Uma boa política econômica previne o crescimento excessivo de dívida e a inflação de ativos com políticas macroprudenciais e política fiscal rígida. Uma má política econômica é permissiva com novos investimentos financiados por dívida de especuladores, p.ex., imobiliários, apostando na tendência de alta dos preços com juros baixos demais.
José Roberto Campos (Valor, 30/07/19) aponta corretamente: onze anos após o início da maior crise financeira desde os anos 1930, a inflação mantém-se em seu patamar mais baixo em todo o mundo.
O fenômeno é global. A inflação média nos maiores países emergentes é hoje um quinto da existente entre 1980 e 2008.
Nesse período pré-crise, a média inflacionária (medida pelos gastos pessoais de consumo) nos Estados Unidos foi de 2,6%, o PIB cresceu 3,4% ao ano e o título do Tesouro de 10 anos pagava 6,5%. Hoje, a inflação é de 1,6%, o PIB cresce 2,1% e o título de 10 anos rende 2,4%.
No Brasil, o IPCA nos doze meses encerrados em julho foi de 3,37% e os juros básicos nominais (Selic) de 6,5%, são os menores em décadas. A inflação ficará pelo terceiro ano consecutivo abaixo da meta e o juro real projetado (com swap pré 360 dias), de 1,66% em 26 de julho, se aproxima do menor: 1,54% em dezembro de 2012.
A desinflação brasileira, porém, guarda relação menos direta com a queda estrutural dos preços nos países desenvolvidos. Em 2015, o IPCA foi de 10,67%, devido ao choque inflacionário provocado pela inflação de alimentos, uma quebra de oferta devido à seca, respondida equivocadamente com um choque de juros. Somaram-se o choque tarifário e/ou em preços administrados (+18%) e o choque cambial. Toda essa “política levyana” resultou da pressão do lobby de O Mercado para a volta da Velha Matriz Neoliberal. Depois, o locaute empresarial criou o ambiente para o golpe semi-parlamentarista. Deu no atual desastre econômico e político.
A política de afrouxamento monetário dos BCs dos países avançados acumulou US$ 15 trilhões em expansão de liquidez. A inflação não saiu do lugar: foi a “pá-de-cal” no enterro definitivo do monetarismo. Mas também “dinheiro farto e barato” não leva ao crescimento durante armadilha de liquidez.
Em lugar de estagflação surgiu a estagdesigualdade. O desaquecimento das economias e a queda inflacionária foram a troca para evitar o pior, a Grande Depressão. Mas, para alegria dos ricaços, não evitou maior concentração de renda e riqueza.
Neste mês se confirmou o mais longo período de expansão econômica já registrado pelos EUA. O atual ciclo de expansão da economia americana começou em junho de 2009 e, com 121 meses, é o mais longo desde o início dos registros em 1854. Mas o crescimento acumulado nesse período, de 25%, é o mais fraco em relação aos ciclos anteriores de crescimento.
Os bancos centrais inovaram com o “quantitative easing“. A mais poderosa economia do mundo não suporta uma taxa de juros de 2,5%. Na Europa, com juros negativos, o horizonte para inflação dificilmente ultrapassará 1% por vários anos adiante.
A política monetária pede “novas ideias”. O afrouxamento monetário fez os juros mergulharem abaixo de zero, sendo inédito na escala e extensão utilizados. O sistema financeiro foi reerguido, mas a tendência subjacente da inflação, não. Ela é declinante desde meados dos anos 1980 nos Estados Unidos, para não falar do Japão a partir dos anos 1990 e as principais economias a partir daí. Ninguém sabe a razão — nem mesmo os bancos centrais.
Nada parece insuflar os preços. Não certamente o maior período de crescimento contínuo da economia americana desde 1854 (11 anos até agora) nem a menor taxa de desemprego vista no país em 50 anos (3,8%), muito abaixo daquela antes considerada como pleno emprego. Os salários deveriam reagir e provocar inflação, mas não o fizeram. Os fatos indicam: a memória (ou inércia) inflacionária funciona tanto quando a inflação está em alta como em baixa.
A estabilidade dos preços com inflação residual ou em uma deflação pressiona com urgência a necessidade de um choque de demanda efetiva, provocado por gastos públicos em lugar de gastos privados, paralisados pelas expectativas pessimistas reinantes entre empreendedores.
- Há vários motivos confluindo para a baixa inflação.
- O progresso tecnológico fez os bens de investimento despencarem de preço, assim como aumentaram exponencialmente sua eficiência.
- A potencial ameaça de automatização radical, contida nos avanços da TI, estaria sendo suficiente para conter os salários reais mesmo em um quadro de pleno emprego e enfraquecer os sindicatos.
- A participação em cadeias de valor globais tende a nivelar salários pelo do país mais competitivo, assim como a competição internacional.
- Há efeitos demográficos (envelhecimento da população).
- Há também desconfiança em relação aos métodos tradicionais de aferição da produtividade, há muito em queda nos países avançados.
Com o endividamento geral subindo da década de 1950 até 2007 de 50% para 170% e, mesmo depois da crise, passado a barreira dos 230% do PIB global, juros em alta podem provocar recessão.
Discordo de quem afirma ser “ilusão keynesiana” defender os gastos públicos serem a solução para depressão com armadilha de liquidez. A recuperação global esboçada desde 2015 até meados de 2018 foi provocada pelo aumento do déficit público das três maiores economias do mundo:
- o dos Estados Unidos subiu de 3,9% para 4,7% (2018),
- o da China deixou o superávit de 0,9% para um déficit de 4% do PIB e
- o BC japonês comprou com títulos praticamente todas as dívidas feitas no período.
O Brasil — uma ex-colônia dependente de educação, ou seja, ciência e tecnologia — é um caso à parte:
- pela histórica carência de abertura de sua economia ao exterior e
- pela arraigada tradição inflacionária.
Mais uma vez, as circunstâncias levam os BCs mundiais a manter confortável a liquidez global e conter os juros, permitindo o Brasil ganhar tempo para arrumar o descalabro fiscal sem tocar no principal fator condicionante do crescimento da DBGG, as extraordinárias operações compromissadas em R$ 1,25 trilhão, reduzir os juros e enfrentar seu principal problema: a falta de crescimento de renda e emprego.
Os índices de preços ao consumidor subiram, em média, 3% no Chile, na Colômbia, no México e no Peru, considerando os 12 meses encerrados em junho. No Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 3,37%. No Chile e no Peru, a inflação foi de 2,3%.
Entre os motivos para a inflação um pouco maior aqui, mesmo com grande ociosidade, economistas ortodoxos apontam:
- a meta inflacionária mais elevada,
- a baixa produtividade e
- o menor grau de abertura comercial.
Dos quatro países, o único a registrar inflação superior à brasileira é o México, onde o índice aumentou 3,9% no ano encerrado em junho, acima da meta perseguida pelo BC do país, de 3% ao ano. Colômbia e Chile têm 3% como alvo central, enquanto o Peru mira variação de preços de 1% a 3%. Argentina e Venezuela ficaram de fora da amostra por não usarem o regime de metas.
Não só a “inflação cheia” no Brasil segue mais alta. Também à exceção do México, os núcleos — excluem ou reduzem o impacto de itens voláteis — estão em nível maior por aqui. A média dos três núcleos mais acompanhados pelos analistas e pelo BC subiu 3,2% nos 12 meses até junho. No Chile, Peru e Colômbia, os núcleos ficaram em 2,1%, 2,3% e 3%, pela ordem.
Já a inflação de serviços brasileira recuou mais de cinco pontos percentuais entre seu pico — de 9,2%, atingido em junho de 2014 — e junho de 2019, quando marcou 3,95% em 12 meses. Ainda assim, permanece mais alta se comparada à desses quatro países latino-americanos.
Há enorme capacidade ociosa na economia brasileira, contribuindo para reduzir ainda mais a inflação. O hiato do produto, uma medida de ociosidade na economia, está negativo em cerca de -4,5% no Brasil, estima. Esse é também o nível mais elevado de ociosidade entre os cinco países analisados. Na média de México, Peru, Chile e Colômbia, o hiato está negativo em -1%.
Se o BC cortar juros isso se deverá, além da fraqueza da atividade:
- à credibilidade da autoridade monetária e
- às expectativas sob controle.
Economistas “realistas” (focados no “lado real ou produtivo”, sic) não se atentam para a necessidade de desalavancagem financeira de grandes empresas não-financeiras brasileiras. Para tanto, necessitam diminuir os encargos financeiros com juros.
Elas estão quebrando por causa da operação Lava-Jato e a recessão, mas também contabilizam as despesas com endividamento praticamente no mesmo nível do retorno sobre o capital investido (ROIC). Segundo o IEDI, a relação entre o endividamento líquido e o capital próprio se elevou de 69,4% em 2014 para 96,1% em 2018.
Por exemplo, a Bardella, fabricante de equipamentos para setores industriais, ajuizou, no fim de julho de 2019, um pedido de recuperação judicial, depois de registrar prejuízo anual por três anos consecutivos e acumular débitos de R$ 387 milhões. A empresa pertence a Cláudio Bardella, importante líder empresarial da indústria de base no período da ditadura militar. Com 108 anos de história, a fabricante não resistiu:
- à queda da demanda por equipamentos, principalmente no setor de óleo e gás, e
- às consequências da recessão dos últimos anos sobre o setor de bens de capital.
Na petição de recuperação judicial, enviada à 9a Vara Cível de Guarulhos-SP , a Bardella culpa a deterioração da economia brasileira a partir de 2014 como principal razão para piora da situação financeira da companhia. No documento, a empresa destaca a indústria brasileira, principalmente de infraestrutura, ter entrado em “uma crise sem precedentes na história do país”, afetada pela piora da economia e os efeitos da Operação Lava-Jato sobre os projetos da Petrobras e parceiros.
Coloca sua falência, portanto, na conta dos irresponsáveis procuradores e juiz da comarca da “República de Curitiba”. Destruíram a economia do país para ganhar prestígio e enriquecimento pessoal com “palestras” para os acusados!
Quando se colocam as variáveis brasileiras na chamada curva de Phillips, estabelecendo uma relação inversa entre desemprego e inflação, o resultado esperado seria de uma queda maior dos índices de preços. A margem de ociosidade é enorme, o hiato do produto está negativo há quatro anos. O Brasil tem 13 milhões de desempregados, com desemprego de 12%. Ter uma inflação de serviços em 3,8% não é motivo para grande celebração.
O Brasil não tem um problema com o nível de preços, mas um IPCA ao redor de 3% em 12 meses não pode ser considerado baixo. Para padrões brasileiros, o IPCA está baixo, tendo recuado com força nos últimos anos. Em 2015, atingiu 10,7%.
Para quem tem como maior pavor “a eutanásia dos rentistas” (inflação superando juros prefixados), a meta no Brasil ainda é alta, mesmo a definida em 3,5% como alvo em 2022. A equivocada prioridade é o processo de redução da meta continuar rumo aos 3%.
Além da meta menos rigorosa, problemas de produtividade e gargalos de oferta contribuem para os preços subirem mais por aqui. Além disso, a economia brasileira é mais fechada, também contribuindo para manter os preços em nível mais alto. Os preços não comercializáveis, como serviços, têm um peso maior.
Quando o país voltar a crescer, provavelmente, o IPCA acelerará para cerca de 4%, o que seria um nível razoável. A indústria, serviços e comércio irão expandir suas margens de lucro, consideradas muito baixas face ao padrão histórico brasileiro. Quem viver, verá…
Prioridade: Retomada do Crescimento em lugar de Combate à Inflação publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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