quinta-feira, 19 de março de 2020

Expansão do Crédito, Inflação e Boom

No livro “Ação Humana: Um Tratado de Economia”, Ludwig von Mises se ocupa inicialmente apenas da inflação e da expansão de crédito. Depois trata da relação desta com o ciclo econômico.

“Enquanto subsistir a expansão do crédito, a taxa bruta de mercado continua atrasada em relação ao valor necessário para cobrir o juro originário e o prêmio compensatório positivo.

É necessário acentuar esse ponto para evidenciar a inconsistência dos critérios habitualmente adotados pelas pessoas para distinguir entre a considerada taxa de juro alta ou baixa. É comum considerar apenas o valor numérico das taxas ou a tendência apresenta pelas mesmas apresentam.” (…)

“Ao analisar o processo de expansão do crédito, suponhamos o processo de ajustamento do sistema econômico aos dados do mercado e o movimento em direção ao estabelecimento dos preços finais e das taxas de juro finais sejam perturbados por um novo dado, a saber, uma quantidade adicional de meios fiduciários ofertada no mercado de crédito.

Pela taxa bruta de juro prevalecente no mercado na véspera dessa perturbação, todos aqueles desejosos de tomar empréstimos, devidamente considerado o componente empresarial, poderiam obter todo o crédito desejado.” (…)

“Uma queda na taxa bruta de juro do mercado afeta os cálculos do empresário quanto à lucratividade de seus projetos. O homem de negócios considera nos seus cálculos, quando planeja algum empreendimento, não só os fatores materiais de produção, os salários e os futuros preços dos produtos que irá produzir, mas também as taxas de juros. O resultado desses cálculos mostra ao homem de negócios se um determinado projeto será lucrativo ou não.” (…)

“Mas uma queda na taxa de juro decorrente de uma expansão do crédito falseia o cálculo empresarial. Embora a quantidade de bens de capital disponíveis não tenha aumentado, o cálculo emprega parâmetros só utilizáveis se esse aumento tivesse ocorrido.

O resultado, portanto, é enganador. Esses cálculos fazem alguns projetos parecerem viáveis e exequíveis, quando um cálculo correto, baseados em uma taxa de juro não deformada pela expansão de crédito, mostraria a sua inviabilidade. Os empresários se lançam na realização desses projetos; a atividade empresarial fica estimulada. Tem início um boom.

A demanda adicional provocada pelos empresários afim de expandir os seus negócios tende a aumentar os preços dos bens de produção e dos salários. Com o aumento dos salários, o preço dos bens de consumo também aumenta.

Além disso, os empresários também contribuem para o aumento dos bens de consumo, uma vez que, iludidos pelos falsos ganhos indicados pela sua contabilidade, dispõem-se a consumir mais. A alta geral de preços espalha otimismo.

Se pelo menos os preços dos bens de produção tivessem aumentado e os dos bens de consumo não tivessem sido afetados, os empresários seriam mais cautelosos. Teriam dúvidas quanto à viabilidade de seus planos, por conta de o aumento no custo de produção perturbar os seus cálculos.

Mas a expansão da demanda por bens de consumo, possibilitando uma expansão de vendas apesar dos preços maiores, tranquiliza os empresários. Mantém-lhes a confiança na ideia de a produção ser lucrativa, apesar dos maiores custos envolvidos. Decidem, então, ir adiante.

Evidentemente, para poderem continuar a produzir nesta maior escala provocada pela expansão do crédito, todos os empresários, tanto quem expandiu suas atividades como quem continua produzindo o mesmo de antes, precisam de mais recursos, por conta de os custos de produção serem agora maiores.

Se a expansão de crédito consiste em uma única injeção, não repetida, de uma determinada quantidade de moeda fiduciária no mercado de crédito, o boom não poderá durar muito tempo. Os empresários não conseguem obter os recursos de necessitados para dar continuidade aos seus projetos.

A taxa bruta de juro do mercado aumenta porque a maior demanda por empréstimos não é contrabalançada por um correspondente aumento na quantidade de moeda disponível para empréstimo. Os preços das mercadorias caem porque alguns empresários vendem seus estoques e outros se abstêm de comprar. A atividade empresarial se contrai novamente.

A alta termina porque as forças capazes de a terem provocado deixaram de atuar. A quantidade adicional de crédito circulante esgotou a sua capacidade de influir sobre preços e salários.

Os preços, os salários e os vários encaixes individuais ajustam-se à nova relação monetária. Deslocam-se em direção ao estado final correspondente a essa nova relação monetária, sem serem desviados por novas injeções de meios fiduciários adicionais.

A taxa de juro originário correlativo a essa nova estrutura do mercado age, com todo o seu peso, sobre a taxa bruta de juro do mercado. A taxa bruta de juro já não está mais sujeita às influências perturbadoras das mudanças na quantidade de moeda (no sentido amplo) provocadas por variações dos encaixes.

A principal falha de todas as tentativas de explicar o boom – tendência geral de expansão da produção e de aumento de todos os preços – consiste precisamente em não levar na devida conta as mudanças na quantidade de moeda ou dos meios fiduciários. Um aumento geral dos preços só pode ocorrer se houver uma queda na oferta de todas as mercadorias ou um aumento na quantidade de moeda no sentido amplo.” (…)

“Na verdade, todas as teorias não monetárias do ciclo econômico supõem tacitamente – ou deveriam logicamente fazê-lo – a ideia de que a expansão do crédito é um fenômeno concomitante ao período de alta.

São forçadas a admitir, na ausência de uma expansão do crédito, nenhuma alta poderia emergir. O aumento da quantidade de moeda (no sentido amplo) é uma condição necessária da alta geral dos preços.

Daí resulta, pois, examinadas mais de perto, tais explicações não monetárias das flutuações cíclicas limitam-se a afirmar: a expansão do crédito, embora seja um requisito indispensável para poder ocorrer um boom, não constitui, por si só, uma condição suficiente para provocá-lo, sendo necessária a ocorrência de outras circunstâncias.

Mesmo nesse sentido mais restrito, os ensinamentos das teorias não monetárias são inúteis. É evidente toda expansão do crédito provocar um período de alta como o já descrito acima.

Isso só não ocorrerá se a expansão do crédito for contrabalançada simultaneamente por outro fator. Se, por exemplo, enquanto os bancos expandirem o crédito, as pessoas estiverem convencidas de o governo ir confiscar, pela via tributária, todo lucro “excedente”, ou de que irá impedir a expansão do crédito prosseguir tão logo a “expansão do gasto público” (pump-priming) resulte em elevação de preços, não poderá haver um boom.

Os empresários se absterão de expandir os seus negócios com a ajuda do dinheiro barato oferecido pelos bancos, porque não podem aumentar os seus ganhos. É necessário mencionar este fato porque ele explica o fracasso das medidas de expansão do investimento público adotadas ao tempo do New Deal, bem como outros eventos dos anos 1930. [Ignora os gastos bélicos em função da Economia de Guerra?!]

O boom só pode perdurar enquanto a expansão do crédito progredir em ritmo cada vez maior. O boom terminará assim quando quantidades adicionais de meios fiduciários deixarem de ser injetadas no mercado de crédito.

Mas não poderia durar eternamente, mesmo se a inflação e a expansão do crédito prosseguissem indefinidamente. Chegaria o momento quando a ilimitada expansão do crédito não poderia mais prosseguir. Chegaria o momento da alta de pânico (crack-up boom) e da quebra do sistema monetário.

 

 

Expansão do Crédito, Inflação e Boom publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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