O objetivo deste livro de autoria de Robert J. Shiller, “Narrative Economics: How Stories Go Viral & Drive Major Economic Events” (Princeton University Press; 2019), é melhorar a capacidade das pessoas de antecipar e lidar com grandes eventos econômicos, como depressões, recessões ou estagnação secular, ou seja, de longo prazo. Incentiva-as a identificar e incorporar em seus pensamentos as narrativas econômicas. Elas ajudam a definir esses eventos.
Antes de podermos prever com confiabilidade, precisamos entender as verdadeiras causas finais desses eventos. O principal problema é determinar o que é uma causa versus o que é uma consequência.
Embora os economistas modernos tendam a ser muito atentos à causalidade, como regra geral eles não atribuem nenhum significado causal à invenção de novas narrativas. Shiller quer argumentar aqui não apenas a causalidade existir, mas também ser nos dois sentidos: novas narrativas contagiosas causam eventos econômicos e eventos econômicos causam mudanças nas narrativas.
Certamente, quase nada além de manchas no sol é puramente uma influência externa sobre a economia, mas podemos pensar em novas narrativas como inovações causais, porque cada narrativa se origina na mente de um único indivíduo ou como uma colaboração entre algumas poucas pessoas. O historiador econômico Joel Mokyr (2016) chama esse indivíduo de “empreendedor cultural“. Ele remonta ao conceito do filósofo e polímata David Hume, escrito em 1742:
“O que depende de poucas pessoas é, em grande parte, atribuído ao acaso ou a causas secretas e desconhecidas; o que surge de um grande número pode frequentemente ser explicado por causas determinadas e conhecidas.”
Compreender os efeitos das “poucas pessoas” criarem novas narrativas contagiosas é essencial para formular os fundamentos de uma teoria da Economia Narrativa.
Os efeitos de “poucas pessoas” às vezes funcionam através da criação de novas narrativas contagiosas. Embora as narrativas sejam comumente ligadas às celebridades, as “poucas pessoas” inventoras de uma narrativa contagiosa geralmente não são famosas, e muitas vezes nunca saberemos quem elas eram. Mais tarde, podemos procurar celebridades ligadas a elas, mas geralmente não encontraremos seus autores.
Neste capítulo, Shiller considera os elementos causais capazes de tornarem as narrativas econômicas virais – especialmente, histórias e narrativas – com o objetivo de desenvolver um melhor entendimento da estrutura profunda dessas narrativas.
Não é fácil provar a direção da causalidade entre uma narrativa e a economia. Por exemplo, as histórias de especuladores bem-sucedidos e entusiasmo selvagem por ações, características da década de 1920, causaram aumento nos preços das ações e aumento dos ganhos corporativos? Ou esses ganhos aumentados causaram entusiasmo?
O entusiasmo semelhante pelo Bitcoin após 2009 foi responsável pelo aumento do preço do Bitcoin? Ou o valor agregado do Bitcoin foi apenas uma reação lógica às notícias e novos progressos na teoria matemática da criptografia?
Um problema no estabelecimento da direção da causalidade para os principais eventos econômicos é os economistas geralmente não poderem executar experimentos controlados de modo a simularem com precisão as condições econômicas em geral.
Por sua vez, os cientistas de laboratório conduzem ensaios aleatórios, talvez administrando um medicamento em teste a um grupo experimental e um placebo a um grupo controle e, em seguida, usando análises estatísticas para determinar se o medicamento realmente faz com que os pacientes se recuperem. O melhor possível a ser feito pelos economistas é procurar eventos possíveis de ser considerados experimentos naturais.
Henry W. Farnam, em seu discurso presidencial de 1912 na Associação Econômica Americana, abordou a incapacidade dos economistas de realizar experimentos controlados, afirmando, no entanto, o estudo da história econômica poder permitir os economistas deduzirem causalidade porque choques aleatórios ocorreram na história, como quando os governos embarcaram em políticas econômicas loucas. De fato, Farnam disse: “O economista tem muita sorte de ter experimentado experimentos para ele sem despesa”.
Em sua História Monetária dos Estados Unidos, em 1963, Milton Friedman e Anna J. Schwartz deram três exemplos chamados por eles de “experimentos quase controlados” para estabelecer um impacto causal da política monetária para a economia agregada:
- as grandes descobertas de ouro de 1897 a 1914 , expandindo a oferta de moeda, e
- os períodos durante e imediatamente após a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial.
Podemos debater se esses eventos foram choques exógenos verdadeiramente aleatórios, isto é, não causados pela economia [forças de mercado], mas muito mais discussões sobre inferir a direção da causalidade com dados econômicos ocorreram desde 1963.
A conclusão geral é ser realmente possível inferir causalidade mesmo quando experimentos controlados são impossíveis. Novas narrativas podem ser interpretadas como exógenas, ajudando-nos a identificar experimentos quase controlados adicionais.
De fato, as descobertas de ouro e as guerras, mencionadas por Friedman e Schwartz, provavelmente eram exógenas porque foram possibilitadas por inovações em narrativas populares, como histórias de corrida do ouro ou notícias falsas sobre conspiração estrangeira.
Devemos ter cuidado com a suposição de muitos (mas não todos) economistas de a causalidade sempre ir dos eventos econômicos às narrativas, e não o contrário.
Houve um debate animado sobre o impacto das profecias autorrealizáveis na economia. O sociólogo Robert K. Merton cunhou a expressão profecia autorrealizável em 1948, com a intenção de aplicar o conceito às flutuações econômicas. O termo geralmente se refere a profecias estimuladas por eventos genuinamente estranhos, com o exemplo mais popular sendo manchas solares. Estas manchas no sol vêm e passam no tempo e são observáveis através de telescópios.
O economista William Stanley Jevons propôs em 1878 as flutuações econômicas mundiais poderem ser conduzidas por “variações periódicas dos raios solares, das quais as manchas solares são um mero sinal”. Se o calor proveniente do sol for mais forte em alguns anos do que em outros, as culturas e outras produções econômicas podem ser mais fortes nos anos mais quentes, o que pode levar a grandes flutuações econômicas.
Em 1878, já havia evidências astronômicas da atividade solar. Elas remontam a séculos, na forma de contagens de manchas solares ao longo do tempo. Ele pensou ter discernido uma correlação entre a contagem de manchas solares e os “eventos econômicos”.
A causa dessa correlação tinha de ser o sol, pois não existe uma teoria concebível de a causalidade poder acontecer de outra maneira, desde eventos econômicos na Terra até pontos no sol. Sua teoria parecia plausível, mas a pesquisa econômica subsequente não a apoiou, e as variações na produção solar são muito pequenas para causar tal efeito substancial.
As manchas solares dificilmente devem afetar a economia, mas podem fazê-lo se as pessoas acreditarem elas deverem fazer isso, como explicaram os economistas David Cass e Karl Shell em 1983.
Agora, os economistas usam o termo “manchas solares” para se referir a qualquer ruído estranho capaz de afetar a economia porque as pessoas acreditam ser possível.
O economista Roger E. A. Farmer tem sido um líder no campo das profecias macroeconômicas de auto realização. Ao trabalho dele e de outros, Shiller acrescenta a ideia de essas profecias de auto realização não surgem do nada. Em vez disso, eles geralmente vêm de milhões de mutações nas narrativas, das quais algumas são contagiosas o suficiente no ambiente atual para se tornarem grandes epidemias. Como vimos, esse processo pode ser observado e modelado.
Fundamentos da Economia Narrativa: Causalidade e Constelações publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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