segunda-feira, 8 de julho de 2019

Desigualdade Social

Lilia Moritz Schwarcz, no livro “Sobre o autoritarismo brasileiro”, diz: “um problema crucial de nossa agenda republicana é a manutenção de uma vergonhosa desigualdade social, herdada do passado, mas produzida e reproduzida no presente”.

Segundo relatório da Oxfam Brasil de 2018, se em 2016 ocupávamos a 10ª. posição no ranking global da desigualdade de renda, em 2017 passamos para o 9º. lugar, com o problema se aguçando em vez de melhorar.

O fenômeno da desigualdade é tão enraizado entre nós que se apresenta a partir de várias faces:

  1. a desigualdade econômica e de renda,
  2. a desigualdade de oportunidades,
  3. a desigualdade racial,
  4. a desigualdade regional,
  5. a desigualdade de gênero,
  6. a desigualdade de geração e
  7. a desigualdade social, presente nos diferentes acessos à saúde, à educação, à moradia, ao transporte e ao lazer.

A desigualdade social é especialmente aguda, e tende sempre a aumentar em países com poucas oportunidades de emprego. Eles apresentam investimento discreto nas áreas sociais e não estimulam o consumo de bens culturais. Não por coincidência, a desigualdade afeta, vigorosamente, os países periféricos e de passado colonial, onde se percebe a preservação de um robusto gap social no padrão de vida dos habitantes.

O Brasil foi formado a partir da linguagem da escravidão. Ela é, por princípio, um sistema desigual no qual alguns poucos monopolizam renda e poder, enquanto a imensa maioria não tem direito à remuneração, à liberdade do ir e vir e à educação.

A paisagem colonial foi tomada por grandes latifúndios monocultores, onde os senhores de terra tinham domínio absoluto e concentravam a renda. A corrupção e o enraizamento de práticas patrimonialistas também não auxiliaram a prover o país de uma realidade mais inclusiva. Ao contrário, notabilizaram-se por dispor interesses privados acima dos públicos, privando os setores mais vulneráveis de nossa sociedade de benefícios que o setor público deveria proporcionar com maior equanimidade.

Mão de obra escrava, divisão latifundiária da terra, corrupção e patrimonialismo, em grandes doses, explicam os motivos que fizeram do país uma realidade desigual. Não dão conta de esclarecer, porém, por que, a despeito do processo de modernização e de industrialização conhecido pelo país no século XX, não conseguimos romper totalmente com esse círculo vicioso do passado.

De um lado, pesquisas vêm comprovando que temos mostrado alguma alteração, para melhor, nos dados que medem a desigualdade social no Brasil. Segundo registros colhidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) — que analisaram as condições de vida dos brasileiros em 2018 —, a fatia da renda nacional apropriada pelos 10% mais ricos caiu nos últimos anos de 46% para 41%, enquanto o pedaço dos 50% mais pobres cresceu: de 14% para 18%.

Mas existem discordâncias com relação a esses resultados. Marc Morgan Milá, economista irlandês discípulo de Thomas Piketty, indicou em pesquisa de 2018 que os governos brasileiros, na prática, jamais optaram por enfrentar a desigualdade social. Na opinião desse estudioso, ela é maior do que se supunha, com uma imensa concentração de renda retida no topo da pirâmide social: o grupo que representa os 10% mais ricos da nossa população acumula mais da metade da renda nacional. Entre os anos de 2001 e 2015, essa fatia da população teria visto sua parte na renda crescer de 54% para 55%. E, ainda de acordo com os cálculos de Morgan, a renda apropriada pelos 50% mais pobres também subiu nos últimos anos; de 11% para 12% do total. No entanto, 40% da população brasileira, a parcela do meio, teve sua participação na renda encolhida de 34% para 32%.

A mesma investigação revela como o estrato mais rico da população, que corresponde a apenas 1% dos brasileiros, abocanha 28% da renda nacional. Realizando uma comparação com outros países, o pesquisador irlandês apontou que, nos EUA, as elites, o 1%, concentram 20% da renda, e na França, 11%. E ainda: se na França a renda anual dos grupos que se encontram entre os mais ricos é inferior a 925 mil reais, no Brasil a renda média anual desses setores chega a valores equivalentes a 1 milhão de reais.

Em 2018, um relatório preparado pela Oxfam Brasil chamado “País estagnado: Um retrato das desigualdades brasileiras” apresenta um panorama igualmente pessimista. Segundo a instituição, pela primeira vez em 23 anos o Brasil vê sua distribuição de renda estacionar e a pobreza recrudescer. Também se distanciou a convergência de renda entre mulheres e homens, bem como a equiparação de renda entre negros e brancos. Esses resultados são alarmantes, nos termos dos autores que assinam o relatório, ainda mais sendo a maioria da população brasileira composta, justamente, de mulheres, negros e pardos.

O mesmo documento explica: nos últimos cinco anos aumentou a proporção da população em condição de pobreza, cresceu o nível de desigualdade da renda no trabalho, ampliaram-se os dados de mortalidade infantil. A medida da desigualdade da renda no país expressa no Gini de renda domiciliar per capita, o qual apresentava uma taxa de decrescimento desde 2002, estagnou entre 2016 e 2017.

Conforme os organizadores, o desenvolvimento sustentável “caminha a passos largos para trás”. Por exemplo, entre 2016 e 2017, os 40% mais pobres tiveram uma variação de renda pior do que a média nacional. No mesmo contexto, as mulheres e a população negra apresentaram um desempenho de renda abaixo daquele dos homens e da população branca.

Esse resultado não pode ser tomado, porém, de forma isolada. De alguma maneira, ele é consequência da crise econômica, fiscal e política vigente no Brasil desde o segundo trimestre de 2014. Ela acabou por gerar uma clara retração da renda nacional, bem como expressa o processo de recessão experimentado no país, cujos índices de desemprego praticamente dobraram, passando de 6,8% em 2014 para 12,7% em 2017. Tal processo afetou, sobretudo, os mais pobres, as mulheres e a população negra, tendo sido, inclusive, percebido pelos brasileiros: nove em cada dez pessoas hoje definem o país como “muito desigual”.

Desigualdade Social publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário