Hans Rosling, no livro póstumo “Factfulness: O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos”, diz respeito ao instinto de reducionismo genérico.
Todos, em todas as partes, sabem que pessoas de tribos diferentes têm costumes diferentes. Porém, todo mundo automaticamente categoriza e generaliza o tempo inteiro. De forma inconsciente.
Não é uma questão de ser preconceituoso ou esclarecido. Categorias são absolutamente necessárias para buscar análise do mundo real. Elas estruturam nossos pensamentos. Imagine se víssemos cada indivíduo e cada cenário como verdadeiramente únicos — nem mesmo teríamos uma linguagem para descrever o mundo ao redor.
O necessário e útil instinto de generalizar, como todos os outros instintos tratados nesse livro, também pode distorcer nossa visão de mundo. Pode fazer agruparmos de forma equivocada coisas, pessoas ou países. Eles, na realidade são bastante diferentes.
Pode fazer assumirmos tudo ou todos em uma categoria serem similares. E, talvez o pior de tudo, pode fazer nos apressarmos em tirar conclusões sobre toda uma categoria com base em alguns poucos exemplos raros, ou mesmo um único.
Mais uma vez, a cobertura midiática é aliada do instinto. Generalizações e estereótipos enganadores funcionam como uma espécie de abreviatura para a mídia, fornecendo maneiras rápidas e fáceis de comunicar. A extrema privação apresentada na mídia acaba estereotipando a maioria da humanidade.
Quando muitas pessoas se conscientizam sobre uma generalização problemática, ela é chamada de estereótipo. Normalmente, fala-se sobre estereótipos de raça e gênero, como algo causador de problemas muito sérios, mas esses não são os únicos transtornos provocados por generalizações errôneas. Generalizações errôneas bloqueiam a mente para diversos tipos de entendimentos.
O instinto de separação divide o mundo entre “nós” e “eles”, e o instinto de generalização faz “nós” pensarmos todos “eles” serem iguais.
Você trabalha para uma empresa no Nível 4 de renda? Há um grande risco de você estar perdendo a maior parte dos seus potenciais consumidores e produtores por causa de suas generalizações. Você trabalha com finanças em um importante banco? Há um grande risco de você estar investindo o dinheiro dos seus clientes nos lugares errados, porque você está agrupando pessoas bastante diferentes.
Quase todo mundo no planeta está virando consumidor. Se você crê na concepção equivocada de o mundo ainda ser pobre demais para comprar qualquer coisa, corre o risco de perder a maior oportunidade econômica na história do planeta. Ficará gastando sua verba de marketing empurrando absorventes especiais de “ioga” a hipsters endinheiradas das maiores cidades europeias. Os executivos precisam de uma visão de mundo baseada em fatos para encontrar seus futuros consumidores.
Você precisa do instinto de generalização para tocar a vida cotidiana. Nós sempre precisamos de categorias. O desafio é perceber quais das nossas categorias simples são enganadoras — como países “desenvolvidos” e “em desenvolvimento” — e substituí-las por classes melhores, como os quatro níveis de renda diária: até US$ 2; entre esse valor e US$ 8; entre esse valor e US$ 32; acima desse valor.
Nada é melhor em lugar de uma experiência pessoal. Jovens privilegiados desejam fazer o bem ao mundo, mas não conhecem realmente o mundo. Simplesmente generalizam seus comportamentos a partir de sua própria experiência no Nível 4 para todos os países em situação de escassez ou miséria predominante no Nível 1. Generalizar a partir do normal no seu ambiente doméstico pode ser inútil ou até mesmo perigoso.
Hans Rosling, no livro “Factfulness: O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos”, diz: a Fundação Gapminder já enviou fotógrafos para visitar cerca de trezentas famílias em mais de cinquenta países. As fotos documentam como as pessoas comem, dormem, escovam os dentes e preparam a comida. Elas registram como suas casas são feitas, como os moradores as iluminam e aquecem, itens cotidianos como privadas e fogões, em um total de mais de 130 diferentes aspectos da vida cotidiana.
Os coautores poderiam encher um livro inteiro com imagens mostrando as extraordinárias semelhanças e as enormes diferenças entre o dia a dia das pessoas vivendo com as mesmas rendas em países distintos. Têm mais de 40 mil fotos. O que as fotos deixam claro é o fator principal a afetar como as pessoas vivem não é sua religião, cultura ou país onde moram, mas sua renda.
Vai ser útil se você sempre presumir suas categorias serem enganadoras. Aqui estão cinco poderosas maneiras de questionar suas categorias favoritas:
- procure por diferenças dentro de grupos e por semelhanças entre eles;
- tenha cautela em relação à “maioria”;
- tenha cautela em relação a exemplos excepcionais;
- suponha você não ser do padrão “normal”; e
- tenha cautela em generalizar de um grupo para outro.
Estereótipos de países simplesmente são desfeitos quando olhamos para as enormes diferenças dentro de países e para as igualmente enormes semelhanças entre países no mesmo nível de renda, independentemente de cultura ou religião.
Quando alguém diz um indivíduo ter feito algo porque pertence a determinado grupo — uma nação, cultura, religião —, tenha cuidado. Há exemplos de comportamento diferente no mesmo grupo? Ou o mesmo comportamento surge em outros grupos?
Por exemplo, a África é um imenso continente com 54 países e 1 bilhão de pessoas. Na África, encontramos gente vivendo em todos os níveis de desenvolvimento. Não faz sentido falar de “países africanos” e “os problemas da África”. Entretanto, as pessoas falam o tempo inteiro. Isso leva a consequências ridículas como o ebola na Libéria e em Serra Leoa afetando o turismo no Quênia, separados no continente por uma distância de cem horas de carro. Isso é mais longe do que de Londres a Teerã.
Quando alguém afirma que a maioria de um grupo tem alguma propriedade, isso pode soar como se a maior parte deles tenha algo em comum. Lembre-se: a maioria significa apenas mais da metade. Poderia significar 51%. Poderia significar 99%. Se possível, pergunte a porcentagem.
Por exemplo, eis um fato: em todos os países do mundo, a maioria das mulheres diz que suas necessidades de contraceptivos são atendidas. O que isso nos diz? Significa quase todas? Ou um pouco mais da metade? A realidade varia largamente de um país para outro.
Tenha cautela com exemplos excepcionais utilizados para afirmar algo sobre um grupo todo. Quimiofobia, o medo de produtos químicos, é guiado por generalizações a partir de alguns exemplos marcantes, mas excepcionais, de substâncias nocivas. Algumas pessoas ficam com medo de todos os “químicos”. Mas lembre-se de que tudo é feito de químicos, todas as coisas “naturais” e todos os produtos industriais. Aqui estão alguns dos favoritos de Hans Rosling. Ele preferiria não viver sem: sabão, cimento, plástico, detergente líquido, papel higiênico e antibióticos.
Se alguém lhe oferece um único exemplo e quer tirar conclusões sobre um grupo, peça mais exemplos. Ou vire a mesa: isto é, pergunte se um exemplo oposto faria você chegar à conclusão oposta. Se você não tem problema em concluir todos os químicos serem inseguros com base em um químico inseguro, você não estaria preparado para concluir todos os químicos são seguros com base em um químico seguro?
Mantenha-se aberto à possibilidade de sua experiência de vida talvez não seja “normal”. Tenha cautela em generalizar a partir de experiências do Nível 4 para o resto do planeta. Especialmente se isso levar à conclusão de outras pessoas serem idiotas por se comportarem diferentemente de si.
As pessoas devem estar dispostas a aprender com enormes erros de saúde pública em tempos modernos. Precisamos todos nos empenhar para não generalizar entre grupos incomparáveis. Precisamos todos nos empenhar para descobrir as amplas generalizações escondidas na nossa lógica. Elas são muito difíceis de serem descobertas. Mas, ao tomar contato com novas evidências, precisamos estar sempre prontos para questionar nossas suposições prévias e reavaliar e admitir se estávamos errados.
Instinto da Generalização publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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