terça-feira, 30 de julho de 2019

Disparidade entre Análise Grafista e Análise Fundamentalista: Fuga de Capital Estrangeiro da Bolsa de Valores

Adriana Cotias e Juliana Machado (Valor, 18/07/19) informam: os estrangeiros não caíram no mito da reforma da Previdência como panaceia para os maus fundamentos da economia brasileira, caracterizada como uma estagdesigualdade. O governo populista de direita pratica um desmanche no BNDES e não investe em infraestrutura para retomada do crescimento da renda e do emprego.

O Brasil não voltará tão cedo ao mapa dos fluxos internacionais de investimentos em portfólio. Não vai ser da noite para o dia, até o mercado de ações ser inundado pelo capital externo. Os recursos só voltarão, progressivamente, à medida que a economia brasileira dê sinais de recuperação. Pesa ainda contra o dinheiro novo o período de férias no hemisfério Norte. Tradicionalmente, reduz os volumes negociados nos mercados mais maduros.

Pela complexidade do tema fiscal, o mercado brasileiro não vinha nem sendo considerado. Por ora, ainda não vai se ver o estrangeiro se mobilizando. O Brasil poderá começar a aparecer em pesquisas mais técnicas — e não de avaliação de risco político. Se isso vai trazer o investidor global, ele não estará olhando para o país pela complexidade de sua história política, quando a extrema-direita evangélica e miliciana se apossou do governo.

Pelas estatísticas da EPFR, compiladas pela Mauá Capital, a alocação em fundos dedicados a mercados emergentes em ações no Brasil estava em 8,2% no fim de maio de 2019, em comparação ao percentual de 16,7% de uma década atrás na Era Social-desenvolvimentista (2003-2014). A parcela dos fundos globais em 2009 era de 2,4% e limita-se a 0,5% atualmente.

Já pelos dados da B3, o fluxo do capital estrangeiro no pregão está negativo em R$ 4,8 bilhões neste ano, depois de resgates líquidos de R$ 11,5 bilhões em 2018. O último dado positivo foi em 2017, quando ingressaram R$ 13,4 bilhões na bolsa.

Conforme ocorram novas concessões e oportunidades de ‘private equity‘, o capital de longo prazo poderá vir para o Brasil, pois ele passa a ter acesso a um funding mais competitivo. Seriam fundos de private equity mais ligados à economia real. São recursos que alimentam as estatísticas do capital estrangeiro do lado do investimento direto e em parte no investimento em carteira.

“A venda de participações em estatais, os investimentos em infraestrutura e no agronegócio são promessas ainda não cumpridas. A frustração com a atividade decorre da retração do Estado, seja por meio do BNDES seja via subsídios, na economia sem a entrada do investimento privado compensar na mesma velocidade.

É difícil prever quando vira a chave, porque as coisas são graduais, quase parando, neste país. É preciso monitorar se há tendência de melhora acompanhada da entrada de capitais na economia como um todo.

Historicamente, há uma relação entre crescimento e fluxo externo, as duas coisas vêm juntas. Se isso ocorrer, é de se esperar uma valorização adicional do real.

As projeções do Banco Central para os investimentos diretos no país (IDP) neste ano já estão na casa dos US$ 90 bilhões, enquanto nos investimentos em portfólio (bolsa, renda fixa, fundos) e nos financiamentos bancários de curto prazo são cerca de US$ 60 bilhões negativos pelas últimas compilações. Parte da saída decorre de desmonte de posições feitas em estratégias de arbitragem de juros no passado. É difícil medir o estoque dessas posições e quanto é realmente de fluxo negativo.

Haverá disposição para alocar mais dinheiro no mercado local quando o país virar a página do mito da Previdência como solução de todos os problemas. Aí o governo começa a trabalhar ou cai fora!

As movimentações não são automáticas até porque os ativos responderam bem ao fluxo do investidor local e alguns preços podem parecer caros à primeira vista para o capital externo. Nas estratégias ligadas a juros longos, por exemplo, as taxas recuaram bastante e parece que esse é um segmento em que não há mais jogo. O estrangeiro não pode identificar ainda ganhos potenciais no real e na bolsa.

O investidor não residente aproveitou a alta das ações desde o fim do ano passado para corrigir a sua exposição ao Brasil, porque, com a valorização especulativa, o país passou a ocupar mais peso nas carteiras globais e dedicadas a emergentes. Agora, está acabando a ilusão. Essa classe de investidor não voltará a ampliar as compras por aqui com uma economia real rastejante. Esta estagdesigualdade não vai permitir o Brasil ganhar espaço adicional nos portfólios. Isso não vai acontecer apenas com a reforma, mas sim com uma política fiscal ativa para o gasto público substituir o gasto privado inerte.

Daqui a pouco vai se acreditar: o estrangeiro está ‘vendido’ e não vai reverter apostas contra a bolsa. Estrangeiros já estão, em boa parte dos casos, com alocação acima do neutro [‘overweight‘, equivalente à compra] em Brasil. Realiza ganhos e cai fora.

Quem tem indicação “overweight” (acima da média) para o mercado acionário brasileiro, faz repatriamento de capital. Ele não acredita no efeito de longo prazo da reforma da Previdência tirar da frente o risco fiscal. O fluxo deve se restringir ao perfil mais oportunista, de curto prazo, com o capital mais estrutural, de longo prazo, esperando outros sinais de reativação da economia.

A ladainha neoliberal é contínua: “com a Previdência, o país resolve a questão da solvência, mas não necessariamente a parte do crescimento econômico. Há outras coisas que precisam acontecer, como a reforma tributária, a redução do peso do Estado. Durante muitos anos, o BNDES, os bancos públicos ajudavam nisso, mas agora, sem os anabolizantes, são necessários outros impulsos para [o setor privado] voltar a investir e o Brasil melhorar sua produtividade.”

Para que o investidor com perfil de longo prazo retorne, serão necessários outros passos para que o Brasil recuperar o selo de investimento não especulativo pelas agências de rating. Isso daria o sinal verde para que fundos soberanos e “endowments” considerassem os ativos locais nas suas alocações, já que alguns estatutos proíbem a alocação em mercados classificados com grau especulativo (“junk“). Tem muito dinheiro lá fora, com juros negativos, mas não pode entrar porque o Brasil não é grau de investimento.

Com a promoção do rating em vista, um novo fluxo poderia ser destinado à renda variável no Brasil. Mas isso também ocorreria de forma gradual. Alguns fundos só podem investir com o grau de investimento, mas, como tudo no mercado, a tendência é isso ser precificado antecipadamente. Se olharmos o CDS [medida de risco-país], está bem próximo de quando o País recebeu o grau de investimento, então  veja a permanência da cegueira das agências de rating.

Se o país passa a ser um país “investível”, o preço justo para o Ibovespa poderia ser da ordem de 200 mil pontos, mas com outra configuração, com novas empresas listadas na bolsa, acrescenta os vendedores de ilusão. Só o fato de ter taxas de juros de longo prazo mais estáveis e um prêmio de risco menor trazem um potencial de o índice alcançar os 120 mil pontos em curto espaço de tempo, diz especulador insider para raspar dinheiro de outsider. Buscar algo acima disso vai depender ainda de fatores ligados à economia global, como o ritmo da desaceleração, o rumo das commodities e as reações a políticas monetárias mais frouxas, como a do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

Disparidade entre Análise Grafista e Análise Fundamentalista: Fuga de Capital Estrangeiro da Bolsa de Valores publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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