terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Argumento para a Ascensão do Petismo e do Antipetismo

Na Introdução do livro, Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil (Cambridge University Press, 2018) de coautoria de David J. Samuels (University of Minnesota) e Cesar Zucco (Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro), eles elaboram uma explicação tanto para a ascensão do petismo quanto para a do antipetismo.

Para explicar a capacidade do PT de cultivar partidarismo em massa popular, concordam com a ideia de os esforços das elites para desenvolver e disseminar uma marca de partido são importantes. De acordo com a Teoria da Identidade Social (SIT), uma marca coerente é essencial por incutir na mente das pessoas a noção de existir um grupo político com os quais eles podem se identificar e nos quais podem investir emocionalmente sua energia psicológica.

Como a literatura sugere, eles também concordam com a ideia de o desenvolvimento de uma extensa organização do partido em nível nacional ser importante. No entanto, adicionam um terceiro elemento a esse debate, geralmente, ignorado pelos estudiosos: os partidos de massa usam sua organização para envolver indivíduos ativistas na sociedade civil organizada.

A organização formal do partido pode ser extensa, mas pode existir apenas no papel. Mesmo sendo extensa, pode ser muito descentralizada, dificultando as elites do comitê central do partido coordenarem sua prática política. Em qualquer um desses casos, é improvável o surgimento de partidarismo em massa popular. A chave para o cultivo do partidarismo massivo está no propósito programático das elites partidárias com a organização do partido não como de vanguarda descolada das lutas populares.

Destacam as consequências para o surgimento do partidarismo em massa popular com esforços de divulgação organizada em nível nacional. Criam e mantêm links do partido com indivíduos da sociedade civil organizada. Essas conexões forjam a cola capaz de unificar o grupo e solidificar as identidades partidárias nas mentes dos eleitores.

O petismo se espalhou devido ao esforço estratégico com a marca do PT. Usava as filiais organizacionais locais do partido para alcançar indivíduos em movimentos sociais, em escala nacional, predisposta a gostar da abordagem da política trabalhista e social do PT.

O PT apelou com sucesso aos militantes já mobilizados, ou seja, tendia a ganhar membros partidários onde a sociedade civil já estava organizacionalmente densa. Isso sugere as estratégias “de cima para baixo” e “de baixo para cima” para cultivar militantes partidários serem os lados opostos da mesma moeda. Uma estratégia vanguardista de cima para baixo talvez não dê frutos se não puder capitalizar o trabalho já obtido por uma sociedade civil densa, reunindo indivíduos afins, para alcançar um objetivo compartilhado. Política é ação coletiva com determinado fim.

Dados os eventos recentes, os coautores também oferecem uma explicação para o declínio no petismo entre os eleitores brasileiros. Uma vez que uma organização do partido já esteja implantada no lugar e o partido tenha cultivado com sucesso sua marca, o que pode causar os eleitores deixarem de se “apaixonar” por seu partido? Porque os eventos são tão recentes (e porque faltava uma bola de cristal em 2010 capaz de prever o declínio posterior do PT), não têm dados da pesquisa para desenvolver uma explicação e, portanto, o argumento dos coautores permanece provisório. O que sugerem está enraizada nas diferentes abordagens para entender a natureza do partidarismo.

A “escola de Michigan” sugere o partidarismo ser uma forma de identidade social, um “motor imóvel” capaz de conduzir as atitudes políticas. Obviamente, isso não pode ser verdade para todos os eleitores da época, pois não explica como os eleitores passam a desenvolver determinada identidade partidária, em primeiro lugar, nem explica porque às vezes os apegos dos eleitores se dissipam.

Aqui, a “escola Rochester” pode ajudar. Argumentou o partidarismo ser melhor pensado como uma “contagem progressiva”, onde os indivíduos atualizam continuamente as qualidades de seus partidos à luz de eventos como crises econômicas ou escândalos. Nesta visão, o partidarismo é causado por reavaliações dinâmicas, em vez de ser uma causa de avaliações.

Pesquisas recentes sugerem, para a maioria dos partidários, algo no meio desse caminho: o partidarismo é uma forma de identidade social, mas a intensidade da adesão também pode variar. Na medida em que isso é verdade, têm uma explicação para a ascensão e o declínio do petismo.

Por um lado, o meio termo permite as atitudes partidárias serem heterogêneas. Por exemplo, algumas opiniões partidárias são “essenciais” – os fanáticos só veem seu partido de maneira positiva à luz de ver todas as informações negativas sobre seu partido como fruto de propaganda ou campanha de difamação. Em contraste com esses crentes verdadeiros, outros partidários críticos podem ser mais ambivalentes. Eles sabem apoiar seu partido em detrimento de qualquer outro, mas eles aceitam, em certo sentido, a crítica. Enfim, “ninguém é perfeito”.

Outra descoberta ajuda a explicar o declínio do petismo. Para a maioria dos partidários, a intensidade de seu vínculo varia de uma maneira particular: o partidarismo é “limitado”, oscilando entre identificar-se com um certo partido ou identificar-se como independente. No entanto, os partidários raramente trocam de partido. A questão é: quais fatores causam alguns partidários questionarem seu apego ao partido e, talvez, mudar de “petista” para “apartidário” em uma resposta comum de pesquisa?

A resposta dos coautores é semelhante aos esforços recentes para explicar o colapso partidário na América Latina: o petismo declinou porque os eventos lançaram o partido sob uma luz negativa. Principalmente, os petistas ficaram desiludidos com a má administração de Dilma sobre a economia brasileira, no início de seu segundo mandato, e com o aparente abandono do partido dos princípios inicialmente capazes de os atrair para sua bandeira.

A explicação dos coautores para o segundo quebra-cabeça, a propagação do antipetismo, também depende de elementos do SIT. O SIT postula: membros anexados, dentro e fora do grupo partidário original, podem emergir simbioticamente, mas entre pessoas diferentes. Se surge uma forma específica de identidade social (por exemplo, racial, étnica ou partidária), aqueles com as quais elas não se encaixam veem o novo grupo como uma ameaça e agem de modo a ele ser deliberadamente excluído, provocando ressentimentos no novo grupo.

Esses “forasteiros” podem ou não ter seu próprio “grupo”, por exemplo, a geração universitária posterior à da luta armada na virada dos anos 60s para os 70s, mas sua exclusão contribui para a formação de atitudes negativas. O que é pertinente é se as antigas percebem a nova forma de identidade como um “grupo externo”.

Essa lógica também implica o surgimento do antipetismo: a percepção do PT como um grupo externo à política tradicional brasileira. Depende do surgimento do petismo como uma forma de identidade grupal fechada, inclusive estabelecendo sua nomenclatura durante seu governo.

Essa explicação do antipetismo destaca uma importante ironia da política brasileira: o PT foi vítima de seu próprio sucesso. Por trinta anos o PT era a marca partidária mais proeminente no Brasil. Apesar de escândalos prejudicarem gravemente sua reputação, isso permanece verdadeiro: os eleitores ainda formam opiniões sobre o PT e pintam seus membros e autoridades eleitas com os mesmos traços gerais, tanto positivos, quanto negativos.

Isso eles não fazem em relação a políticos de outros partidos, simplesmente porque esses partidos carecem de reputação coletiva reconhecível. A desvantagem de uma forte reputação partidária, a qual nem políticos nem estudiosos tinham antecipado (inclusive os próprios coautores), é o sucesso do PT ter dado aos eleitores predispostos a não gostar de política um alvo claro.

As origens do partidarismo positivo residem na consciência e na persistência de esforços dos partidos para cultivar laços organizacionais com pessoas envolvidas politicamente e cidadãos ativistas, tanto na oposição, quanto no governo. As origens de partidarismo negativo, por outro lado, podem estar na reação aos mesmos partidos com esforços bem-sucedidos para cultivar partidarismo positivo. No contexto brasileiro, os esforços de criação de marca do PT criaram petistas e antipetistas.

 

 

Argumento para a Ascensão do Petismo e do Antipetismo publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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