Na Introdução do livro, Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil (Cambridge University Press, 2018) de coautoria de David J. Samuels (University of Minnesota) e Cesar Zucco (Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro), eles apresentam o que esperam realizar. Este livro concentra-se em explicar a única coisa capaz de dividir uma grande pluralidade de eleitores brasileiros: sentimentos sobre o PT.
Ao explicar as fontes e as consequências dessa divisão partidária, esperam contribuir para o estudo da política brasileira e para o estudo das fontes e consequências do partidarismo em massa popular.
Primeiro, oferecem uma explicação nova e generalizável para o surgimento partidarismo massivo. Seu foco será na conexão entre a marca por terceiros, a estrutura organizacional do partido e os esforços de divulgação do partido na sociedade civil. Verificam se essa marca explica sua diferenciação entre os partidos brasileiros e se esse esquema explicativo pode ser aplicado em qualquer lugar.
Também explicam por que muitos eleitores brasileiros têm ou atitudes partidárias positivas ou negativas, assim como muitos outros não têm nenhum sentimento político, optando pela indiferença. A maioria dos brasileiros – assim como cidadãos de toda parte – não têm interesse em Política. Muitos envolvem-se na política através da família, amigos ou vizinhos. Outros encontram um caminho para a política através do seu envolvimento em organizações da sociedade civil.
Dentro desses termos de cultivo da identidade partidária positiva, a questão é: por que alguns partidos se envolvem em esforços de divulgação de sua marca para a sociedade civil, enquanto outras siglas não importam com isso? Essa variação na estratégia partidária explica padrões na evolução do partidarismo positivo entre os principais partidos do Brasil.
Seguindo o argumento sobre partidos de “elite” e a hipótese sobre as consequências dependentes do caminho [path dependence ou dependência de trajetória] das primeiras evoluções dos partidos, os coautores atribuem o sucesso do PT, o declínio do PMDB e a falha do PSDB e DEM em cultivar uma base considerável de partidários militantes na variação na cultura organizacional desses partidos durante seus anos de formação.
O PT surgiu como um partido “de fora” [outsider] e procurou transformar suas principais fraquezas – falta de recursos financeiros e acesso a políticas beneficiárias de estar no poder – em pontos fortes. Enfatizou um compromisso coletivo de oposição à ditadura, expansão de oportunidades participativas e promoção da igualdade socioeconômica, e buscou apoio em organizações sociedade civil. Com o tempo, tornou-se mais moderado e pragmático, mas nunca repudiou explicitamente seus princípios fundamentais de democracia, participação e igualdade. Também manteve sua estratégia de alavancar sua organização partidária para chegar a indivíduos da sociedade civil organizada.
Esta história conecta os esforços “de cima para baixo” dos líderes do PT com a emergência “de baixo para cima” de identidades partidárias entre os eleitores brasileiros. Ao contrário de outros partidos, os líderes do PT investiram persistentemente na construção do partido e no desenvolvimento de uma cultura organizacional capaz de alavancar conexões com a sociedade civil, mesmo depois de o partido ter conquistado a presidência em 2002.
O surgimento do petismo também requer o componente “de baixo para cima” – a dramática transformação da sociedade civil brasileira nas últimas décadas, quando se viu milhões de cidadãos comuns se unirem em um esforço para transformar suas próprias vidas e as vidas de suas comunidades. Através da mobilização e engajamento em movimentos sociais e trabalhistas, esses brasileiros demonstraram identidades políticas proto-petistas adquiridas por companheirismo. Eles tinham uma afinidade eletiva por o PT – e o PT os procurou deliberadamente.
Esse livro também oferece uma nova explicação para o significado da evolução do petismo. Os poucos brasileiros capazes de autodenominarem “petistas”, quando o partido surgiu em seus primórdios, estavam ideologicamente motivados, mas os muitos milhões a se chamar “petistas” sob o governo Lula eram “pragmáticos ativistas”.
Eles acreditavam na eficácia da participação política, mas estavam mais interessados em fazer as coisas melhorarem para si e sua família. Neste propósito, o governo poderia fazer mais por eles em lugar de marcar pontos ideológicos. Como explicam no capítulo 4, essa mudança teve implicações importantes para a ascensão e queda do petismo.
O argumento dos coautores sobre o surgimento de partidarismo negativo também é geral. Quando emergem novos grupos capazes de representarem uma ameaça percebida para os indivíduos e/ou interesses do grupo, o partidarismo negativo pode surgir mesmo na ausência de ação partidária “de cima para baixo” para cultivá-la. Este livro estuda o caso de uma inclusão mais consistente de atitudes partidárias negativas no estudo do comportamento político de massa popular.
Por décadas, os estudiosos têm tipicamente destacado os apartidários concentrados naqueles com atitude indiferente, pela qual realmente não se importam com partidos, juntamente com aqueles incapazes de terem um apego partidário positivo, mas capazes de sentirem poderosa antipatia em relação a uma festa em particular. Este é um erro resultante em custos significativos para a compreensão do comportamento político de massa popular.
No Brasil – como em outros países – os antipartidários são numerosos e comportam-se bastante diferentemente dos não-partidários. Agrupar os dois grupos juntos significa uma séria perda de informações úteis sobre política.
O livro também considera a questão importante de qual diferença – se foi qualquer uma – o PT fez para a política brasileira. Os estudiosos do PT têm focado em seu surgimento e evolução, além das batalhas de suas facções internas. Neste trabalho, o partido é a variável dependente, com estudiosos procurando explicar quais fatores levaram o partido a se adaptar e mudar seu caminho para o poder. Até o momento, poucos trocaram de lente para ver o PT como variável independente, perguntando: “Quais são as consequências do surgimento e da evolução do PT para a política e a sociedade brasileiras?”
Através da análise do impeachment golpista sobre a Presidenta Dilma, os estudiosos prestaram pouca atenção à questão do impacto do PT, se positivo ou se negativo. Apesar de seu profundo mal-estar atual, o PT continua sendo um exemplo-chave de implementação de um governo de esquerda na América Latina. Até que ponto partidos de esquerda grandes como o PT lograram resultados políticos, econômicos e sociais?
Não pretendem oferecer uma resposta abrangente a esta pergunta.
De acordo com o tema do livro, os coautores focam na disseminação do petismo e antipetismo entre os eleitores, enfatizando o impacto do PT no sistema partidário brasileiro sobre o eleitorado. A esse respeito, a ascensão do PT é o fator mais importante, tendo moldado o comportamento político de massa no Brasil desde a redemocratização. O crescimento do partido estrutura – a favor ou contra – o comportamento de até metade dos eleitores brasileiros. Assim como os estudiosos da política argentina ainda exploram o peronismo e estudiosos da política americana exploram o partidarismo cada vez mais polarizado entre democratas e republicanos, quem procura entender o Brasil deve entender o impacto do petismo e antipetismo nas atitudes e comportamento dos eleitores brasileiros.
Por fim, buscam contribuir para o estudo comparativo do partidarismo em massa na América Latina. O Brasil é, de acordo com a Ciência Política convencional, oferece um campo difícil para o partidarismo criar raízes. Explicam como o ID do partido pode crescer nessa difícil situação institucional e no contexto sociológico de elevadíssima desigualdade social.
Ao fazê-lo, também lançam luz sobre as condições sob quais os eleitores provavelmente deixarão seus apegos partidários para trás. Esta última questão está relacionada ao tema do colapso dos partidos políticos – um tópico de considerável interesse recente na América Latina, dados os eventos de despolitização e/ou alienação política, deixando as decisões cruciais para outras pessoas, participantes da restrita oligarquia política.
Embora seja possível o PT desaparecer, os coautores não contam com a ascensão de qualquer um dos partidos existentes pelo Brasil afora em substituição ao papel do PT. Alguns sintomas do declínio recente do PT podem ser devido ao fraco desempenho de Dilma no cargo, em seu segundo mandato, quando abandonou o social-desenvolvimentismo e adotou o neoliberalismo, e à implacável enxurrada de notícias relacionadas à corrupção.
Antes e depois do impeachment golpista, as denúncias se concentraram principalmente nos líderes do PT. No entanto, depois da Dilma ter sido removida à força do cargo por causa de uma eventual maioria no Congresso Nacional, a culpa pelo desempenho econômico passou para o governo sucessor. E os escândalos continuaram a envolver políticos de outros partidos, votantes do golpe semi-parlamentarista.
Se o PT defender com credibilidade ainda representar uma alternativa para governar o Brasil, muitos ex-partidários poderiam voltar à disputa. Dada a densidade organizacional e vínculos de longa data do partido com a sociedade civil organizada, é até possível o PT conseguir um retorno e permanecer como um participante-chave da política brasileira por algum tempo. Ainda assim, mesmo se desaparecer, sua ascensão de três décadas continuará sendo intrinsecamente um fenômeno merecedor ser melhor compreendido.
Objetivo do Livro “Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil” publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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