segunda-feira, 30 de março de 2020

2004: Quando Todos os Países do Mundo Cresceram

Daniel Yergin, no livro “A busca: Energia, Segurança e a Reconstrução do Mundo Moderno” (Rio de Janeiro: Editora Intrínseca; original “The Quest: Energy, Security, and the Remaking of the Modern World” publicado em 2011), analisa as consequências do choque de demanda ocorrido em 2004.

Estavam todos os elementos para um boom do petróleo: o investimento no desenvolvimento de novas fontes de oferta de petróleo foi controlado pelo trauma do colapso de preços de 1998. Mas agora a demanda aumentava e os problemas na Venezuela, na Nigéria e no Iraque reduziam a oferta no mercado. O resultado seria um mercado historicamente escasso.

Em geral, a indústria mundial de petróleo opera com alguns milhões de barris de capacidade ociosa. Entre 1996 e 2003, por exemplo, a capacidade ociosa era, em média, de quatro milhões de barris por dia. Essa capacidade não utilizada é um “colchão” de proteção, um mecanismo de absorção de choques para lidar com repentinos aumentos de demanda ou possíveis rupturas na oferta.

Um país fornecedor assumiu um compromisso explícito de manter uma significativa capacidade excedente. A política da Arábia Saudita é desenvolver e manter uma capacidade ociosa entre 1,5 e dois milhões de barris por dia a fim de promover a estabilidade do mercado. Mas, em outros países, a capacidade ociosa não é programada.

Em 2005, no entanto, o aumento da demanda e as rupturas da oferta encolheram a capacidade ociosa a não mais de um milhão de barris por dia. O colchão de proteção quase desapareceu.

Em termos de capacidade ociosa absoluta, o mercado do petróleo estava consideravelmente pior em relação à véspera da crise do petróleo de 1973. Em termos relativos estava ainda mais restrito, porque o mercado mundial de petróleo era 50% maior em 2005 face a 1973.

Em tais circunstâncias, o inevitável acontece. O preço precisa aumentar para equilibrar oferta e demanda, exigindo mais produção e investimento de um lado do livro-razão e, do outro, sinalizando a necessidade de moderação no crescimento da demanda.

Na primavera de 2005, a faixa de preço da Opep de US$ 22 a US$ 28 já havia sido superada. Muitos talvez acreditassem que US$ 40 a US$ 50 fosse um “preço justo” para o petróleo.”

Os investidores exerciam enorme pressão sobre as gerências das empresas para elas demonstrassem “disciplina de capital” e contivessem os gastos. A recompensa foi o aumento do valor das ações. Se não prestassem atenção na repreensão, as empresas seriam punidas com um preço menor de suas ações.

Os investidores, em meados de 2004, “desconfiariam” da alta administração se as empresas começassem a elevar os investimentos por causa do aumento dos preços do petróleo mais altos. Ele não seria apenas um aumento conjuntural?

Disciplina de capital” significava cautela. Os mantras eram: “corte de custos” e “redução de capacidade”. Isso significava reduções de pessoal, equipamentos de exploração e tudo mais.

No final da década de 1990 e início da de 2000, não só muitas pessoas especializadas deixaram o setor como também as matrículas nos cursos de engenharia do petróleo e outras matérias ligadas ao petróleo despencaram. Se não havia empregos, por que formar-se nessa área?

Entretanto, o aumento repentino da demanda em 2004 e 2005 provocou uma mudança abrupta. Não havia mais o medo de voltar a 1998 e de ocorrer um gigantesco superávit, reduzindo rapidamente os preços. Acontecia exatamente o inverso: não havia petróleo suficiente.

De uma hora para a outra, o setor teve de acelerar o desenvolvimento de novo aprovisionamento de petróleo o mais depressa possível. As empresas começaram a competir com mais presença por território e acesso aos recursos.

O custo de entrada em novas oportunidades de produção subiu. Os países ganhavam mais dinheiro em relação ao previsto, então estavam mais rígidos com relação às demandas financeiras sobre as empresas e, nesse ambiente mais competitivo, podiam impor os termos desejados.

A competição pelas oportunidades de exploração e produção intensificou-se com a chegada de pessoal novo no comércio internacional. As NOCs, baseadas em países emergentes, estavam dispostas a gastar para obter acesso ao mercado.

A capacidade de reação do setor estava paralisada. A contração cobrou seu preço. Não havia engenheiros de petróleo suficientes, tampouco geólogos, plataformas de perfuração, dutos, navios para transporte da produção e muito mais. Assim, os custos aumentaram.

Escassez de pessoal e atrasos na entrega do equipamento significavam  os novos projetos levarem mais tempo face ao planejado, estourando os orçamentos.

Além disso, o custo dos insumos — como o aço usado nas plataformas, o níquel e o cobre — também aumentava demais. O crescimento chinês demandava commodities, continuando a atrair suprimentos do mundo inteiro. Era a alta no mercado de commodities.

O impacto econômico de toda essa escassez foi os custos totais dos projetos mais que dobrarem em menos de cinco anos. O orçamento para se desenvolver um campo petrolífero em 2008 seria o dobro do orçamento para o mesmo campo em 2004. Inevitavelmente, esses custos crescentes também contribuíram para o aumento do preço do petróleo.

 

 

2004: Quando Todos os Países do Mundo Cresceram publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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