Robert J. Shiller, no livro “Narrative Economics: How Stories Go Viral & Drive Major Economic Events” (Princeton University Press; 2019), diz: “de um modo geral, a maioria das pessoas abriga medos e preocupações vagos estimulados pelas narrativas, mas esses medos têm pouco ou nenhum efeito em suas ações. As narrativas se tornam narrativas econômicas quando envolvem histórias nas quais outras pessoas agem e descrevem as ações realizadas, como investir e enriquecer em determinados mercados financeiros. Assim, as narrativas econômicas tendem a envolver roteiros, sequências de ações possíveis de alguém executar por nenhuma razão melhor do que ouvir narrativas de outras pessoas fazendo essas coisas.”
Tentar entender os principais eventos econômicos, observando apenas os dados sobre mudanças nos agregados econômicos, como Produto Interno Bruto, salários, taxas de juros e impostos, provoca o risco de perder as motivações subjacentes à mudança. Fazer isso é como tentar entender um despertar religioso observando o custo de imprimir folhetos religiosos.
Mas é fácil perceber por que os economistas frequentemente caem nessa armadilha: existem dados abundantes para o PIB, salários, taxas de juros e impostos, mas os dados sobre as narrativas são, na melhor das hipóteses, raros.
Os economistas podem estar caindo no chamado pelo historiador Jerry Z. Muller de “tirania das métricas”. Muller não se opõe a fornecer índices quantitativos de fenômenos econômicos importantes, mas observa a maioria das pessoas reagir exageradamente a esses índices e falhar em perceber estarem superestimando a importância de quantificações arbitrárias. Elas são realmente de valor limitado.
As pessoas tomam decisões econômicas em um contexto de narrativas. Mas, geralmente, não explicam suas decisões. Se solicitadas a explicar, elas podem ficar sem palavras ou tentar falar como economistas.
Como, por exemplo, alguém pode explicar as principais razões pelas quais ele ou ela hesitou em gastar durante uma recessão? A hesitação em agir pode ser causada apenas pela ausência de qualquer pensamento identificável para agir, em meio a um grande número de outros pensamentos.
Histórias contagiosas são amplamente criativas e inovadoras, não apenas uma reação lógica aos eventos econômicos. Por exemplo, as principais correções do mercado de ações ocorrem ao longo de muitos dias, durante os quais o público tem tempo de sobra para ler os escritos às vezes criativos e sensacionalistas dos vários meios de comunicação, cujo trabalho é atrair atenção.
Durante esse período, os participantes do mercado de ações participam de inúmeras conversas. Eles reinterpretam as notícias em esforços não apenas para informar, mas também para divertir.
O processo é de várias maneiras um evento aleatório, como a mutação em um micróbio, como uma bactéria ou vírus. Uma celebridade, por exemplo, pode expressar uma frase de forma clara.
Foi o acontecido, em 15 de outubro de 1929, duas semanas antes do colapso de 1929, quando o famoso professor Irving Fisher, de Yale, em discurso na Associação de Agentes de Compras de Nova York, disse: “o mercado de ações dos Estados Unidos atingiu um valor permanentemente alto, ou seja, um platô.”
Os jornais pegaram estamparam em manchete aquela frase nova e colorida nos dias seguintes. Essa frase espetacularmente inoportuna e irônica se tornou uma epidemia, provavelmente afetando a duração do desastre do mercado. Ainda hoje é amplamente lembrada.
De fato, essas três palavras são mais famosas hoje se comparadas ao título de qualquer um dos livros escritos por Fisher durante anos. Eles estão no mesmo nível de outras “frases coloridas”, como exuberância irracional e curva de Laffer. Essas palavras e seus efeitos vieram de fora da Economia e, portanto, são exógenas.
Além disso, aniversários de eventos passados podem ressuscitar narrativas econômicas. Embora uma narrativa dos últimos anos – como a quebra da bolsa de 1987 – tenha perdido seu efeito contágio, ela ainda pode existir nos recônditos escuros da memória, pelo menos para as pessoas mais velhas. Mas tem o potencial de se tornar contagiosa novamente, se for aprimorada (e provavelmente renomeada) e reconectada a uma história de interesse humano.
Por exemplo, a mídia noticiosa tende a lembrar o público sobre a queda de 1987 nos principais aniversários. Ela continuará previsivelmente até quando ocorra uma queda maior em um único dia. Nesse momento, 1987 não será mais o detentor do recorde. E nesse momento não será mais de nenhum interesse.
É claro os economistas estarem cientes das narrativas associadas aos eventos, mas trabalham principalmente no pressuposto de as narrativas nada mais serem nada além de um pouco de tolice esperada antes da descoberta de mudanças em notícias reais sobre forças econômicas mais profundas. A presunção é essas forças econômicas profundas serem causadas exclusivamente por avanços científicos na produção, descoberta ou esgotamento inesperado dos recursos naturais, mudanças demográficas ou pesquisas econômicas. Esses fatores estruturais fornecem novas informações sobre como os formuladores de políticas governamentais podem adotar melhores regras de ação.
Mas esse modo de pensar perde os elementos essenciais causadores de mudanças na economia. Como visto na parte I deste livro de autoria de Robert J. Shiller, “Economia Narrativa“, as narrativas econômicas em torno desses eventos funcionam de maneiras previsíveis:
- são contagiosas,
- sugerem roteiros para as pessoas seguirem,
- repetem suas mensagens e
- prosperam por conta do interesse humano.
Ao fazer isso, eles afetam a sociedade e o curso da atividade econômica de maneiras altamente consequenciais.
Eventos aleatórios: como uma narrativa se torna uma narrativa econômica? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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