quarta-feira, 25 de março de 2020

Economia Narrativa: o que há em uma estória?

Robert J. Shiller, no livro “Economia Narrativa“, diz a expressão Economia Narrativa já ter sido usada antes, embora raramente. O Dicionário de Economia Política de R. H. Inglis Palgrave (1894) contém uma breve menção à Economia Narrativa, mas o termo parece se referir a um método de pesquisa. Ele apresenta a própria narrativa de eventos históricos.

Shiller não está preocupado em apresentar uma nova narrativa, mas em estudar as narrativas de outras pessoas sobre os principais eventos econômicos, as narrativas populares tornadas virais. Ao usar o termo Economia Narrativa, concentra-se em dois elementos:

(1) o contágio boca a boca de ideias na forma de histórias e

(2) os esforços feitos pelas pessoas para gerar novas histórias contagiosas ou para tornar as histórias mais contagiosas.

Antes de mais nada, quer examinar como o contágio narrativo afeta os eventos econômicos.

A palavra narrativa é frequentemente sinônimo de história. Mas seu uso do termo reflete um significado moderno particular dado no Oxford English Dictionary: “uma história ou representação usada para dar uma explicação ou justificativa de uma sociedade, período etc.”

Expandindo essa definição, Shiller acrescentaria: as histórias não se limitam a cronologias simples de eventos humanos. Uma história também pode ser uma música, piada, teoria, explicação ou plano com ressonância emocional e capacidade de ser facilmente transmitida em conversas casuais.

Podemos pensar na história como uma sucessão de grandes eventos raros nos quais uma história se torna viral, geralmente (mas nem sempre) com a ajuda de uma celebridade atraente (mesmo uma celebridade menor ou uma figura fictícia), cujo apego à narrativa agrega interesse humano.

Por exemplo, as narrativas da segunda metade do século XX descrevem o livre mercado como “eficiente” e, portanto, impermeável à melhoria da ação do governo. Essas narrativas, por sua vez, levaram a uma reação pública contra a regulamentação.

É claro existirem críticas legítimas à regulamentação como praticadas na época, mas essas críticas geralmente não eram poderosamente virais. As narrativas virais precisam de personalidade e história.

Uma dessas narrativas envolveu o astro de cinema Ronald Reagan. Ele se tornou um nome familiar como o narrador espirituoso e charmoso do popular programa de televisão norte-americano General Electric Theatre, de 1953 a 1962. Depois de 1962, ele entrou na política em apoio ao livre mercado. Reagan foi eleito presidente dos Estados Unidos em 1980. Na reeleição de 1984, ele venceu todos os estados, exceto o estado de origem de seu oponente. Reagan usou sua celebridade para lançar uma enorme revolução dos livres-mercados, cujos efeitos, alguns bons e outros doentios, ainda estão conosco hoje.

O contágio é mais forte quando as pessoas sentem um vínculo pessoal com um indivíduo na raiz da história ou na raiz, seja do tipo de personalidade das ações ou de uma celebridade real. Por exemplo, a narrativa de que Donald J. Trump é um negociador duro e brilhante e um bilionário criado por si mesmo [self-made-man] está no centro de uma narrativa econômica. Ela levou à sua improvável eleição como presidente dos EUA em 2016.

As celebridades às vezes inventam suas próprias narrativas, como no caso de Trump, mas, em muitos casos, o nome da celebridade é meramente adicionado a uma narrativa mais antiga e mais fraca para aumentar seu contágio. Este é o caso na história do “homem feito por si mesmo”, contada muitas vezes, sempre com uma celebridade diferente. Shiller discute muitas narrativas baseadas em celebridades ao longo deste livro.

A Economia Narrativa demonstra como as histórias populares mudam ao longo do tempo para afetar os resultados econômicos, incluindo não apenas recessões e depressões, mas também outros fenômenos econômicos importantes.

A ideia de os preços das casas só poderem subir se apoia nas histórias de ricas nadando em suas piscinas, vistas na televisão. A ideia de o ouro ser o investimento mais seguro atribui-se a histórias de guerra e depressão. Essas narrativas têm um elemento contagioso, mesmo quando seu apego a uma celebridade seja tênue.

Em última análise, as narrativas são os principais vetores de rápidas mudanças na cultura, no zeitgeist e no comportamento econômico. Às vezes, as narrativas se fundem com modismos e manias. Os comerciantes e promotores mais experientes os amplificam na tentativa de lucrar com eles.

Além das narrativas populares, também existem narrativas profissionais, compartilhadas entre comunidades de intelectuais. Elas contêm ideias complexas. Afetam sutilmente o comportamento social mais amplo.

Uma dessas narrativas profissionais, a Teoria da Caminhada Aleatória dos Preços Especulativos [“the random walk theory of speculative prices”] sustenta os preços no mercado de ações incorporarem todas as informações, o que implica as tentativas de vencer o mercado serem fúteis. Essa narrativa tem um elemento de verdade, como costumam fazer as narrativas profissionais, embora exista agora uma literatura profissional encontrando imperfeições não previstas pela teoria.

Ocasionalmente, essas narrativas profissionais se traduzem em narrativas populares, mas o público geralmente distorce essas narrativas. Por exemplo, uma narrativa distorcida afirma: uma estratégia de compra e manutenção [“a buy-and-hold strategy”] no mercado acionário doméstico é a melhor decisão de investimento.

Essa narrativa entra em conflito com o cânone profissional, apesar da ideia popular de a estratégia de compra e manutenção vir de pesquisas acadêmicas. Como a interpretação popular da caminhada aleatória, algumas narrativas distorcidas têm um impacto econômico por gerações.

Como em qualquer tipo de reconstrução histórica, não podemos voltar no tempo com um gravador de som para capturar as conversas criativas e capazes de espalharem as narrativas. Portanto, precisamos confiar em fontes indiretas. No entanto, agora podemos capturar o arco das narrativas contemporâneas por meio das mídias sociais e outras ferramentas, como o Google Ngrams.

Economia Narrativa: o que há em uma estória? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário