos e 54,2% dos 805 produtos pesquisados.

Enquanto a indústria não reage, o varejo tem acelerado, ampliando a distância entre os dois, o que significa a produção externa estar suprindo a demanda no país.

Apesar do desempenho aquém do esperado e desejável na economia brasileira, o representante dos industriais aliados aos golpistas da extrema-direita aposta na ilusão de estarem sendo criadas as condições para a aceleração do crescimento do nível de atividade.

O avanço das reformas fiscais afasta do cenário econômico o risco de insolvência da dívida pública, e a consolidação da taxa Selic em níveis historicamente baixos reduz a incerteza da economia.

“O juro baixo veio para ficar. Estimamos que o juros de equilíbrio da economia caiu nos últimos anos”, diz. “A consolidação de um patamar de taxa de juros estruturalmente mais baixo estimula o investimento fora do universo financeiro”, comentou. A curva longa de juros começou a cair e passou a indicar a viabilização dos financiamentos dos projetos em infraestrutura com recursos privados.

Esse caminho pode levar o Brasil a conquistar novamente o grau de investimento pelas agências de classificação de risco. “Se confirmado, esse fato tem o potencial de atrair investimento estrangeiro e reduzir o custo de financiamento das empresas e do governo no mercado internacional”, disse.

Por outro lado, ele lista alguns fatores que permanecem prejudicando a economia, como:

  1. a elevada incerteza doméstica;
  2. a desaceleração mais forte da economia global e tensões geopolíticas; e
  3. o ainda elevado nível de desemprego e
  4. a precariedade das vagas abertas nos últimos meses.

Além disso, entrou no radar o problema do coronavírus na China.

“A redução da incerteza é fundamental para que a confiança do empresário entre em uma rota consistente de recuperação”, afirma o presidente da Abiplast, crédulo na existência mágica da “fada-da-confiança”. Podes crer…

Ana Conceição e Arícia Martins (Valor, 20/02/2020) mostram dados concretos para não esconder a realidade com essa ilusão e revelar a desnacionalização dos bens de capital utilizados no País.

As empresas voltam aos poucos a atualizar o parque produtivo, fazendo crescer o mercado interno de bens de capital acima da média de outros produtos da indústria de transformação. Mesmo com o câmbio mais depreciado, as importações estão suprindo boa parte desse crescimento.

Em 2019, enquanto a produção de bens de capital caiu 0,4%, segundo o IBGE, as importações subiram 18,2%, pelos dados do Icomex, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). O número já desconta o efeito contábil das compras de plataformas de petróleo. Em média, os preços desses itens importados caíram 4,9% no ano.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram: o consumo aparente de bens de capital aumentou 3,1% no ano passado, taxa acima da de 0,6% na indústria de transformação. Essa medida leva em consideração a produção mais as importações, excluindo as exportações da conta.

Juros baixos, a extensão da validade de uma série de ex-tarifários até dezembro de 2021, a necessidade de incorporar novas tecnologias e a queda dos preços dos produtos são alguns dos motivos citados por especialistas para o aumento das importações.

Esse movimento ainda não reflete avanço de capacidade instalada, porque a ociosidade da indústria brasileira segue muito alta. Houve o descolamento entre produção e importação de bens de capital  e ele costuma se acentuar em períodos de aceleração da atividade, em tendência considerada estrutural.

Há dois fatores possíveis de explicar o aumento da importação. O primeiro foi a prorrogação da validade do regime redutor da alíquota do Imposto de Importação para uma série de bens. “O governo prorrogou uma leva gigantesca de ex-tarifários para o fim de 2021”, diz. O regime reduz o imposto quando não há equivalente nacional.

Outro fator é a competição acirrada por mercados no mundo. Ela fez cair os preços. “Estamos numa situação em que poucos querem comprar e muitos querem vender, o mercado estava oferecendo desconto”, afirmou. Em 2020 ele prevê que as importações devem continuar a crescer por esses mesmos fatores e também devido ao crescimento do PIB maior que em 2019.

Professor da Unicamp e coordenador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia da universidade, Antônio Carlos Diegues observa: o crescimento mais forte da importação nessa categoria é tendência de longa data. “Há uma reação estrutural em que a indústria brasileira se integra de maneira importadora às cadeias globais de valor, ou seja: o dinamismo doméstico não é suficiente para ativar a produção quando olhamos para as cadeias vinculadas a bens de capital.”

Investimentos têm sido desengavetados, após anos seguidos de crise e baixo crescimento. “Chega uma hora em que você precisa resgatar projetos, ainda mais com o aumento da concorrência lá fora”, afirma Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Há uma nova onda tecnológica no mundo e as empresas exportadoras estão mais pressionadas pela concorrência internacional. Internamente, o ambiente é de crescimento não tão forte, mas tem sinais positivos.

Cagnin cita outro aspecto importante: a desalavancagem das empresas. Desde meados do ano passado, houve certa recomposição das margens da indústria, apesar de os indicadores financeiros ainda não terem voltado ao patamar pré-crise. Empresas mais organizadas também conseguem acesso a financiamento internacional, a juros mais baixos que aqui. “As condições melhores para financiar esse investimento podem ter contribuído para o aumento de importação de capital.”

Enquanto a produção de bens de capital em geral caiu, a produção voltada especificamente para a indústria aumentou. Houve queda forte para bens voltados à agricultura, como reflexo da escassez de recursos com juros atraentes nas linhas oficiais de crédito à disposição dos produtores. “Para a indústria não está tão ruim”, diz.

No caso de máquinas e equipamentos, houve aumento de 15% no consumo aparente, de acordo com a Abimaq, que reúne as indústrias do setor. As importações cresceram 18%, enquanto a exportação caiu 7,2%, em dólares. Parte do crescimento do mercado interno foi suprida por importação, parte por aumento de produção do segmento, segundo a entidade.

O descolamento entre produção e importação se acentua em momentos de aceleração econômica, que analisou os limites da contribuição da indústria ao desenvolvimento em estudo publicado este ano, diz Diegues. Uma das conclusões é que, tanto no período de relativa pujança dos governos Lula (2003 a 2010) quanto no período Dilma (2011 a 2015), marcado por desaceleração seguida de recessão, o setor industrial ficou mais dependente de importações. Essa dependência é maior conforme a complexidade tecnológica do setor produtivo, que é elevada na categoria de bens de capital.

“Esse descompasso parece ser estrutural, como forma de reação da indústria brasileira às formas de organização globais em redes. O setor se integrou importando.”

Dos anos 2000 para cá, com a consolidação da China como potência industrial e a formação das cadeias globais de valor, a lógica de produzir a maior parte dos insumos e produtos em território nacional se inverteu e, no Brasil, esse processo ocorreu com maior intensidade. Ao se tornar “mais leve” e integrada a essas redes, a indústria brasileira passou a depender menos das oscilações da economia doméstica, mas, em contrapartida, quando há reação da atividade por aqui, também sente menos a retomada.

Marta Watanabe (Valor, 20/02/2020) informa: a maior parte dos investimentos diretos no Brasil se destina à compra de empresas, e não à criação de novas capacidades produtivas, segundo Renato Baumann, subsecretário de Investimentos Estrangeiros da Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligada ao Ministério da Economia.

A subsecretaria da Camex acompanha os investimentos diretos no Brasil originados de cinco países: China, Estados Unidos, Japão, Itália e França. Esses países corresponderam a 44% do investimento direto no país (IDP) total em 2019 e possuem memorandos de entendimento com o Brasil na área.

Os dados desses cinco países mostram os investimentos de 2003 a 2019 foram predominantemente em “brownfield”, ou seja, em compra de empresas já existentes. Do total do período investido com origem nesses cinco países, apenas 15% foram “greenfield”, gerando plantas produtivas novas. É um dado preocupante, porque mostra a maior parte do investimento ter se dado “comprando empresas brasileiras e muito provavelmente na bacia das almas”.

Outro dado preocupante é que, apesar de a entrada de investimento direto ter se mantido estável nos últimos anos, há uma tendência de redução de participação da indústria como destino desses recursos. O fluxo total de investimentos em 2019 foi de US$ 78 bilhões pelos dados do Banco Central.

A concentração dos investimentos em serviços, porém, tem se tornado cada vez maior em detrimento da indústria. É notável e preocupante essa trajetória. O ponto é que o investimento na indústria propicia maior transmissão de progresso técnico. Os dados mostram ainda, na indústria, as transações de empréstimo intercompanhia não têm se convertido em mais investimento, o que sugere as operações estarem voltadas a capital de giro.

De qualquer forma, os dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) também mostram a economia brasileira permanecer em destaque como destino de investimentos diretos. O Brasil foi o quarto maior destino em 2019, em um momento quando houve retração no volume global de investimentos.

Em relação a expectativas futuras, há consideráveis manifestações de intenção de investir no Brasil nos próximos anos devido à enorme liquidez global. O governo tem implementado um conjunto de iniciativas para atração de capital externo ao vender barato o patrimônio público nacional.

Os investimentos, porém, dependerão de cenário macroeconômico interno, de ambiente tributário, de redução de componentes a pressionarem o chamado “custo Brasil” e o ambiente internacional.

Questionado sobre a política de abertura comercial, há no governo entendimento de ser preciso fazer ajustes antes. A ideia é de não se pode fazer a abertura a qualquer custo. É preciso alguma calibragem. Tem havido abertura “no que é possível”. Houve o ajuste nos ex-tarifários, benefício que reduz a tarifa de importação para bens de capital sem similar nacional.

A abertura será gradual, com ajustes paralelos. A taxa de juros já está mais favorável, mas há ainda“custos tributários e distorções administrativas demandando reformas. Essas reformas precisam vir juntas.

Sem Investimento Industrial, Sem Retomada do Crescimento Sustentado publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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